domingo, 20 de fevereiro de 2011

WASHINGTON FINANCIA “GUERRA SUJA” NO PAÍS DO NARCOTRÁFICO

Cláudio Camargo
Quando se fala em “guerra suja” na América Latina, o que vem à memória é a última ditadura militar da Argentina (1976-1983), um reinado de terror que custou a vida de quase 30 mil civis. Ou, ainda, o Chile do iracundo general Augusto Pinochet, cuja cruzada anticomunista produziu o “desaparecimento” de três mil cidadãos entre 1973 e 1990. Mas, por uma dessas insólitas ironias da História, a “guerra suja” mais violenta e prolongada do hemisfério não foi gerada por uma das tiranias militares de direita que ensangüentaram países ao sul do Rio Grande nas décadas de 70 e 80. A pior de todas as guerras sujas, com seu ritual macabro de massacres de inocentes, vem acontecendo há 20 anos na Colômbia, um país com fama de ser uma das poucas democracias estáveis do continente . Só na última década, 70 mil colombianos morreram ou desapareceram tragados pela violência política.
Embora a Colômbia seja mais conhecida pelo narcotráfico que produz 80% da cocaína consumida nos Estados Unidos e cujo poder já envolve empresas legais, juízes, militares, políticos e até grupos guerrilheiros  os cartéis da droga não são os principais responsáveis por essa carnificina.
Nem mesmo o conflito do Exército com os remanescentes da guerrilha de esquerda dos anos 60, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), com cerca de15 mil combatentes, e o Exército de Libertação Nacional (ELN), com pouco menos que 2 mil. Os principais agentes da morte organizada no país são os grupos paramilitares de extrema-direita, milícias privadas organizadas pelas Forças Armadas e patrocinadas por latifundiários, comerciantes e barões da droga. Esses bandoleiros apadrinhados, responsáveis por 75% das matanças, se transformaram no principal obstáculo às negociações de paz entre o presidente Andrés Pastrana, empossado no ano passado, e os guerrilheiros das Farc.
Iniciadas a 7 de janeiro, as conversações foram congeladas pela guerrilha depois que os “paras”, como são conhecidos, lançaram ferozes ataques contra vilarejos camponeses, massacrando cerca de 150 civis.
Essas milícias terroristas são filhas legítimas do Estado colombiano e das teorias de contra-insurgência elaboradas pelo Pentágono durante a Guerra Fria. Surgiram  com um decreto de 1968 do então presidente Julio Cesar Turbay Ayala, que autorizava a formação de grupos de civis armados para ajudar o Exército a combater a guerrilha. Inicialmente, foram utilizados para recuperar áreas em poder dos rebeldes esquerdistas. Passaram a fazer o “trabalho sujo” para os militares, massacrando comunidades rurais suspeitas de apoiar a guerrilha, mas também eliminando líderes sindicais, políticos e defensores dos direitos humanos. Só um partido, a União Patriótica (ex-guerrilheiros das Farc que depuseram armas), teve três mil militantes assassinados pelos esquadrões da morte desde 1985.
Além de serem uma força de primeira linha na luta anti guerrilheira, esses exércitos particulares estão sendo usados como agentes de uma espécie de “limpeza social” que beneficia  latifundiários e narcotraficantes, que compram terras para lavar o dinheiro. As milícias aterrorizam povoados camponeses para expulsá-los de suas terras, que darão lugar a estâncias, empresas agrícolas e projetos agroindustriais.
Por isso, muitos colombianos se tornaram refugiados em seu próprio país. Segundo a Anistia Internacional, cerca de um milhão de camponeses já foram expulsos de suas propriedades.
Essa política genocida conta com o apoio quase irrestrito dos Estados Unidos.
Apesar da desastrosa ficha da Colômbia em matéria de direitos humanos, o país recebe centenas de milhões de dólares em ajuda  militar, mais do que qualquer outro da região.
Oficialmente, os recursos são destinados ao combate ao narcotráfico. Na prática, as unidades militares colombianas beneficiárias dessa ajuda estão envolvidas, junto com os “paras”, em operações de contra-insurgência e massacres de civis. Segundo a Human Rights Watch, Washington justifica essa política ressussitando o conceito de “narco guerrilha”, que transforma  guerrilheiros e traficantes em faces da mesma moeda. Na Colômbia, os estertores da Guerra Fria sobrevivem aos tempos da globalização.
Boletim Mundo Ano 7 n°2

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