segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

NEM TUDO O QUE RELUZ É EURO

Vitória da extrema-direita na Áustria e crescimento da xenofobia na União Européia contrastam com a necessidade demográfica de mais imigrantes.
Joerg Haider conseguiu levar seu mal denominado Partido da Liberdade, de extrema-direita, ao governo da Áustria, em fevereiro, com um discurso fortemente anti-imigrantes. A xenofobia fez partidos semelhantes avançarem muito nas últimas eleições na Dinamarca e Suíça.
E na França, mais de um terço da população admite nutrir preconceitos contra imigrantes.
A própria União Européia (UE)  que aglutina 15 dos países mais prósperos do continente vem tomando medidas para reduzir o ingresso de imigrantes de países pobres (principalmente da Europa centro-oriental, da África do Norte e de antigas colônias européias). A Convenção de Shengen, que entrou em vigor em 1999 diz que todo estrangeiro que tiver seu pedido de visto negado por um dos nove países signatários não poderá cruzar as fronteiras de nenhum dos outros oito países.
Essa tendência anti-imigrantes, muitas vezes motivada pelo medo do desemprego, parece totalmente contraditória com o que ocorre com a economia européia.
Para começar, o desemprego vem caindo, ainda que lentamente, na UE. Em 1998, ficou abaixo de 10% da população economicamente ativa (PEA), pela primeira vez depois de muitos anos. Em 1999, caiu um pouco mais, chegando perto dos 9% .
O panorama da imigração estrangeira é bastante heterogêneo entre os países da UE. Mas, no conjunto, está longe de ser exagerado. Dos 370 milhões de habitantes, cerca de 17,6 milhões, ou 4,8%, são estrangeiros nos países de residência. Destes, menos de 12 milhões, ou 3,2%, são imigrantes de fora do bloco. E o saldo migratório, que registrou um salto associado à desagregação da antiga Iugoslávia, encontra-se em declínio desde 1994 . A estabilização das economias do antigo bloco soviético, na parte centro-oriental do continente, e o encerramento dos conflitos na Bósnia e em Kosovo explicam a acomodação do fluxo imigratório.
População envelhecida
Os dados mais expressivos, porém, foram divulgados em janeiro pela Divisão de População da ONU. A combinação entre melhores condições de vida, avanços na medicina e redução da taxa de fertilidade fará com que, mantidas as tendências atuais, a UE tenha cinco milhões de habitantes a menos em 2025 e 40 milhões a menos em 2050.
Isso significa que se a UE quisesse manter a mesma população ativa de 1995 (quando a taxa de geração de novos empregos, aliás, era menor que a atual), teria de arranjar nada menos que 160 milhões de estrangeiros até 2025. A França, por exemplo, que recebe a cada ano cerca de 100 mil imigrantes, teria de multiplicar esse número por 7,6 em 25 anos, para conservar a mesma PEA de cinco anos atrás. É uma situação bem mais grave que a das décadas de 1950 e 1960 quando, por conta dos efeitos demográficos da Segunda Guerra e da redução da fertilidade dos europeus, grupos de imigrantes turcos, marroquinos ou iugoslavos eram recebidos com banda de música nas estações de trem da Alemanha.
A conclusão da ONU é que a UE tende a ver agravar-se a sua necessidade econômica de novos imigrantes que, como sempre, executarão os trabalhos menos especializados e pior remunerados. Como explicar, então, o crescimento das forças políticas que pregam a redução da imigração?
Existe uma enorme distância entre os números frios da economia e o modo como as pessoas reagem no dia-a-dia.
Nas décadas de 1980 e 1990, o avanço da informática e a globalização provocaram o desaparecimento de milhões de empregos, principalmente na indústria européia.
Muitos “nacionais” passaram a ver os imigrantes como rivais na disputa pelos empregos de menor qualificação.
Não por acaso, a extrema direita obtém índices mais expressivos nos bairros operários, como Florisdorf, em Viena, que tem 8% de desempregados e deu 40% dos votos a Joerg Haider.
Os imigrantes também são acusados pela precarização do emprego no continente, na última década.
Em busca da redução do custo da força de trabalho, os países da UE vêm diminuindo seus gastos com proteção social nos últimos anos. Para os grupos xenófobos, a abundância da mão-de-obra estrangeira faz com que as pessoas admitam trabalhar em condições cada vez piores.
Uma terceira explicação para o crescimento da extrema-direita é seu discurso de defesa das “tradições nacionais”. A UE, com sua moeda única, suas regras comunitárias e instâncias internacionais de decisões (Conselho de Ministros, Comissão Européia, Parlamento, etc.) é responsabilizada por avançar sobre as economias e as culturas nacionais. O nacionalismo de direita dispara acusações contra a globalização e a UE. A xenofobia é uma dimensão dessa reação nacionalista.
Raízes culturais
Mas, talvez, a grande chave do progresso da extrema-direita seja sua capacidade de apelar a certas “raízes nacionais”: o temor histórico das nações européias ao que “vem de fora”. A Áustria tem taxa de desemprego baixíssima, inferior a 5%. Mas um em cada  oito habitantes são estrangeiros. O país também faz fronteira com a República Tcheca, a Hungria e a Eslovênia, países do antigo bloco socialista que deverão integrar a UE em alguns anos. Essa circunstância adensa o fantasma, manipulado pelos porta-vozes da xenofobia, de uma “invasão de imigrantes”.
Muito menos do que a concorrência imediata dos imigrantes no mercado de trabalho, milhões de austríacos, dinamarqueses, suíços e franceses que aderem às teses da extrema-direita parecem temer o fantasma de hordas de poloneses, húngaros, romenos e russos cruzando fronteiras.
Isso significaria a multiplicação de idiomas estranhos no metrô, ou de estrangeiros tocando melodias exóticas nas esquinas para faturar alguns trocados. Significaria também a possibilidade cada vez maior de um turco bigodudo e baixinho casar-se com a loira filha de um cervejeiro da Bavária.
Parecem coisas pequenas, diante das necessidades e da pujança da UE, o maior bloco econômico do planeta.
Pode ser. Mas, há pouco mais de meio século, a crise econômica e o fracasso do processo de “globalização” pós Primeira Guerra levaram as populações de alguns dos países mais cosmopolitas do mundo  como a Alemanha  a aderirem às mais radicais e xenófobas teses da extrema direita nazi-fascista.
Boletim Mundo Ano 8 n° 1

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