Newton Carlos
Narcotráfico, guerrilha e terror oficial aceleram o colapso do Estado colombiano história da Colômbia é um interminável rosário
A história da Colômbia é um interminável rosário de violências. O qüinqüênio 1948-1953, durante o qual uma carnificina matou 300 mil, ficou conhecido como “La Violencia”. O século começou com a “guerra dos mil dias” entre liberais e conservadores, comerciantes urbanos e latifundiários que disputaram a ferro e fogo o espólio da Coroa espanhola e continuaram se engalfinhando nas urnas e à bala. Proclamada em 1819, a república enfrentou 40 revoluções antes de se consolidar. Mas, em 1948, um expoente do Partido Liberal, Jorge Gaitán, rompeu com a cúpula, lançou-se no populismo, foi assassinado e as favelas da capital explodiram no “Bogotazo”, diante de espantados participantes de assembléia de fundação da Organização dos Estados Americanos.
A fermentação que resultaria no aparecimento de guerrilhas saiu daí. A eleição, em 1950, de Laureano Gomez, mais um da elite conservadora, redobrou a violência, levou à anarquia e acabou colocando no poder, com pretensões a “pacificador”, o general Rojas Pinilla.
As guerrilhas, envolvendo militantes liberais “gaitanistas”, se consolidavam nas montanhas e criavam “repúblicas independentes” de camponeses. Pinilla caiu em 1953, os dois partidos tradicionais voltaram a revezar-se no poder e, a partir de 1964, as “repúblicas” se tornaram alvos militares, quando foi assaltada a de Marquetia. Operação a cargo do batalhão colombiano treinado por militares americanos que lutou na Guerra da Coréia (1950-53).
Guerrilha, na Colômbia, resultou em boa parte de uma “cultura de violência” com raízes nas disputas que datam da independência Em seu livro Guerrileros, Buenos dias, de 1954, Jaime Vasquez Santos conta como se criaram os grupos de luta armada do Partido Liberal, a partir de 1948. Mais tarde se soube da “forte influência” dos comunistas nessas formações, de onde brotaram as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, (Farc), carro-chefe da mais antiga insurgência do continente, graças à profunda metamorfose ideológica e financiamento por meio de seqüestros e “imposto de guerra”, cobrado inclusive de narcotraficantes.
Em 1982, Belisario Betancur elegeu-se disposto a pacificar a Colômbia. Ofereceu uma “abertura democrática”.
Não sem hesitações, as Farc assinaram o cessar-fogo de 1984 e criaram o que seria a sua fachada legal, a União Patriótica.
Uma guerrilha “pinillista”, o M-19, entregou as armas, enquanto o Exército de Libertação Nacional (ELN), de origem castrista, permaneceu ativo ao lado da ala militar das Farc, que tratou de não desfazer as 27 frentes da guerrilha.
O próprio Betancur se referia à tão decantada “longevidade democrática” da Colômbia como “democracia restrita”, incapaz de romper a “apatia popular”. As sucessivas eleições foram sempre marcadas por abstenções enormes e legitimidade duvidosa. Já os comunistas, após o cessar-fogo, se encantavam com a idéia de ter acesso à televisão, reunir gente publicamente e mostrar que “não somos deliqüentes”. A experiência seria traumática: militantes da União Patriótica tombaram aos montes, dizimados por esquadrões da morte de extrema-direita, acobertados por militares. Chegou-se à média de um assassinato por dia, de dirigentes sindicais, parlamentares, líderes comunais, candidatos.
A União Patriótica teve 350 mil votos e 350 mortos nas eleições de 1986. “Eliminação virtual do direito à vida”, disse o Foro Nacional de Direitos Humanos. O fracasso do comunismo na Europa oriental e a necessidade de “refazer a estratégia marxista-leninista ortodoxa” foram motivos de debate na guerrilha colombiana, enquanto o militarismo se reacendia dentro das Farc com a tragédia da União Patriótica.
Já em 1973, em Cuadernos de Campaña, Manuel Marulanda Vélez, o “Tiro Fijo”, chefe das Farc, deixava transparecer a mentalidade militar dos comunistas colombianos.
