sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

A SÍNDROME DA “BOLA DA VEZ”

Qual será o próximo país a cair sob o efeito da crise? A indagação ronda o mundo globalizado. O México, em dezembro de 1994, deu o sinal de que havia algo de podre no reino das finanças mundiais . Na ocasião, a crise foi contida por uma gigantesca operação articulada pelo presidente Bill Clinton. Menos de três anos depois, foi a vez da Tailândia, com sérias repercussões atingindo os Tigres Asiáticos, a Rússia e, finalmente, o Brasil.
E agora? Quem será o próximo? Os temores recaem sobre três grandes centros financeiros: os Estados Unidos, o Japão e a China. Um desastre num centro desse porte poderia até mesmo romper as comportas de segurança da economia globalizada, reeditando em ponto maior a depressão internacional deflagrada pelo “crash” de 1929.
Estados Unidos
Os Estados Unidos são, hoje, o mercado mais sólido e próspero do mundo.
Todos os indicadores de sua economia doméstica (produtividade, emprego, inflação etc.) são positivos, os melhores nas duas últimas décadas. Esse desempenho, aliás, explica o fato de o presidente Bill Clinton ter resistido às pressões pelo seu impeachment. Não por acaso, os títulos do Tesouro Nacional dos Estados Unidos, apesar de pagarem juros baixos (menos de 5% ao ano), são sempre procurados por investidores temerosos de colocar o seu dinheiro em qualquer outro mercado. É melhor ganhar pouco, mas garantido, do que tentar muito (os 30% ou 40% prometidos pelo Brasil) e perder tudo.
Esse clima de estabilidade econômica e as expectativas otimistas sustentam os valores em alta das ações da bolsa de Nova Iorque. Há vários anos, as ações sobem sem parar. E grande parte da classe média - que, lá, investe na bolsa  acostumou-se a gastar por conta da renda extra que consegue no mercado de ações. Mas o que poderia acontecer se houvesse uma reversão de expectativas semelhante à de 1929?
Não é preciso muito para provocar tal sensação.
Bastaria a quebra de algum bloco econômico importante para as exportações americanas - por exemplo, o Brasil, levando junto a América Latina. Ou, mais simplesmente, investidores na bolsa poderiam começar a vender suas ações supervalorizadas, com objetivo de realizar lucros. Nesse caso, uma onda descontrolada de vendas seria o prenúncio do “crash”.
Nos Estados Unidos, a quebra da bolsa teria o poder de instalar uma recessão, interrompendo o ciclo de prosperidade baseado no consumo. Na esteira de um “crash” em Wall Street, curto circuitos em série poderiam repercutir pelo mundo todo, já que hoje os mercados financeiros estão muito mais interconectados do que jamais estiveram. Este seria, sem dúvida, o cenário mais perigoso.
Japão
O Japão enfrenta a ameaça de uma  quebra em massa de suas maiores instituições financeiras. Sua prosperidade, a partir do final dos anos 80, foi alavancada pela captação de dólares oriundos de imensos saldos positivos na balança comercial, garantidos pela sub valorização cambial do iene. A especulação imobiliária acompanhou o ciclo de prosperidade: a enxurrada de dólares tornou o metro quadrado japonês o mais caro do mundo.
O dinheiro fácil fez com que os bancos emprestassem prodigamente para as empresas, que investiram na ampliação de capacidades de produção já imensas. Esses empréstimos tinham como garantia ações e imóveis supervalorizados. Mas tudo começou a ruir em 1990, quando explodiu a “bolha especulativa”. A súbita e violenta desvalorização de ações e imóveis deixou a descoberto os empréstimos.
A partir de meados dos anos 90, o encarecimento do iene - conseqüência, em grande parte, das pressões americanas no contexto da guerra comercial não declarada entre os dois países - e a reação americana no campo da alta tecnologia fizeram com que o Japão perdesse sua competitividade.
Os lucros empresariais desabaram, pondo em risco o pagamento das dívidas contraídas junto aos bancos.
A economia real japonesa logo começou a emitir os sinais da crise: aumentou a taxa de desocupação e foram enterradas algumas garantias históricas para os trabalhadores, como a do emprego vitalício.
Veio da recessão e fracassaram as medidas do governo destinadas a estimular o consumo interno.
Hoje, bancos e instituições financeiras acumulam “créditos podres” avaliados em algo como um trilhão de dólares, a herança dos empréstimos irresponsáveis concedidos nos tempos do dinheiro farto.
O governo comprometeu-se com um plano de salvação de instituições financeiras que envolve mais de 400 bilhões de dólares.
É um “Proer” em escala jamais vista, que desvia dinheiro público para evitar a quebradeira em série dos bancos. Mesmo depois disso, nada está garantido. O espectro da quebradeira atormenta o mercado financeiro globalizado.
