quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

UMA NOVA “DOUTRINA MONROE”?

Claudio Camargo
Quase dez anos após a morte da União Soviética, renasce das cinzas a Grande Rússia. Nas próximas eleições parlamentares e presidenciais, o nacionalismo grão-russo dará as cartas.
Quase dez anos depois da implosão da União Soviética, a Rússia se encontra mergulhada numa das mais graves crises econômicas de sua história. As eleições para a renovação da Duma (Parlamento), em dezembro, deverão fortalecer ainda mais a oposição nacionalista e comunista, num avant-premiére do pleito presidencial do ano que vem. Parece lógico supor que, assim como o vírus separatista destruiu a União Soviética quando o poder central se enfraqueceu, ele paire, ameaçador, sobre os domínios da Federação Russa. Com as feridas da sangrenta guerra na Chechênia ainda por cicatrizar, Moscou enfrenta agora a fúria dos rebeldes fundamentalistas islâmicos na república autônoma do Daguestão, apoiados por chechenos. A suspeita de que estes separatistas estariam por trás da recente onda de devastadores atentados terroristas em Moscou só fez aumentar a impressão de que a entropia russa é um fato irreversível.
Mas, contra as aparências, uma análise mais profunda revela que a Federação Russa não só não corre o risco de se esfacelar como está, paulatinamente, reconstruindo a sua hegemonia sobre a maior parte das antigas repúblicas soviéticas. Isso vem ocorrendo desde 1993, quando Moscou se convenceu de que fizera concessões demais ao Ocidente em troca de quase nada e passou a adotar uma política externa mais afirmativa. Com exceção dos Estados Bálticos (Lituânia, Estônia e Letônia), países que não pertencem à Comunidade de Estados Independentes (CEI) e se acercam do duplo guarda-chuva protetor formado pela OTAN e pela União Européia, as antigas repúblicas soviéticas vêm descobrindo, às vezes amargamente, que não têm outra opção senão a esfera de influência russa. Quanto aos separatistas do Daguestão, ninguém acredita que eles tenham qualquer perspectiva de vitória.
Belarus: uma tentativa fracassada de sedução
O caso mais flagrante de “reconversão” é o da Belarus. Independente desde 1991,  tentou aproximar-se de Washington e do Ocidente para contrabalançar a influência de Moscou. O governo de Minsk fez de tudo para seduzir Wall Street. Aceitou até desmantelar seu arsenal nuclear em troca de assistência financeira americana. A escassez da ajuda reverteu o quadro. Já em 1994 foi eleito presidente Aleksandr Lukachenko, que defendia sem papas na língua a unificação com a Rússia. No ano seguinte, um plebiscito aprovou com surpreendentes 84% dos votos a integração econômica com a Rússia. O passo seguinte foi a fundação da Comunidade das Repúblicas Soberanas, eufemismo retórico para a adoção de políticas econômica e externa unificadas.
Na Ucrânia, a mais poderosa e rica república da CEI depois da Rússia, o ímpeto nacionalista perdeu muito de seu fôlego original. Primeiro, o país teve que devolver seu arsenal nuclear  que era o terceiro do mundo  a Moscou. É verdade que em troca de créditos ocidentais.
Depois, Kiev engoliu goela abaixo a exigência de Moscou de entregar 70% dos navios da estratégica frota do mar Negro, arrendando aos russos a base de Sebastopol, na Criméia.
Humilhação na Geórgia
Na Geórgia, o caminho de volta beirou a humilhação.
Engolfados por lutas intestinas pelo poder e por guerrilhas separatistas nas regiões da Ossétia do Sul e Abkházia, os georgianos foram obrigados a recorrer aos russos para botar ordem na casa. O orgulhoso Eduard Shevardnadze, ex-chanceler de Gorbachev e atual presidente da Geórgia, teve que baixar a crista e aderir à CEI para obter apoio do Kremlin. Em 1994, Shevardnadze e Boris Yeltsin assinaram um acordo de cooperação econômico-militar no qual a Rússia obteve o direito de manter bases na Geórgia. Já as repúblicas de maioria islâmica, na Ásia Central e no Cáucaso, que esperavam maior apoio da Turquia, agora parecem render-se à força centrípeta de Moscou..
‘‘E uforia durou muito pouco’’
“A euforia durou muito pouco”, explica o historiador Walter Laqueur, no seu O fim de um sonho. “As repúblicas que deixaram a União estão enfrentando dificuldades ainda maiores que a Federação Russa. Em conseqüência, os países do Cáucaso e da Ásia Central que insistiram na separação estão novamente tentando uma aproximação com Moscou”.
Para Laqueur, “entre os dirigentes russos uma nova postura de afirmação emergiu com relação ao “exterior próximo” (as ex-repúblicas soviéticas). Entre os extremistas, ela se manifestou como a necessidade de reincorporar as repúblicas. Entre os moderados, evidenciou-se no desejo de proteger milhões de russos étnicos que vivem fora da Rússia, ou de considerar o “exterior próximo” como uma esfera de influência russa, algo semelhante a uma Doutrina Monroe russa não-declarada”.
Esse consenso político abrangente tende a se expressar, na próxima Duma, com força ainda maior que na atual. E o presidente a ser eleito em 2000, qualquer que seja, sairá das fileiras do nacionalismo, a orientação largamente dominante nas elites políticas russas.
Boletim Mundo Ano 7 n° 6

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