domingo, 20 de fevereiro de 2011

OSCILAÇÕES CLIMÁTICAS AFETAM A HISTÓRIA

Demétrio Magnoli
As temperaturas médias da superfície terrestre apresentam, ao longo do tempo geológico, uma estabilidade animada por oscilações periódicas. Há mais de 3 bilhões de anos, quando a composição de gases atmosféricos permitiu o desenvolvimento da vida aeróbica, as temperaturas estacionaram em torno dos 150C. De lá para cá, registraram variações de até mais ou menos 50C em torno do ponto médio.
A história dos ciclos de aquecimento e resfriamento está impressa em rochas e fósseis. Através deles, os estudiosos dos paleo climas traçaram o percurso das longas oscilações descendentes, as idades glaciais, e das profundas e curtas depressões térmicas, as glaciações.
O período geológico atual, o Quaternário, que começou há cerca de 1,6 milhão de anos, aparece como uma única idade glacial, pontilhada por cinco glaciações no hemisfério norte. O encerramento do episódio glacial mais recente assinala a difusão do Homo sapiens e, no Oriente Próximo, a deflagração da Revolução Neolítica, que gerou as primeiras civilizações agrícolas.
No final da glaciação Wisconsin, a regressão marinha secou o Estreito de Bering, abrindo um “corredor de tundra” entre a Sibéria e o Alasca. Por lá passaram grupos humanos que, depois do recuo dos glaciares, seguiram uma rota migratória em direção ao sul, pelo leste das vertentes das Montanhas Rochosas canadenses e povoando toda a América. Segundo a teoria clássica hoje contestada por achados arqueológicos e interpretações das divergências de línguas - essa foi a onda pioneira de povoamento do continente. Nos 12 mil anos do Holoceno, as oscilações térmicas foram pequenas. Contudo, a relativa estabilidade das médias globais não exclui variações com forte impacto regional. Mudanças nas médias globais de menos que 10C são compatíveis com variações regionais de 30C ou mais. Não é pouco. No auge da glaciação Wurm, as temperaturas globais eram “apenas” 50C mais baixas que as atuais.
Nos glaciares dos Alpes e da Escandinávia, a fossilização  das sementes de coníferas e pólens de flores guarda a memória das oscilações climáticas na Europa medieval. Esses registros indicam um significativo aquecimento entre os séculos VIII e XIII, provavelmente mais intenso na porção setentrional do continente. Em 874, os vikings noruegueses lançaram-se à colonização da Islândia.
Em 982, chegaram à Groenlândia, fundando a colônia de Garda. A grande ilha foi batizada com um nome que significa “terra verde” e revela a amplitude do recuo dos glaciares. Por volta do ano 1000, a expansão atingiu o seu zênite, com a implantação da colônia de Vinland, na ilha de Terra Nova, no atual Canadá. O encerramento do ciclo de aquecimento, no século XIV, coincidiu com o abandono dessas colônias..A oscilação climática foi fator decisivo na expansão e retração viking.
A imaginação histórica poderia criar variados cenários alternativos sobre a evolução sócio-econômica e cultural da América do Norte caso o resfriamento não tivesse ocorrido e os vikings prosseguissem o seu empreendimento colonial, séculos antes de Colombo.
Os séculos  XVII e XVIII são chamados, com evidente exagero, de “Pequena Idade Glacial”. Acredita-se que, nesse intervalo, as médias térmicas globais tenham se reduzido em aproximadamente 10C. Há indicações de que, na Europa ocidental, o resfriamento foi mais acentuado.
O rio Tâmisa, que atravessa Londres, sofreu congelamentos sucessivos, evento bastante incomum. E, com freqüência incomum, nevascas precoces destruíram plantações antes da colheita. A Revolução Francesa de 1789 foi precedida por anos de crises agrícolas e quebras de safras que ajudaram a formar o ambiente para a revolta camponesa e dos pobres das cidades.
Por volta de 2.300 a.C., o rei Sargão I estabeleceu o seu domínio sobre as cidades sumerianas do centro e do sul da Mesopotâmia, criando o Império Acadiano. Contudo, o império desapareceu apenas dois séculos mais tarde.
As cidades do norte esvaziaram-se, enquanto populações migravam para o sul, pressionando os estoques de água e alimentos e provocando desastrosos conflitos internos.
As causas desse desenlace permanecem misteriosas. Estudando amostras de solos dos estratos dessa época, arqueólogos descobriram cerca de 60 cm de areia fina e poeira, um indício de violenta mudança climática.
A desertificação pode ter causado o desastre acadiano, assim como a regressão marinha abriu o “corredor de tundra” para a América e a oscilação medieval ritmou a colonização viking. Mas a Revolução Francesa é outra coisa. Um evento sócio-político do final do século XVIII, quando a explosão industrial acontecia do outro lado do Canal da Mancha, não pode ser explicado por uma “história climática”, mas por um quadro global de crise do absolutismo, que teve no Iluminismo o seu pano de fundo. As oscilações climáticas modificaram, até certo ponto, a história humana. Mas também vale a relação invertida. Para o astrônomo Carl Sagan, o homem vem alterando os climas “de forma substancial e contínua desde a descoberta do fogo”. Não é preciso concordar com essa proposta radical para temer pela oscilação climática que pode estar em curso desde o início da civilização industrial, há cerca de dois séculos.
Nossa era: mero ‘‘parêntesis’’ entre glaciações?
Durante o Quaternário, a Eurásia conheceu cinco grandes glaciações, e a América do Norte, quatro, separadas por inter glaciais . No hemisfério sul, não se  registraram glaciações. Todos os episódios glaciais verificaram-se no Pleistoceno, a época inicial do Quaternário. O final da glaciação denominada Wurm na Europa e Wisconsin na América do Norte, há apenas 12 mil anos, assinala a passagem do Pleistoceno para o Holoceno, a época atual. Alguns geólogos pensam que o Holoceno é uma “invenção” sem sentido, pois não passaria de mais um inter glacial pleistocênico.
Nas glaciações, as águas oceânicas sofrem resfriamento e contração. Parte delas se acumula nas altas latitudes, contribuindo para a formação de vastas e espessas calotas polares. Ocorrem, então, regressões marinhas: o rebaixamento do nível dos oceanos faz emergir extensas planícies costeiras. Os glaciares expandem-se até as latitudes intermediárias e ocupam cotas mais baixas das vertentes das montanhas. Os climas tendem a se tornar mais secos, pela redução da evaporação, e os desertos avançam sobre as estepes e savanas.
Nos inter glaciais, ocorrem transgressões marinhas: a elevação do nível dos oceanos provoca submersão de terras costeiras, enquanto os glaciares recuam para latitudes e altitudes maiores. Os climas tendem a se tornar mais úmidos. Os desertos recuam, as florestas reocupam áreas perdidas na glaciação anterior.
Boletim Mundo Ano 7 n° 2

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