quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

RELIGIÕES GLOBAIS REPARTEM MERCADO DAS ALMAS

Elaine Senise Barbosa
Expansão das religiões nutre-se da implosão do socialismo e das dores da modernização do Terceiro Mundo
A globalização atingiu o mercado de almas. As grandes religiões estão crescendo de forma surpreendente, indicando a tendência ao desaparecimento das seitas locais e a subordinação de crenças tradicionais. No mundo todo, forma-se um verdadeiro oligopólio religioso. A taxa de crescimento das grandes fés, entre 1985 e 1997, foi mais que duas vezes maior que a taxa de crescimento da população mundial .
Parte desse sucesso está relacionado à modernização do Terceiro Mundo. A acelerada urbanização enfraquece e eventualmente conduz à extinção os cultos tribais e familiares. Os migrantes buscam, nas cidades, novos laços de identidade nas comunidades religiosas dos bairros. Simultaneamente, a difusão dos meios de comunicação de massa, especialmente rádios e tevês, contribui para a re-sociabilização religiosa.
A enorme quantidade de emissoras e programas de temática religiosa indica a existência de um vasto mercado a ser explorado.
O crescimento dos cristãos ortodoxos - o maior de todos, em termos relativos - deve ser interpretado com cautela pois, muito provavelmente, os dados de 1985 eram bastante incompletos ou mesmo distorcidos. A causa está na concentração dos fiéis ortodoxos na antiga União Soviética e nos países do leste europeu. Nesses Estados, os regimes de partido único pretenderam eliminar o clero ortodoxo e seus ícones sagrados, ocultando a verdadeira dimensão deste poder espiritual. Destronados os comunistas, a Igreja Ortodoxa rearticula-se para recuperar sua liderança.
Milhões de fiéis, que mantinham o culto em segredo, voltam a manifestar sua fé.
Em 12 anos, o Islã dobrou o número de fiéis e tornou-se, isoladamente, a maior religião do mundo. Só na Ásia são 800 milhões de adeptos. Há algumas pistas para entender este fenômeno. Os países islâmicos fazem parte do Terceiro Mundo e exibem elevadas taxas de crescimento vegetativo e urbanização. As antigas repúblicas soviéticas da Ásia Central, majoritariamente muçulmanas, constituíam um reservatório mais ou menos oculto de fiéis, que agora (como os ortodoxos) voltam a enxergar na religião um norte político.
Mas há outras pistas. Na nova conjuntura internacional, marcada pelo fim da Guerra Fria, países da África e Ásia foram privados dos auxílios garantidos pela política de alinhamento a Washington ou a Moscou. As superpotências patrocinavam elites nacionais, aparelhos de Estado e homens em armas. A implosão desse modelo, associada às transformações ligadas à globalização, fortalece lideranças e práticas religiosas entre populações miseráveis.
As igrejas cristãs estão disseminadas por todo o mundo, principalmente na Europa e América. O islamismo, o budismo e o hinduísmo são essencialmente asiáticos - o que diz muito sobre a antigüidade e a densidade de ocupação deste continente. Somente lá, uma religião nacional como o hinduísmo consegue manter-se como a terceira maior do mundo. Há um ano, o Bharatiya Janata Party (BJP), partido ultra-nacionalista de base religiosa, ocupa o governo da Índia e ameaça o regime laico que serve de leito para hinduístas e muçulmanos.
Comparações superficiais podem dar a falsa impressão de enfraquecimento da Igreja Católica. Mas o barulho em torno da suposta estagnação do catolicismo não deve mascarar o fato de que a religião cresceu aceleradamente, no Ocidente e na África. Essa expansão, sob o comando unificado do Vaticano, contrasta com a difusão fragmentária do protestantismo, dividido em uma miríade de igrejas e cultos. A Igreja Católica é uma obstinada e conservadora senhora de quase dois mil anos e vai muito bem, obrigada. Alardear o crescimento de protestantes e islâmicos é uma das estratégias de Roma para unir o seu rebanho e relançar um espírito de cruzada e evangelização.
O Vaticano enfrenta muitos problemas. Talvez o mais sério deles seja a falta de interesse dos jovens em ingressar no clero. Mesmo assim, no período, o catolicismo ganhou 410 milhões de novos adeptos, 187 milhões só na América. Não é porque Deus é brasileiro que o papa aqui esteve por três vezes e outras tantas nos diversos países americanos, inclusive Cuba. Também não são casuais as especulações em torno da possibilidade de o sucessor de João Paulo II vir da América Latina ou da África. A África foi, afinal, a terra nova sobre a qual marcharam, avassaladoramente, as religiões ocidentais e orientais na última década.
A expansão católica deve muito ao pontificado de João Paulo II, o “papa peregrino”, que através de uma política conservadora, combateu e silenciou as posturas mais liberalizantes dentro da Igreja - notadamente a Teologia da Libertação, muito forte no início dos anos 80. Este rigor doutrinário, paradoxalmente, uniu e fortaleceu a instituição. Na sua estratégia, o papa tem incentivado o conteúdo místico da religião, através, por exemplo, do apoio à corrente Renovação Carismática, que pesca no mesmo lago das seitas evangélicas organizadas em torno de “curas” e “exorcismos”.
Boletim Mundo Ano 6 n° 6

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