quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

GUERRA NO AFEGANISTÃO ABALA EQUILÍBRIO ASIÁTICO

Vitórias do Taleban afetam interesses regionais do Paquistão e Irã, ameaçam a segurança da Rússia e apressam revisões diplomáticas dos Estados Unidos
Um bando de pessoas de visão curta, destituídas de cérebro, violentas e ilógicas no Afeganistão está arruinando a reputação do Islã”. Foi com esses adjetivos que, em agosto, Ali Akbar Nateq-Noori, líder do Parlamento iraniano, caracterizou o Taleban. O problema é que esse ‘‘bando’’ está no centro de um jogo que envolve o Paquistão, o Irã, a Rússia e os Estados Unidos. O prêmio em disputa são as antigas repúblicas soviéticas da Ásia Central, muçulmanas, sentadas sobre imensas reservas de petróleo e gás natural .
Os 24 milhões de afegãos estão divididos por uma fronteira cultural básica, que opõe a etnia pashtun do sul, sunita, aos tajiques, uzbeques e hazaras do norte.
Abaixo dessa divisão, pululam lealdades e rivalidades tribais ou clânicas. O Taleban originou-se nas escolas religiosas mantidas pelo Jamiat e Ulema e Islam (JUI), partido islâmico paquistanês, nos dois lados da fronteira entre o Afeganistão e o Paquistão.
Em 1994, patrocinados pelo governo de Islamabad, os guerreiros do Corão marcharam em meio à guerra tribal afegã e assumiram o controle do sul pashtun. Derrotando as milícias regionais, eles chegaram a conquistar Cabul. O seu regime  reconhecido apenas pelo Paquistão, Arábia Saudita e Emirados Árabes - implantou a lei corânica. Em agosto, finalmente entraram na cidade de Mazar, o reduto mais importante da aliança nortista liderada por Burhanudin Rabani.
A aliança nortista abrange de ex-comunistas formados na década da ocupação soviética (1979-89) a antigos guerrilheiros mujahedin, em geral muçulmanos xiitas, e é suportada pela Rússia, que teme a influência do radicalismo islâmico do Taleban sobre o Uzbequistão e o Tajiquistão. O general Dostam, uzbeque, é o “homem de Moscou”, e do Uzbequistão, na aliança do norte. A aliança é apoiada também pelo Irã, que manobra para criar um Afeganistão governado pelos hazaras e tajiques, etnias com quem compartilha o idioma persa e sólidos laços políticos.
Na conquista de Mazar, o Taleban tomou como reféns diplomatas iranianos, acusados de organizar o apoio a Rabani. Semanas depois, apareceram os cadáveres dos diplomatas, assassinados por “talebans renegados”, segundo a versão oficial. Autoridades do Irã culparam o Taleban e ameaçaram declarar guerra ao Afeganistão. Paquistão, Arábia Saudita e Estados Unidos foram apontados como mentores das “marionetes” de Cabul.
O episódio elevou a tensão entre Irã e Paquistão, empenhados, desde 1991, em estender a sua influência regional. O Paquistão enxerga no controle sobre o país vizinho a possibilidade de atingir duas metas vitais.
Do ponto de vista militar, ele alcançaria a “profundidade estratégica” necessária na eventualidade de uma guerra com a Índia. Do ponto de vista geoeconômico, se tornaria a ponte marítima para o escoamento do petróleo e do gás natural da Ásia Central.
O projeto paquistanês está em marcha. O Taleban negocia com um consórcio de empresas americanas a construção de um oleoduto de US$ 2 bilhões para escoar petróleo e gás do Turcomenistão, que gostaria de depender menos da Rússia. O oleoduto entraria no Afeganistão nas proximidades de Mazar.
Para as empresas americanas, essa alternativa tem a vantagem de evitar os caminhos por território russo e “rodear” o Irã.
Essa estratégia, porém, tem um defeito crucial: está assentada num “bando de pessoas de visão curta”, não em marionetes de qualquer poder estrangeiro. Os talebans são soldados da sua própria ideologia e seu comportamento assusta até mesmo os paquistaneses.
No governo do primeiro-ministro Nawaz Sharif, nos serviços secretos e entre os militares do Paquistão, muitos temem o contágio do radicalismo religioso e alguns chegam a sugerir uma mudança de rota da “política afegã”. Em meio a uma calamidade financeira, agravada por escândalos de corrupção, o partido no poder em Islamabad é atormentado pelo pesadelo de uma revolta popular instigada pelos fundamentalistas.
A solução do enigma pode estar em Washington.
O projeto paquistanês parecia razoável antes do  fanatismo  Taleban tornar-se evidente. Hoje, os Estados Unidos exigem que Cabul ‘‘respeite direitos humanos e rompa com o terrorismo’’. No final de agosto, o ataque de mísseis contra o campo de treinamento do terrorista saudita Osama bin Laden, no Afeganistão, talvez tenha sido o sinal de uma nova atitude americana diante do problema.
Há pouco mais de um ano, o Irã experimenta o governo moderado (para padrões iranianos) de Mohamed Khatami. Nesse período, vozes influentes nos meios diplomáticos americanos vieram a público propor o fim do embargo e iniciativas exploratórias para uma normalização de relações com Teerã. Na Copa da França, o jogo EUA versus Irã, muito aguardado por razões pouco futebolísticas, preparou a opinião pública, nos dois países, para as eventuais novidades.
A meta de Washington consistiria em fortalecer o governo de Khatami, ameaçado pelo poder do clero fundamentalista.
A “carta iraniana” de Washington mudaria o panorama geopolítico na região. Uma aproximação Irã-EUA seria o golpe letal no Iraque de Sadam Hussein. Funcionaria como chantagem para obrigar o Paquistão a assinar as convenções nucleares internacionais e chegar a um acordo com a Índia. No Afeganistão, o Taleban seria privado do suporte de Islamabad e a coalizão nortista ganharia um sopro de vida. Nesse cenário, as empresas petrolíferas ocidentais teriam que olhar de novo para os mapas: afinal, o Irã pode ser um ótimo trajeto  para um oleoduto.
Boletim Mundo Ano 6 n° 6

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