quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

GRANDEZA, DECADÊNCIA E COLAPSO DA VENEZUELA PETROLEIRA

Newton Carlos
A velha Venezuela, uma democracia elitista e corrupta assentada nas rendas petrolíferas e no paternalismo estatal, não existe mais. Ainda não existe, contudo, uma nova Venezuela. O país vizinho, que compartilha extensa fronteira com uma Colômbia em convulsão, atravessa experiência singular. A eleição que conduziu Hugo Chavez à presidência e, logo depois, a vitória esmagadora dos partidários de Chavez nas eleições para a Assembléia Nacional Constituinte assinalam o ocaso das velhas instituições de Estado. Segundo o presidente, começou uma “revolução pacífica”. Aqui, a história do colapso do Estado venezuelano.
Venezuela, ou “pequena Veneza”, foi o nome dado à região do lago Maracaibo pelos primeiros exploradores europeus. Seria um dos tesouros do universo, com montanhas de ouro e prata. Mas, passada essa primeira fantasia mineral, começou a exploração agrária e o resultado seria uma catástrofe demográfica entre índios dizimados pelo trabalho brutal e as doenças levadas pelos colonizadores.
Numa segunda fase, sobretudo na parte caribenha, prevaleceu a mão-de-obra de negros escravos, submetidos ao poder de brancos fechados em círculos oligárquicos.
Em 1805 o “ayuntamiento” da cidade de Caracas aceitou criar uma escola, com a condição de que o professorado fosse todo branco “puro”. De 1810 a 1830, a Venezuela forneceu a maioria dos homens que combateram com Bolívar na Colômbia, Equador, Peru e Bolívia.
Perdeu um quarto de sua população e só em 1850 voltou a ter população igual à de 1810. Depois das guerras, sucederam-se os caudilhos. O mais notório deles, José Vicente Gomez, o “tirano dos Andes”, governou de 1908 a 1935. Em seu tempo surgiu a Venezuela do petróleo, em associação com capitais britânicos, holandeses e americanos. Cheio de dólares, Gomez martirizou o país até morrer na cama.
Na primeira fase colonial, a riqueza foi a cana-de-açúcar.
O petróleo apareceu na pauta de exportações em 1917, mas café e cacau continuaram na cabeça. Em 1922 os jornais venezuelanos anunciaram “verdadeira explosão de petróleo no campo de La Rosa”. Era o primeiro de muitos. A mudança foi tal que a Venezuela viria a importar quase todos os alimentos que consome. Com as riquezas do petróleo, e também de muito ferro, uma febre imigratória ajudou a impulsionar o processo de miscigenação.
Depois de sufocar a Venezuela agrária, o petróleo financiou esperanças e perversidades na política.
Um partido dito moderno e de centro-esquerda, filiado à Internacional Socialista, a Ação Democrática (AD), entrou em cena na presidência de Medina Angarita, eleito em 1941 e derrubado em 1945, na onda antinazifascista.
O criador da AD, Rômulo Bétancurt, assumiu como presidente provisório e porta-voz de vagas idéias anti-oligárquicas. Levou o país a eleições livres em 1947, vencidas pelo novelista Rômulo Gallegos. Caracas tornou-se, por pouco tempo, a capital cultural da América Latina.
Gallegos ficou  10 meses em palácio. Oficiais corruptos, latifundiários obstinados e grandes negociantes colocaram em seu lugar uma junta militar. O petróleo pagou as contas.
Em 1953, um Congresso constituinte nomeou presidente o general Perez Jimenez. A Venezuela tornou-se peça do anticomunismo da Guerra Fria, e Jimenez, um ditador corrupto. O “jimenezismo” foi um tempo de suntuosas obras viárias. Veio à tona, saído do clericalismo, o Comitê de Organização Política e Eleitoral Independente (Copei), partido democrata-cristão. Jimenez foi derrubado em 1958 por um confuso conglomerado, que abrangia AD, Copei, sindicatos e militares. Elegeu-se Bétancurt e, desde então, AD e Copei se alternaram no poder, na mais duradoura “continuidade democrática” do continente, até que apareceu Hugo Chavez.
