sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

DAS ENCHENTES ÀS INUNDAÇÕES, UMA HISTÓRIA HUMANA

Samuel Murgel Branco
Inundações de áreas habitadas constituem fenômenos periódicos com os quais o homem teve e provavelmente terá sempre que conviver, apesar dos prejuízos que podem acarretar. Essencialmente, elas constituem conseqüências das enchentes sazonais que, por sua vez, são fenômenos naturais principalmente em rios situados em áreas de climas tropicais, com chuvas torrenciais no verão e pouca chuva no inverno.
Esses rios se caracterizam por possuir, de ambos os lados de suas margens, uma ampla várzea, isto é, uma superfície extensa e baixa destinada, justamente, a conter o excesso de águas que transborda durante as grandes chuvas. As várzeas costumam ser muito férteis devido ao depósito periódico de limos carregados pelas águas durante as enchentes. Cidades famosas do passado tinham sua riqueza derivada dessas enchentes periódicas, permitindo uma agricultura e uma pecuária muito produtivas.
O exemplo mais notável é o Antigo Egito.
As enchentes constituem, portanto, um fenômeno natural. Como pode, pois, um fenômeno natural, cíclico, tornar-se um verdadeiro flagelo para as cidades e mesmo para certas áreas rurais, causando enormes danos materiais e até destruição de vidas humanas?
Outros fenômenos naturais produzem, de quando em quando, desastres gigantescos, como os terremotos, as erupções vulcânicas ou os tufões. Porém, no caso das enchentes, há uma interessante peculiaridade: é que o fenômeno, em si, não é catastrófico e pode ser até benéfico, renovando a fertilidade dos solos. Ele se torna catastrófico apenas quando há interferência humana.
Trata-se de um caso de impacto ambiental de origem antrópica, tal como as conseqüências da poluição, dos desmatamentos ou das alterações climáticas devidas ao efeito estufa!
As inundações constituem, para os hidrólogos, os efeitos indesejáveis da enchente. As inundações podem causar o alagamento de ruas, o afogamento de cidades inteiras ou, ainda, destruição de fazendas de criação localizadas nas várzeas de grandes rios. Suas causas são diversas, mas é a própria ocupação da várzea a principal responsável.
OCUPAÇÃO HUMANA DA VÁRZEA É A PRINCIPAL CAUSA DAS ENCHENTES
As cidades costumam nascer às margens dos rios, seja pela facilidade de comunicação e transporte de mercadorias através da navegação, seja pela disponibilidade de água para o abastecimento ou para destino de resíduos.
Inicialmente, as casas são construídas em locais mais elevados, um pouco distantes das margens do rio, mas livres das inundações.
Mais tarde, com o crescimento da população, os rios vão sendo canalizados, os terrenos baixos vão sendo drenados, as várzeas vão sendo ocupadas por avenidas (as chamadas “avenidas de fundo de vale”) ou por novos bairros residenciais...
Um rio canalizado e “retificado” constitui um novo canal, a substituir o antigo leito natural do rio. Em geral, as obras de canalização prevêem um aumento da capacidade desse canal, de modo a poder conter toda a vazão de cheias do rio, mesmo nos períodos de grandes chuvas. Acontece que, devido à presença da cidade, as vazões de cheias tendem a aumentar com o tempo! Como isso pode acontecer?
Os solos da bacia de um rio comportam-se, normalmente, como se fossem uma grande “esponja”. Eles são, em geral, sedimentares, isto é, formados de camadas de partículas arenosas ou argilosas depositadas pelo próprio rio, através dos seus milhares de anos de existência.
Além disso, são cobertos de vegetação nativa.
Quando ocorre uma grande chuva, as águas não se dirigem imediatamente para a calha do rio: elas são absorvidas pelos solos, que se  tornam encharcados. Uma parte dessa água que penetrou no solo é absorvida pelas raízes das árvores, uma segunda parte é novamente evaporada e uma terceira parte lentamente vai sendo transferida para o rio pelos sedimentos encharcados.
IMPERMEABILIZAÇÃO DO SOLO
Nas cidades, porém, as matas são eliminadas. Conseqüentemente, as águas que seriam absorvidas pelas raízes vão diretamente para os rios. Além disso, o terreno é, em sua maior parte, impermeabilizado, seja pelos calçamentos, seja pelas próprias casas e edifícios. Assim, as águas que deveriam encharcar a “esponja” para depois ser lentamente cedidas ao rio, escorrem diretamente, na forma de enxurradas.
Em poucos minutos, o rio recebe toda a carga de chuvas precipitada sobre toda a área urbana e transborda...
Só que a várzea, que era antes o terreno que recebia as “sobras” das enchentes, agora está ocupada  e também impermeabilizada, o que torna ainda mais difícil o escoamento e muito lento o “esvaziamento” da cidade inundada!
São várias as conseqüências das inundações urbanas.
Além das perdas de propriedades móveis e imóveis, os congestionamentos de tráfego causam prejuízos incalculáveis pelo retardamento das atividades urbanas e aumento do gasto de combustível dos veículos.
Mais graves ainda são os surtos de doenças devidos às contaminações da rede de água potável pelas águas poluídas dos rios ou da própria drenagem do solo da cidade, à formação de poças d’água que facilitam a reprodução de insetos vetores, como os transmissores do dengue, e até a invasão da cidade por ratos e baratas que normalmente habitam as canalizações de esgotos...
Boletim Mundo Ano 7 n° 1

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