quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

O “XADREZ” DO PODER DAS TROCAS GLOBALIZADAS

O comércio mundial está estruturado em torno de quatro pólos: Europa ocidental, América Anglo-Saxônica, Japão e Ásia. Os três primeiros correspondem aos países desenvolvidos.
A enorme importância da Ásia no intercâmbio global de mercadorias  deve-se ao crescimento dos Novos Países Industrializados (NPIs), ou ‘‘Tigres Asiáticos”, e da China como plataforma de exportação. Na Ásia encontram-se também os países do Golfo Pérsico, que se especializaram na exportação de petróleo. A análise dos eixos estruturantes do comércio mundial revela a hegemonia dos países desenvolvidos.
A Europa ocidental constitui o maior pólo comercial do mundo e apresenta um intercâmbio multi direcional, mas cerca de 60% das suas trocas com outras áreas estão dirigidas para a Ásia e a América Anglo-Saxônica. Isoladamente, a posição de principal parceiro comercial é ocupada pelos Estados Unidos. Esse tradicional intercâmbio transatlântico realça a importância das relações econômicas entre a União Européia e os Estados Unidos. Já as trocas com o Japão são relativamente modestas, menos significativas que o comércio com o Leste europeu e a CEI.
A América Anglo-Saxônica constitui o segundo maior pólo comercial. O papel que desempenha expressa, essencialmente, o peso dos Estados Unidos no intercâmbio global.
Cerca de 60% das suas trocas estão dirigidas para a Ásia e a Europa ocidental. Num segundo plano, aparecem as trocas, bastante significativas, com a América Latina e o Japão. A política comercial dos Estados Unidos reconhece a importância do intercâmbio com a América Latina, que é alvo da estratégia de construção da Alca .
O Japão só é superado pelos Estados Unidos e pela Alemanha no comércio mundial.
O crescimento das trocas com os NPIs e a China Popular, nas últimas décadas, reflete-se no predomínio do eixo de intercâmbio com a Ásia, que corresponde a quase metade do comércio japonês. Em seguida, aparece o intercâmbio com os Estados Unidos.
A Ásia é o único vetor decisivo do comércio mundial formado por países subdesenvolvidos.
O intercâmbio da área, muito elevado, organiza-se nas direções da Europa ocidental, América Anglo-Saxônica e Japão. Isso revela a dependência dos NPIs e da China em relação aos mercados dos países desenvolvidos. Fenômeno semelhante ocorre, em menor escala, com os exportadores petrolíferos do Golfo Pérsico.
Os eixos de estruturação do comércio mundial revelam a persistência das áreas de influência estabelecidas no final do século XIX. A África, cuja participação nas trocas internacionais é muito pequena, mantém intercâmbio significativo apenas com as antigas metrópoles coloniais européias. A América Latina, com peso muito maior nos fluxos globais de mercadorias, direciona o seu intercâmbio principalmente para a América Anglo-Saxônica e, em segundo plano, para a Europa ocidental.
A transição para o sistema de mercado aprofundou a integração da CEI e dos países do Leste europeu à economia global. Mas o crescimento do comércio orienta-se uni-direcionalmente: os antigos países socialistas funcionam, do ponto de vista das trocas de mercadorias, como apêndice da UE.
O comércio entre áreas do mundo subdesenvolvido é insignificante. Dependentes do capital, das tecnologias e dos mercados dos países desenvolvidos, essas áreas funcionam como fornecedoras de manufaturados de baixo valor agregado e produtos primários para a Europa ocidental, a América Anglo-Saxônica e o Japão.
A teoria econômica clássica sustenta que a abertura comercial é uma vantagem em si mesma. O consumo de produtos importados mais baratos elimina setores improdutivos da economia nacional, direcionando os recursos para aplicações mais eficientes, em função de suas vocações históricas e naturais. Esse princípio é o fundamento teórico para a abertura comercial unilateral – mesmo num ambiente de elevadas restrições exteriores ao intercâmbio, seria vantajoso derrubar as barreiras nacionais.
Na prática, as estratégias dos Estados conciliam economia clássica a postulados mercantilistas, em função de interesses definidos politicamente. Washington pressiona por rápidas reduções tarifárias nos setores de alta tecnologia e de serviços, onde se concentram as suas vantagens comparativas, enquanto usam e abusam de medidas protecionistas nos setores industriais tradicionais. Na Rodada Uruguai, uniu-se ao Grupo de Cairns para combater os subsídios agrícolas europeus e recuperar mercados perdidos de cereais. Após a reforma da PAC, parece ter perdido interesse em novas negociações agrícolas, que colocariam em risco seu próprio aparato de subsídios.
Para a UE, as barreiras não-tarifárias representam instrumentos de defesa de variados interesses internos. Servem de escudo para seus agricultores contra a concorrência dos transgênicos americanos e dos cereais canadenses e argentinos. Funcionam como proteção para a sua indústria automobilística, ameaçada pelos japoneses. E limitam a concorrência representada por produtos industriais asiáticos e brasileiros. Além disso, a UE quer assegurar a continuidade dos acordos comerciais privilegiados que mantém com antigas colônias da África, do Pacífico e do Caribe.
O Brasil pretende liderar um vasto bloco de países subdesenvolvidos. Sua estratégia consiste em aprofundar a liberalização agrícola e as propostas de legitimação de políticas de estímulo industrial que abrangem inúmeros subsídios disfarçados. Os negociadores do país preparam-se para evitar, tanto quanto puderem, o avanço das negociações nos setores de alta tecnologia e de serviços. Para isso, podem costurar alianças táticas com o diabo e a avó do diabo.
No mundo real da política internacional, ainda se ouvem os ecos das doutrinas mercantilistas do século XVI, que interpretavam o comércio como um jogo de soma zero. Na Rodada do Milênio, atrás dos argumentos dos negociadores, essas vozes roucas se misturarão, estranhamente, às de Adam Smith e David Ricardo. E muitos passados falarão no presente.
Boletim Mundo Ano 7 n° 5

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