Os delegados ao encontro da Organização Internacional do Trabalho (OIT, vinculada à ONU), que acontecerá em junho, na Suíça, vão ter problemas para se concentrar em suas tarefas. Isso porque milhares de pessoas principalmente crianças , vindas do mundo inteiro, estarão do lado de fora fazendo barulho, em protesto contra o trabalho infantil. A manifestação será o ponto alto de uma marcha que mobilizou gente em 97 países, exigindo o direito de ir à escola e de brincar para as pelo menos 200 milhões de crianças forçadas a trabalhar em todo o mundo.
O Brasil é um dos campeões de denúncias de abuso contra crianças. Os dados mais confiáveis são do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e indicam que, em 1991, 7,5 milhões de menores de idade, entre 10 e 17 anos, estavam trabalhando. Eles somavam 11,6% da força de trabalho.
O número é impressionante, mas pode ser ainda maior, já que a pesquisa do IBGE não abrange ofícios “marginais”.
Quer dizer, os menores que ajudam os pais em pequenas empresas domésticas e os que sobrevivem de subempregos vendendo jornais ou distribuindo folhetos na ruas. Há ainda milhares de garotos e garotas que vivem da prostituição, principalmente nas cidades turísticas.
Entre as situações mais dramáticas está a dos 12 mil menores que trabalham na colheita da laranja em Sergipe. “Quase todos tiveram de abandonar a escola”, diz o presidente do Sindicato dos Trabalhadores na Citricultura de SE, Carlos Gatto. “O ácido cítrico é tóxico, ataca as mãos dos meninos que trabalham sem proteção e destrói as suas impressões digitais, sua marca de cidadãos”, conclui. A citricultura, a colheita da cana-de-açúcar (no Nordeste e no interior de São Paulo), a indústria de calçados (SP e RS) e a produção de carvão vegetal (MG e MS) também empregam grandes contingentes de meninos e meninas. De acordo com o IBGE, 70% dos menores trabalhadores recebiam, em 1991, até meio salário mínimo por mês.
Mas, além do trabalho infantil, o Brasil vem amargando o desemprego infantil. A baixa dos preços internacionais da laranja e do açúcar, a mecanização agrícola e a crise na exportação de calçados estão atirando milhares de crianças às ruas. Elas passam a viver um duplo pesadelo. Não podem voltar à escola, porque têm de ajudar a família.
E já não encontram emprego.
O governo federal lançou, em 1994, o Plano Nacional de Direitos Humanos, que tem entre suas prioridades a eliminação do trabalho infantil.
Uma campanha nacional e internacional vem sendo desenvolvida para evitar o “turismo sexual”, as viagens de europeus e americanos rumo a cidades turísticas como Fortaleza, Recife e Rio de Janeiro, de olho nos meninos e meninas que alugam seus corpos. Em Santos (SP), um dos campeões brasileiros em incidência de Aids, um levantamento realizado em 1993 revelou que a vida média das prostitutas menores de idade era de 20 anos. Uma em cada cinco mortes era provocada por abortos malfeitos.
E 29% das adolescentes com Aids naquela cidade sobreviviam da prostituição.
Em algumas regiões, a união de sindicatos, do Ministério Público e o apoio policial vem obtendo resultados importantes na luta contra o trabalho infantil. Uma blitz realizada nas 12 usinas de álcool instaladas em Campos (RJ), em 1994, comprovou que todas elas empregavam menores, de até oito anos de idade. Levaram multas salgadas.
A Fundação Abrinq, que reúne as indústrias de brinquedos instaladas no Brasil, instituiu o programa “empresa amiga da criança”. A idéia é pressionar grandes corporações, como as fábricas de automóveis e as siderúrgicas, a se oporem ao trabalho infantil. A iniciativa é importante porque o carvão produzido em condições miseráveis pelos meninos de Minas Gerais ia terminar nos fornos de siderúrgicas como a Usiminas. Quem adere ao programa ganha o selo de “empresa amiga da criança”.
Outras companhias, como a Wal- Mart, uma grande rede comercial norte-americana, exigem de todos os seus fornecedores a assinatura de um termo de compromisso, garantindo que não empregam menores de 15 anos.
Iniciativas como essa esbarram nas históricas desigualdades sociais do país. Milhões de pais e mães adorariam ver seus filhos na escola; mas, sem o trabalho deles, a miséria aumentaria. A flexibilização das leis trabalhistas ampliou esse problema. Hoje, a maior parte das fábricas de calçados terceiriza operações como a costura e a colagem das solas, para reduzir seus gastos com o 13º salário, férias e Fundo de Garantia. O trabalho é feito em casa, quase sempre por ex-operários demitidos. Para que a renda compense, toda a família, incluindo as crianças, acaba trabalhando.
Uma alternativa já aplicada em dezenas de municípios é o Programa de Renda Mínima. O poder público paga um pequeno salário às famílias em situação mais difícil. Para ter direito ao benefício, todas as crianças, até os 14 anos de idade, devem estar na escola. Poucos líderes políticos se opõem à medida. A dúvida é se prefeitos, governadores e o governo federal levarão a idéia à frente, nesses tempos de aperto no cinto dos gastos públicos.
Tragédia mundial
A Índia, com quase um bilhão de habitantes, é provavelmente o campeão mundial no emprego de menores de idade. As estimativas situam-se entre 20 milhões e pasmem – 120 milhões de crianças trabalhando. Há ramos industriais inteiros, como a produção de tapetes ou de giz, que se assentam sobre o trabalho de menores pobres.
A OIT também estima que o trabalho infantil seja amplamente utilizado na China, onde a ditadura do Partido Comunista esconde cuidadosamente os dados. Além do Brasil, outro campeão latino-americano nesse ranking é a Colômbia. A presença das crianças é constante em atividades perigosas, como a produção de carvão vegetal, a fabricação de tijolos e a construção civil.
O sumiço dos empregos e a chamada “flexibilização das leis trabalhistas” (cujo objetivo declarado é evitar demissões ainda mais massivas) fizeram com que o problema do trabalho infantil se espalhasse também pelos países desenvolvidos.
Na Espanha, onde o desemprego “adulto” está na faixa dos 20%, estima-se que haja 500 mil menores de idade trabalhando. Portugal, cuja força de trabalho soma nove milhões de pessoas, tem 200 mil garotos no mercado, em especial nas indústrias de tecidos e couros. Não escapa sequer a Alemanha, que emprega 600 mil menores de idade.
Boletim Mundo Ano 6 n° 3
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