China
O terceiro cenário de turbulência vem da China. O modelo de desenvolvimento econômico chinês tem como um dos principais componentes a exportação de produtos baratos e de baixa ou média tecnologia (de roupas a brinquedos). O “segredo” dos baixos preços dos produtos chineses é bem conhecido: economia de escala, com a produções de milhões de unidades, inundando os mercados; salários baixíssimos, garantidos pela severidade da ditadura comunista; manutenção da moeda, o yuan, a um preço baixo em relação ao dólar.
Mas a China enfrenta um tremendo desafio social, configurado pelo desemprego de 150 milhões de trabalhadores rurais, de 10 a 30 milhões de antigos trabalhadores de empresas estatais e de mais 25 milhões de jovens que, este ano, entraram no mercado de trabalho. A desvalorização das moedas dos Tigres Asiáticos, em 1997, prejudicou a competitividade das exportações chinesas. Uma saída, em princípio descartada pelo governo, parece óbvia: desvalorizar o yuan, para estimular a exportação e gerar empregos. Mas isso poderia forçar novas rodadas de desvalorizações nos Tigres Asiáticos, criando turbulências financeiras em todo o mundo.
E não é só. Observadores notam que ninguém sabe, de fato, o que está acontecendo com a economia chinesa. Oficialmente, seu PIB cresceu 7,8% no último ano, talvez a maior taxa do mundo. Só que a cifra entra em contradição com outros dados: o país atravessa deflação há mais de um ano, o consumo doméstico está em queda, assim como as exportações. Além disso, o governo chinês alega que o consumo de eletricidade cresceu 2%, ao passo que a produção industrial aumentou em 11%. Os números não batem e indicam que a economia chinesa deve ter crescido muito menos que o anunciado. Uma recessão na China encurtaria o caminho para a desvalorização do yuan.
É possível que nenhum destes cenários sombrios se realize. Crescem as pressões para que os Estados encontrem meios de refrear os efeitos nefastos da “nuvem” de especulação que abala o mercado globalizado, bem como de revitalizar a economia real. Afinal, se o “crash” de 1929 serviu para algo, foi para mostrar que a depressão não é apenas uma hipótese teórica, mas um resultado prático da atividade econômica e financeira.
O NAUFRÁGIO DO TITANIC FINANCEIRO (uma cronologia dos colapsos cambiais)
Dezembro, 1994 - México: O peso sofre um colapso cambial de 40%, menos de um ano depois da entrada em vigor do tratado do Nafta. Os Estados Unidos e o FMI articulam um pacote de empréstimos de quase 50 bilhões de dólares.
Maio, 1997 - Tailândia: O Banco Central é desafiado por súbita fuga de capitais mas consegue evitar a desvalorização do baht vendendo bilhões de dólares das suas reservas.
Os juros começam a subir nos Tigres Asiáticos.
Julho, 1997 - Tailândia: Ataques especulativos rompem o vínculo entre o baht e o dólar. O país adota o câmbio flutuante e a moeda desvaloriza-se mais que 15%.
Desvalorizações menores atingem o peso filipino, a rupia indonésia e o ringgit da Malásia.
Agosto, 1997 - Tigres Asiáticos: As ações cotadas nas bolsas de valores da Malásia e Hong Kong sofrem violentas quedas, enquanto ocorrem novas fugas de capitais em toda a macrorregião.
Outubro, 1997 - Bolsas de Valores: No mundo todo, violentos fluxos de capitais provocam instabilidade aguda nos mercados. No dia 27, uma queda de 7,2% em Wall Street provoca o temor de um crash global.
Novembro, 1997 - Coréia do Sul: Desvalorização do won e crash na bolsa obrigam o governo a negociar empréstimo de 20 bilhões de dólares com o FMI. Na Tailândia, Malásia e Indonésia, aprofundam-se os colapsos cambiais. O contágio atinge o dólar de Taiwan. Japão: No dia 24, é anunciada a insolvência da Yamaichi Securities, pouco depois da quebra de outras importantes instituições financeiras.
Agosto, 1998 - Rússia: Um mês após ser anunciado um empréstimo emergencial do FMI, ataques especulativos impõem brutal desvalorização do rublo. O governo anuncia moratória parcial das dívidas interna e externa.
Setembro, 1998 - Brasil: Na reta final da campanha eleitoral, ondas de ataques especulativos ameaçam as taxas de câmbio. Nos dois meses seguintes, o Banco Central gasta quase 40 bilhões de dólares para proteger o real e monta, com o FMI e os Estados Unidos, um pacote de ajuda preventiva.
Janeiro, 1999 - Brasil: No dia 13, o Banco Central anuncia uma desvalorização “controlada” do real de 8%. Nos dias seguintes, sob incontrolável ataque especulativo, anuncia a livre flutuação da moeda, que chega a perder mais de 50% do valor.
Boletim Mundo Ano 7 n° 1

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