sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

CRISE AGITA DEBATE ENTRE “LIBERAIS” E “INTERVENCIONISTAS”

“Como sucedia no passado, nossa economia é dirigida principalmente pelo modo como a psicologia humana molda o sistema de valores que orienta uma economia de mercado. E esse processo está ligado à natureza humana, que parece essencialmente imutável e, portanto, ancora o futuro no passado.” Foi assim que Alan Greenspan, presidente do Federal Reserve Board (Fed), o banco central dos Estados Unidos, em uma conferência recente, começou a responder à questão em debate: vivemos em uma nova economia?
Segundo a teoria das expectativas racionais, as leis profundas que governam as economias de mercado não mudaram desde a Revolução Industrial. Os valores das empresas e das instalações produtivas refletem as expectativas das pessoas sobre os lucros presentes ou futuros que elas podem proporcionar. O valor de uma indústria siderúrgica oscila amplamente em função do grau de confiança que as pessoas depositam na evolução da economia em geral e daquele ramo produtivo em particular.
A “quinta-feira negra”, 24 de outubro de 1929, início do crash da Bolsa de Nova Iorque, foi provocada por uma súbita reversão das expectativas. Antes, por muitos anos, a confiança crescente no futuro tinha sustentado um mercado fervilhante, no qual as ações das empresas ganhavam sempre mais valor. Depois, por toda a década seguinte, o pessimismo deprimiu o consumo, os preços, a produção e a oferta os empregos, realimentando a espiral declinante que anunciava a grande guerra.
A depressão abalou as convicções no poder mágico do mercado. A noção liberal de uma “mão invisível” - o jogo da oferta e da procura - regulando a economia em torno de um ponto de equilíbrio parecia, então, uma amarga ironia. Nesse ambiente, as idéias do britânico John Maynard Keynes mostraram um novo norte para a teoria econômica. Numa palestra radiofônica, em janeiro de 1931, Keynes conclamou: “...ó patrióticas donas de casa, invadam amanhã cedo as ruas e vão às maravilhosas compras...
Vocês farão um benefício a si mesmas, pois jamais houve tantas coisas baratas, baratas além de seus sonhos... E  tenham acrescentada a alegria de estarem aumentando o emprego, elevando a riqueza do país...”.
As donas de casa não foram às “maravilhosas compras”, pois temiam pelo futuro do emprego de seus maridos e preferiam poupar o dinheiro. Keynes voltou-se então para o Estado e chamou-o a gastar, abrindo obras públicas, criando emprego e renda, otimismo e consumo, religando o interruptor da máquina econômica. Ele introduziu a “mão visível” do Estado no pensamento dos economistas.
Nos Estados Unidos, o New Deal de Roosevelt desafiou a velha ortodoxia liberal, pondo em prática o keynesianismo.
No pós-guerra, a reconstrução européia e japonesa foi a oportunidade para uma onda sem igual de gastos públicos, destinados a reerguer a infra-estrutura de transportes, energia e comunicações e os serviços de saúde e educação. Sob pressão dos sindicatos e partidos de esquerda, o Estado comprometeu-se com a criação de redes de proteção social para os aposentados, os desempregados e os pobres.
Foram três décadas de expansão da economia e renda, na moldura do Welfare State. A estabilidade da expansão repousava na ordem cambial proporcionada pelo padrão dólar-ouro. Os fluxos internacionais de capitais eram limitados, pois as ações cotadas nas bolsas de valores e os títulos governamentais circulavam, essencialmente, no interior dos mercados nacionais. As taxas de câmbio organizavam-se em torno do dólar, que desde a Conferência de Bretton Woods de 1944 mantinha-se ancorado ao preço do ouro.
Todo esse “mundo ordenado” submergiu em duas décadas turbulentas. Em 1971-73, o padrão dólar-ouro foi abandonado e as taxas de câmbio, sem a velha segurança, passaram a oscilar intensamente.
Na década de 80, sob o impulso da revolução da informação, os mercados financeiros interligaram-se globalmente. O pensamento econômico foi afetado pelo funcionamento do mercado globalizado de capitais.
A crítica dirigia-se à noção central do keynesianismo: o papel do Estado na correção dos desequilíbrios do mercado e na promoção do desenvolvimento.
Segundo os críticos, o Estado não sabe investir. As empresas estatais burocratizadas desperdiçam recursos pois não devem explicações aos acionistas. Os gastos públicos, submetidos ao jogo sujo da política, desviam dinheiro que poderia circular de modo eficiente na economia privada. As receitas keynesianas anti-crise podem aliviar as dores de curto prazo, mas causam doenças persistentes. A economia pós keynesiana prendeu o Estado numa gaiola e passou-lhe uma lição de casa: as autoridades econômicas devem se limitar a manter ums política fiscal equilibrada e uma política monetária anti-inflacionária.
Em 1992, o fundo de investimentos do mega-especulador George Soros vendeu, em alguns dias, todos os títulos e ações em libras esterlinas, deflagrando uma onda de fuga de capitais da Grã-Bretanha.
O banco central britânico trocou montanhas de dólares de suas reservas por libras, mas não resistiu ao ataque especulativo e, humilhado, desvalorizou a moeda. Soros recomprou as libras, ganhou uma fortuna em semanas e tornou-se símbolo, invejado ou odiado, do “novo capitalismo”.
A influência dos Estados na fixação da taxa de câmbio reduziu-se brutalmente.
As crises financeiras nos mercados emergentes, na década de 90, foram geradas por reversões das expectativas dos investidores sobre o futuro das economias nacionais. Cada uma delas proporcionou oportunidades especulativas fantásticas, embutidas nas rupturas de taxas de câmbio e súbitas desvalorizações. A sequência de desastres trouxe saudades dos tempos de estabilidade e desconfiança no fluxo livre dos capitais. Economistas respeitados revisitam as propostas keynesianas e suspiram pela volta da “mão visível” do Estado.
Governos europeus, apoiados pelo Japão, insinuaram a necessidade de um “novo Bretton Woods” para fixar bandas cambiais entre o dólar, o euro e o iene. A memória de 1929 assombra o final do século.
Glossário
Bandas cambiais: Intervalos de oscilação das taxas de câmbio.
Mercados emergentes: Economias do mundo subdesenvolvido, em especial as mais importantes da Ásia oriental e meridional, América Latina e Europa central e oriental.
Ortodoxia liberal: Baseia-se na noção, desenvolvida por Adam Smith, segundo a qual os mercados devem ser deixados livres da intervenção estatal.
Padrão dólar-ouro: Sistema que mantinha inalterada a cotação do dólar em relação ao ouro e no qual o Fed comprometia-se a trocar dólares, automaticamente, por ouro de suas reservas.
Política fiscal equilibrada: Manutenção de equilíbrio entre a arrecadação de impostos e os gastos públicos.
Política monetária anti-inflacionária: Manutenção de taxas baixas de inflação através da elevação dos juros nos momentos de aquecimento da economia e pressão sobre os preços e salários.
Welfare State: O “estado de bem-estar social” erguido na Europa Ocidental e, em escala menor, na América Anglo-Saxônica e no Japão nas décadas do pós-guerra.
Boletim Mundo Ano 7 n° 1

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