DESIGUALDADE E CORRUPÇÃO IMPLODIRAM INSTITUIÇÕES POLÍTICAS
O que foi a “continuidade democrática” da Venezuela, ao longo da qual o contingente de pobres ultrapassou a metade dos 23 milhões de habitantes do país? O grande paradoxo venezuelano é o abismo entre a opulência do Estado, saqueado por uns poucos, e a miséria da maioria. Caracas é caso único: a massa de miseráveis amontoados em favelas ao seu redor é maior do que a população da cidade e a violência urbana é a maior do mundo.
Entre 1976 e 1995, as exportações de petróleo renderam ao Estado US$ 270 bilhões. Mesmo assim, pouco se fez em matéria de infra-estrutura e se alargaram as escandalosas desigualdades sociais. Cerca de 70% dos venezuelanos sobrevive abaixo da linha de pobreza.
O desemprego atinge 21% da população ativa. A economia informal é o refúgio de 48%. Dois milhões de crianças estão na miséria, 200 mil não tem outro recurso senão a mendicância.
A Venezuela chegou ao topo de sua riqueza em 1976, com o choque dos preços do petróleo. O presidente na época, Carlos Andrés Perez, da AD, nacionalizou a indústria petrolífera e criou a “Petróleos de Venezuela”, que se tornou, com mais de três milhões de barris diários, a segunda maior produtora mundial.
Pouco foi investido em industrialização. O Estado preferiu assegurar a passividade do cidadão por meio de uma economia assistencial. Enquanto isso, os governos, da AD ou do Copei, se serviam da imensa riqueza petrolífera para corromper, por meio de subsídios, isenções fiscais e privilégios.
Somas gigantescas foram dilapidadas na megalomania dos grandes projetos. Ao mesmo tempo, era contraída enorme dívida externa, equivalente a 60% do PIB.
Apesar das nacionalizações, o Estado continua controlando o ferro, alumínio, eletricidade, petróleo e numerosas atividades industriais e agrícolas. A economia é uma das mais estatizadas do mundo. Com todo esse dinheiro, os três poderes do Estado se enfurnaram na corrupção, enquanto o peso da dívida impunha a adoção de políticas de “ajuste”do FMI. Foram essas políticas que detonaram o “Caracazo”, a explosão popular em Caracas, reprimida de modo sangrento, depois da posse, em 1988, de mais um governo de Carlos Andrés Perez, destituído em 1993 e condenado por corrupção.
Perez se elegera presidente pela primeira vez em 1972, em plena euforia do petróleo. Dezesseis anos depois, no seu segundo governo, o barril de miséria começava a transbordar. Com o monopólio da dobradinha ADCopei em crise, ganhou a presidência em 1993 o “independente” Rafael Caldera, um dos fundadores do Copei, com o qual rompera. Os dois grandes partidos, há muito, tinham deixado de lado as diferenças ideológicas.
Estabeleceu-se entre eles um sistema de colaboração recíproca.
Perder eleições não significava perder privilégios.
Caldera representou uma primeira ruptura, com o ingresso no governo de um partido de esquerda, o Movimento ao Socialismo (MAS), e uma tentativa fracassada de distanciar-se do FMI. Na condição de ministro da Fazenda, um ex-guerrilheiro, Teodoro Petkoff, administrou o “ajuste” econômico negociado em 1996.
Num gesto considerado ousado, o presidente octogenário anistiou o ex-coronel Hugo Chávez, que em 1992 tentara um golpe à frente de 11 batalhões e apoio de estudantes de esquerda da Universidade de Valência. O Movimento Bolivariano de Chavez criticava a corrupção, denunciava as desigualdades sociais e se insurgia contra a “ditadura dos mercados financeiros”.
Da cadeia, onde o coronel permaneceu por dois anos, à presidência e à avalanche de votos para uma Constituinte com a tarefa de “refundar a república”, foi mera questão de tempo. “A velha política e os velhos partidos estão mortos, só falta sepultá-los”, garante Chavez.
Boletim Mundo Ano 7 n° 6

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