segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

A MANCHA QUE NÃO SAI

Violeta Palmeira
Talvez você more na praia, como outros 36 milhões de brasileiros. Com certeza come peixe, camarão ou mexilhões de vez em quando ou curte férias à beira-mar. Não importa qual a sua relação com o Oceano Atlântico  o certo é que a qualidade de suas águas afeta, e muito, sua qualidade de vida. Apesar disso, em geral ninguém dá importância à poluição dos oceanos. Tanto é que o litoral brasileiro recebe mais de 3 mil toneladas diárias de dejetos, sobretudo esgotos e efluentes industriais, e ninguém fala nada.
Mas essa história começou a mudar em 18 de janeiro. Todos os jornais deram: um duto avariado da Petrobras permitiu que 1,3 milhão de litros de óleo contaminassem o maior cartão postal do país, a Baía de Guanabara.
Além de ser multada em R$ 51 milhões com base na Lei dos Crimes Ambientais, a empresa teve que distribuir cestas básicas e indenizações para mais de 600 pescadores que produziam 1 tonelada de pescado por dia e agora perderam seu ganha-pão. No total, seus prejuízos devem chegar a R$ 110 milhões.
Muito da punição se deve à pressão dos cidadãos. Primeiro foi o sindicato dos funcionários da Petrobras, que lembrou que já havia alertado a empresa sobre a fragilidade do duto. Depois foram os ambientalistas, que formaram forças-tarefas para limpar centenas de aves recobertas de petróleo. O Ministério Público carioca pediu (mas não conseguiu) o fechamento da Refinaria Duque de Caxias, origem do acidente e responsável por 14% do refino de petróleo nacional. A pressão não foi em vão: em propaganda paga em todos os jornais, a empresa admitiu: “A Petrobras não tem desculpa”.
Tanta repercussão é inédita no país. Já os acidentes são muito comuns.
Nos últimos 30 anos, houve cerca de 150 vazamentos associados ao Terminal Marítimo Almirante Barroso, em São Sebastião, no litoral norte paulista, por falhas nos dutos, falta de dispositivos de segurança nas embarcações ou problemas na manutenção dos navios. Em abril do ano passado, seis praias do município foram afetadas por um derramamento de petróleo de um emissário da Petrobras. Na época, o presidente da companhia, Philippe Reichstul, prometeu que esse tipo de impacto ambiental nunca mais se repetiria.
A própria Petrobras foi responsável pelo maior acidente industrial da história do Brasil  um vazamento seguido de explosão em Vila Socó, Cubatão (SP), em 1984, que matou 98 pessoas. Também esteve envolvida no maior acidente da Baía de Guanabara, os 5 milhões de litros derramados pelo petroleiro Tarik, em 1975. Seu impacto só não foi maior porque ocorreu na entrada da baía. Mesmo assim, contaminou várias praias da zona sul do Rio de Janeiro.
Acidentes envolvendo a estatal do petróleo podiam ser contados às dezenas nas décadas de 1970 e 1980. Em 1978, por exemplo, o navio liberiano Brazilian Marina, contratado pela Petrobras, derramou 6 mil metros cúbicos de óleo nas praias de São Sebastião. Nos anos 1990, porém, tornaram-se mais raros. Só que o aumento dos volumes de petróleo manipulados e do tamanho dos petroleiros acabaram ampliando os riscos.
Não que a contaminação dos oceanos seja uma exclusividade da estatal brasileira.
Na véspera do último Natal, o petroleiro Erika, fretado pela empresa franco-belga Total fina, recobriu 400 quilômetros da costa da Bretanha, na França. O maior derramamento de petróleo de que se tem notícia  42 mil toneladas espalhadas no Alasca, em março de 1989  foi obra do petroleiro Exxon-Valdez, da multinacional americana Exxon. Para minimizar o desastre, a empresa já gastou mais de US$ 2,5 bilhões nesses dez anos.
O prejuízo não é só financeiro. O petróleo mata ou debilita peixes, aves, moluscos, vegetação costeira  a maioria das formas de vida que encontra pela frente.
Bancos de corais levam décadas até recobrar-se totalmente, porque o óleo inibe sua fotossíntese e a capacidade reprodutiva.
O óleo adere às asas das aves, impedindo-as de voar, e contamina seu sistema digestivo.
A mancha também muda o fluxo alternado  de água doce e salgada que produz a riqueza dos mangues. As plantas menores já não conseguem crescer e as árvores com as raízes sufocadas, podem perder suas folhas. Com isso, os crustáceos que se alimentam de folhas decompostas passam apuros.
Dez anos após a catástrofe do Exxon-Valdez, o Alasca ainda não se recuperou.
Até hoje o mar deixa uma marca oleosa nas rochas. As orcas têm dificuldade para se reproduzir e os leões-marinhos nascem menores e morrem mais jovens. No caso do acidente francês do mês passado, há quem estime que mais de 300 mil aves já morreram.
Ainda é cedo para prever todas as conseqüências do derramamento no Rio, mas sabe-se que o óleo atingiu 1 434 hectares da Área de Proteção Ambiental de Guapimirim, a reserva mais importante da Baía de Guanabara.
Talvez ela leve mais de dez anos para se recuperar, como o Alasca. Azar do caranguejo- uçá, cuja época de reprodução coincidiu com o acidente. Um relatório do Ibama, a agência ambiental federal, diz que é bem possível que a espécie tenha se extinguido com o óleo.
Mangue, onde tudo começa
O mangue é um dos melhores caldos de cultura que existem. Típico das costas tropicais, forma-se nos fundos de baías e estuários, ambientes onde a maré, misturada à água doce quase parada, favorece os depósitos de sedimentos e detritos orgânicos. Com essa abundância de nutrientes, é a incubadeira favorita de muitas espécies de peixes, camarões, caranguejos e moluscos. Estes, por sua vez, atraem gaivotas, guarás, capivaras e outros animais em busca de alimento.
Umas poucas espécies de árvores se repetem em todos os mangues brasileiros, do Amapá até o sul de Santa Catarina. Entre as mais comuns está a Rhizophora mangle, famosa pelas raízes que saem do tronco, fazendo com que pareça com um candelabro invertido. Outras espécies desenvolvem pneumatóforos, raízes que crescem de baixo para cima e afloram acima do nível das águas. Tanto os pneumatóforos quanto as raízes da Rhizophora têm pequenos poros, as lenticelas, que ajudam a planta a respirar. Nas áreas mais protegidas do vento crescem também orquídeas e bromélias.
Fundamentais para a manutenção dos estoques de pesca e de toda a fauna aquática, os mangues são preservados por leis estaduais e federais, que proíbem a formação de aterros, os desmatamentos e outros tipos de ocupação. Eles também são importantes por impedir a erosão da costa, atingida por ventos e marés. Por fim, ajudam a filtrar e depurar a água dos rios, que costuma carregar nitratos e fosfatos em excesso, resíduos de fertilizantes arrastados pela chuva. Apesar de seu valor, os mangues são bastante ameaçados pela extração madeireira, a ocupação imobiliária, a aquacultura e os derramamentos de óleo.
Boletim Mundo Ano 8 n° 1

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