Newton Carlos
De início pareceu uma revolução: na linha de frente estavam a Confederação das Nacionalidades Indígenas (Conaie) e militares sublevados. À diferença de “insurreições” indígenas passadas, que lutavam por direitos de cidadania e reafirmação do direito à terra, o levante de janeiro colocou em questão o próprio regime político.
Criou um “governo de salvação nacional”, que não viveu sequer dois dias, mas com forte incidência emocional e, talvez, importantes repercussões futuras na atormentada vida do Equador.
Os indígenas, 40% dos 13 milhões de habitantes, em geral vivendo abaixo da linha da miséria, experimentaram o “sabor agridoce da utopia”, escreveu um historiador equatoriano. Sua confederação surgiu em 1986, com a ambição, praticamente realizada, de representar todas as comunidades. Age como partido político, com seus próprios candidatos, e elabora projetos do interesse das comunidades. Em 1989, por exemplo, conseguiu-se o aval do governo para um projeto de ensino bilíngüe (espanhol e algum dialeto) nas escolas. Ultimamente, concentra-se na busca de alternativas ao neoliberalismo.
Os indígenas colocaram a ‘‘questão democrática ’’ no Equador
Com este último, foram cinco os “levantamentos” indígenas, conduzidos sem a participação direta dos partidos políticos. Ferdinando Villavicencio, um dos líderes da rede de organizações “Seguro camponês”, que apoiou o “levantamento”, diz que “pela primeira vez foi colocada no Equador a questão de uma nova democracia”. O aditivo de peso foi a incorporação de coronéis do exército, que se juntaram aos indígenas como porta-vozes de uma “nova moralidade”, projetando a sombra do “chavismo” no Equador.
O que é o “chavismo”? Segundo uma definição, o movimento liderado pelo coronel Hugo Chávez, eleito presidente da Venezuela em oposição aos partidos tradicionais e seu sistema de poder, seria um produto “de ímpeto populista contrário à globalização, aos ajustes negociados com o FMI, à corrupção e ao neoliberalismo”.
A sombra do “chavismo”, projetada da Venezuela para o Equador, apressou a intervenção dos Estados Unidos.
A falsa adesão da cúpula militar, que se mostrou facilmente administrável pelos americanos, afastou os coronéis e minou a rebelião. Sintomaticamente, o Congresso equatoriano, desalojado de seu prédio em Quito sob ocupação pelos indígenas, acabou se reunindo em Guayaquil, no prédio do Banco Central. Ali, diante da impossibilidade de volta do desmoralizado presidente Jamil Mahuad, formalizou, em 22 de janeiro, a posse do vice-presidente Gustavo Noboa, sob a proteção do estado-maior das Forças Armadas. Uma das primeiras promessas do novo governo foi a de manter o projeto de dolarização da economia do país. O FMI teria se oferecido para fornecer os dólares necessários à “irrigação” do projeto.
O naturalista alemão Humboldt chamou o Equador, no século passado, de “mendigo sentado em sacos de ouro”. Em 1967, jorrou petróleo no lago Agrio, perto da fronteira com a Colômbia. O país “bananeiro” conseguiu, em 1972, entrar para o clube privilegiado da OPEP e suas arcas se encheram de reservas em dólares. Onde foi parar todo esse dinheiro, se o país está hoje literalmente quebrado?
Do fundo de uma prisão, no entanto, Jaime Salazar, ex-deputado acusado de subversão, denunciou que “grande parte das divisas está sendo consumida com o pagamento de mercadorias contrabandeadas”.
‘‘Direita’’ e ‘‘esquerda’’ criam contas secretas, participam do contrabando e frustram as expectativas
Não só isso. Engordaram ainda mais as contas secretas em paraísos bancários. A Hebbo Vistazo, de Quito, lembra que nos últimos 20 anos o Equador teve oito presidentes, de “todas as tendências”. Não existiu uma única cor do universo político “que não houvesse passado pelo palácio” e isso inclui as esquerdas. Quais os resultados?
Nada mais do que frustrações, em meio a duas coisas mais do que familiares: populismo e corrupção”, disse a revista.
Nos últimos cinco anos, um vice-presidente, Alberto Dhaik, fugiu do país depois de acusado de apropriação indébita de dinheiro público, razões similares levaram o presidente Abdalá Bucaram a refugiar-se no Panamá e seu sucessor, Fabián Alarcón, foi preso e solto sob fiança. Mahuad aparentemente não freqüentou esse submundo do poder, mas não escapou dos efeitos da transformação do Equador em “zona de desastre”.
Alguém disse que “a elite equatoriana provocou mais danos ao país do que a soma das catástrofes naturais”.
Os equatorianos vivem sob ameaças fumegantes de vulcões ativos e na expectativa do próximo terremoto. O vulcão Guaga Pichincha, por exemplo, cobre Quito com nuvens de cinzas. Entre fevereiro e março do ano passado, o Estado equatoriano assumiu dívidas de cinco bancos quebrados. Diante da ameaça de colapso do Banco do Progresso, um dos maiores grupos financeiros privados, o governo congelou por um ano as contas bancárias dos clientes.
Em meio a reduções salariais, aumentos de tarifas, “flexibilização” das leis trabalhistas, e desemprego acima dos 17% oficiais, a aversão a Mahuad subiu para os andares de cima. Diante da desvalorização de 197% do sucre, a moeda nacional, a dolarização começou a ser discutida.
Ela estabilizaria o modelo receitado pelo FMI, cujo objetivo maior é garantir os pagamentos das dívidas externas.
Existe a convicção de que essa “saída” será aconselhada a todos os países nos quais o “modelo” esteja em perigo, como é o caso da Argentina.
Boletim Mundo Ano 8 n° 1
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