Há quem diga que relações com o narcotráfico e o uso de seqüestro obscurecem as pretensões de reforma na esquerda do país. A recepção na selva do presidente da Bolsa de Valores de Nova Iorque, empenhado em convencer a guerrilha de que a paz é o melhor negócio para a Colômbia, foi encarada como vontade de conseguir “algum tipo de inserção” na política da globalização.
A eleição do liberal Turbay Ayala, em 1978, deu os primeiros sinais de que o narcotráfico, cujo poder na Colômbia tem relação com a enormidade do consumo de drogas nos Estados Unidos, afinal conseguia penetrar no sistema político do país. Já nessa época, falava-se em negócios da ordem de 90 bilhões de dólares anuais. De origem turca, primeiro presidente colombiano estranho aos “salões”, ponta-de-lança de “classe emergente” em oposição à oligarquia das 23 famílias, Turbay acabou sob suspeita de recebimento de dinheiro dos narcos.
Em 1984, um ministro, Lara Bonilla, depois assassinado, disse que “oito familias de traficantes, com o controle do comércio de drogas para os Estados Unidos, já se instalaram em cada setor da sociedade da Colômbia”.
Mais tarde, o chamado “Processo 8.000”, a cargo da procuradoria-geral, colocou o próprio gabinete presidencial na geografia de influência dos narcos, além de políticos, parlamentares e magistrados.
A violência dos narcos, liderados pelos cartéis de Medellin e de Cali, foi particularmente brutal na luta contra o tratado de extradição com os Estados Unidos. O chefão de Medellin, Pablo Escobar, foi caçado e morto, sem que Cali perdesse a vitalidade. O coquetel de violência na Colômbia passou a relacionar novos ingredientes quando pela primeira vez, em 1980, a Anistia Internacional acusou forças do governo, sobretudo os militares, de “prática sistemática de tortura”. “A Colômbia vive sob mentalidade de crise”, disse um antigo procurador-geral, Jimenez Gomez, encarregado em 1983 de investigar uma das siglas mais sinistras surgidas no país, a MAS, matriz de esquadrões da morte.
MAS (“Muerte a los Sequestradores”) surgiu como carimbo de assassinos que se diziam vingadores. Sempre tiveram marcada atuação de extrema-direita e vinculações evidentes com as forças armadas, ficando a cargo da “guerra suja”. São também chamados de “grupos de autodefesa” e o mais notório é o de Carlos Castano, tão famoso quanto os chefões das drogas. Seus maiores financiadores são proprietários de terras e seus protetores são os militares.
Como no Vietnã, as populações rurais são vistas como cúmplices da guerrilha e submetidas à lógica do extermínio. Dessa lógica participam igualmente as guerrilhas, cujos exatos objetivos tornam-se cada vez mais obscuros.
Um milhão de refugiados internos é um dos produtos mais trágicos dessa espiral de violência.
Pesquisa Gallup garante que mais de 60% dos colombianos, cansados de guerra, são favoráveis a uma intervenção americana. O fato é que ela já existe. A revista Câmbio, do escritor Gabriel García Márquez, revela que cerca de 300 militares dos Estados Unidos operam na Colômbia, A tarefa original era o combate às drogas, mas Washington cunhou a expressão “narcoguerrilha”. A Colômbia é o terceiro maior (depois de Israel e Egito) beneficiário da assistência militar americana e, sob o rótulo de “ajuda anti-droga”, se esconde o financiamento anti-Farc.
A contra-insurgência é incorporada à repressão ao narcotráfico. Essa novidade pode ultrapassar as fronteiras colombianas. Novo Batalhão Antidrogas, treinado e equipado pelos Estados Unidos, entra em ação este ano tendo também a guerrilha como alvo. Em novembro de 1998, foi assinado acordo prevendo consultas regulares entre militares colombianos e americanos. Mas, sem o aval de vizinhos, os Estados Unidos hesitam em ir mais mais fundo em sua intervenção. O aval tem sido insistentemente sugerido, mas é de difícil obtenção.
Boletim Mundo Ano 7 n° 5
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