Nelson Bacic Olic
A Bacia do Prata, área drenada pelos rios Paraná, Paraguai e Uruguai, é um dos principais conjuntos fluviais do mundo e o segundo maior da América do Sul, superada apenas pela Bacia Amazônica. Com mais de 2,5 milhões de km2, ocupa cerca de 20% do território sul-americano, abrangendo áreas de cinco Estados: Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Bolívia.
Os três rios formadores da bacia nascem em solo brasileiro. O eixo principal da bacia tem, grosseiramente, sentido norte-sul e as águas de todo o conjunto alcançam o Oceano Atlântico através do estuário do Prata, um dos maiores do mundo.
Brasil e Argentina, os dois principais e mais extensos países do conjunto, compreendem cerca de 70% da superfície total da bacia. Os rios atravessam áreas de planícies sedimentares e planaltos cristalinos e sedimentares pouco elevados, limitados ao norte por serras e chapadas do Planalto Central brasileiro, a leste pelas escarpas cristalinas do Planalto Atlântico, a oeste pelos dobramentos terciários dos Andes e, ao sul, pelos desgastados e desolados territórios do Planalto da Patagônia.
As amplas áreas platinas compreendem quatro domínios morfo climáticos, além de áreas de transição entre eles. No alto vale do rio Paraguai e em algumas áreas do curso superior de rios formadores do rio Paraná, o domínio é o das chapadas tropicais recobertas pelo cerrado. Em terras da margem esquerda do rio Paraná, especialmente o centro-oeste de São Paulo, localiza-se o domínio dos mares de morros, originariamente recobertos pela floresta tropical, hoje quase totalmente devastada pela intensa ocupação humana.
Porções do médio vale do rio Paraná e do alto curso do rio Uruguai apresentam-se como o domínio dos planaltos subtropicais recobertos originariamente por matas de araucárias, também quase totalmente devastadas.
Por fim, em áreas do baixo curso do Paraná e do médio e baixo vales do Uruguai, aparecem as pradarias subtropicais e temperadas, conhecidas genericamente como Pampas. Entre as extensas áreas de transição que separam os vários domínios, destaca-se o Pantanal Mato grossense, cujo prolongamento para o norte da Argentina e oeste do Paraguai constitui a região conhecida como Chaco.
Os espaços mais densamente povoados dos países platinos situam-se em áreas componentes da bacia ou nas suas proximidades. É o caso das capitais políticas e das maiores cidades da Argentina (Buenos Aires, Rosário e Córdoba), do Uruguai (Montevidéu), do Paraguai (Assunção) e do Brasil (São Paulo, Brasília, Rio de Janeiro e Belo Horizonte). Do ponto de vista econômico, as regiões mais dinâmicas dos quatro países também se localizam em áreas da bacia, como é o caso do Pampa argentino (onde está Buenos Aires), que concentra 75% de toda a atividade econômica do país. No Brasil, as regiões platinas correspondem a parcelas consideráveis do Centro-Sul, que concentra mais de dois terços da riqueza nacional.
Durante muito tempo, as áreas da Bacia Platina foram focos de tensão geopolítica. Na época colonial, ela foi palco dos expansionismos contraditórios de portugueses e espanhóis. A partir do século XIX, as tensões passaram a ser entre os novos Estados independentes, cujos territórios estavam longe de se estabilizar.
Brasil e Argentina viveram fases de conturbado relacionamento político e diplomático, em função dos mitos de hegemonia regional que ambos desenvolveram. Os mitos argentinos eram assentados sobre ideologias raciais.
A vasta onda imigratória da segunda metade do século XIX dissolveu a base mestiça da Campanha argentina.
O país dos imigrantes europeus e da velha elite branca de Buenos Aires desenvolveu idéias de superioridade civilizacional, diante dos seus vizinhos sul-americanos. Os líderes argentinos julgavam que apenas um país com essas características étnicas poderia dialogar de igual para igual com as potências “brancas” da Europa e com os Estados Unidos.
Os mitos brasileiros estudavam-se na grandeza, riqueza e potencialidade do território. Um país de rios imensos, florestas fantásticas e tamanho colossal só poderia ter um destino semelhante aos seus atributos físicos.
Recentemente, as bases do relacionamento entre os dois países foram reconstruídas, com ênfase na cooperação.
A crise econômica dos anos 80 a “década perdida” da América Latina - e a globalização da economia mundial condicionaram essa reversão de posturas diplomáticas. Contribuiu, também, a redemocratização dos dois países, expressa nas eleições presidenciais de 1983 na Argentina e pela volta dos civis ao poder no Brasil, em 1984. Começaram aí a serem lançadas as sementes que germinariam alguns anos depois, com a criação do Mercosul, pelo Tratado de Assunção de 1991. Nesses anos, os rios da discórdia passaram a ser vistos como rios da integração.
Boletim Mundo Ano 6 n° 2
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