quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

CULTURA, AMBIENTE E POLÍTICA NA AMAZÔNIA EQUATORIANA

Eduardo Campos
País de apenas 283 mil km2, pouco maior que o estado de São Paulo, o Equador abriga em seu território três compartimentos paisagísticos bem distintos – a estreita costa do Oceano Pacífico, a Cordilheira dos Andes (que criva o país de norte a sul) e a floresta amazônica (a oeste). Típico representante do Terceiro Mundo, a pauta de exportações equatoriana assenta-se sobre o petróleo, a banana, o camarão, o cacau e o café. A redução acentuada dos preços dos seus produtos de exportação no mercado mundial aprofunda os efeitos da crise financeira internacional.
A população equatoriana, pouco superior a 12 milhões de habitantes, divide-se etnicamente em 55% de mestiços, 25% de indígenas, 10% de negros e 10% de brancos. Esta última minoria forma a elite dirigente desde os tempos coloniais. Recentemente, a vida política do país conhece uma série de manifestações de grupos indígenas que, através de bloqueios de estradas, interrompem o sistema de transportes terrestres e exigem atenção governamental para os seus interesses e valores.
Os ameríndios equatorianos reivindicam o direito de acesso à terra e o fim da política de aumentos de preços dos combustíveis, que encarece os produtos agrícolas e solapa a competitividade dos camponeses do país. Em julho, um ato conjunto reuniu camponeses  e taxistas, revelando a importância vital dos preços dos combustíveis na atual conjuntura equatoriana.
A selva devassada
História e geografia conferiram  identidade étnica, cultura e estilos de vida singulares a cada grupo indígena do Equador. Todos eles identificam-se mais fortemente à suas comunidades étnicas que ao Estado equatoriano. Por isso, ultrapassando as fronteiras de grupo, os ameríndios criaram associações como a Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie).
Entre os princípios da Conaie estão a demarcação e o retorno às antigas terras comunitárias, o reconhecimento do quíchua como língua oficial e a compensação por perdas ambientais causadas por companhias petrolíferas. Essa última solicitação acentuou-se nos últimos anos devido à descoberta e prospecção do petróleo no chamado Oriente equatoriano, dominado pelo ecossistema da floresta amazônica.
A luta dos ameríndios estabelece o significado social das recentes teorias sobre o desenvolvimento sustentável, que enfatizam a importância da variável ambiental nas discussões sobre o crescimento econômico. No caso do Equador, país pobre e exportador de gêneros diretamente ligados ao cultivo do solo, a sustentabilidade espacial da exploração do ecossistema amazônico é condição indispensável para a própria sobrevivência das etnias e culturas ameríndias.
Como alternativa à exploração predatória da floresta  amazônica, algumas tribos vêm realizando o chamado “turismo étnico-ecológico”, no qual o turista tem a oportunidade de se hospedar por alguns dias numa típica aldeia indígena e vivenciar as relações cotidianas que se estabelecem entre a comunidade e o meio natural. Sabendo do risco de terem seus hábitos profundamente alterados por essa atividade, os índios sempre utilizam o dialeto quíchua e ensinam diariamente as suas tradições às crianças na escola mantida pela comunidade. Danças, rituais e cerimônias, praticados constantemente, integram em bases regionais as aldeias pertencentes à mesma etnia.
O maior grupo étnico indígena, constituído por mais de 2 milhões de pessoas, é o Quíchua das Montanhas, que vive nas vertentes e altiplanos da Cordilheira dos Andes. Os representantes mais conhecidos do grupo são os otavalenhos (da cidade de Otavalo). Seu artesanato, famoso mundialmente, e sua elevada organização política os tornaram uma das mais prósperas e respeitadas comunidades indígenas da América Latina. Cerâmicas, tapetes e roupas otavalenhas são vendidos no mercado internacional e a cidade recebe muitos turistas todos os dias, principalmente aos sábados, quando acontece uma grande feira em praça pública.
Uma ponte entre dois mundos
Em Otavalo, tradição e modernidade se encontram. Entre os indígenas, há líderes comunitários, advogados, médicos e políticos. Dirigindo modernas camionetas importadas, mas trajando suas vestimentas tradicionais e cultuando cerimônias que remontam ao império Inca, os índios de Otavalo conduzem seus objetos artesanais para o mercado. Na comunidade, é muito nítida a percepção de que a prosperidade do grupo está associada à preservação de seus modos de vida e do meio ambiente do qual extraem grande parte da matéria-prima.
A adaptação das comunidades indígenas à economia de mercado e à globalização é fonte de acesos debates.
A alternativa apresentada pelos críticos consiste no resgate dos modos de vida ancestrais e no isolamento diante dos fluxos contemporâneos de mercadorias e informações. Nessa utopia de retorno a um passado pré-colombiano, abriga-se o mito da “idade de ouro”, anterior a todos os males. Ela também deixa transparecer um outro mito  o do “bom selvagem” –, que infiltrou-se no imaginário ocidental desde o romantismo.
Os críticos estão errados. Os ancestrais dos otavalenhos foram muito mais intensa e dolorosamente explorados na época colonial e nem por isso abandonaram suas principais tradições. Hoje, a sua cultura e identidade dependem da adaptação ativa e inteligente ao ambiente político do Estado equatoriano e aos fluxos econômicos da globalização.
A experiência dos ameríndios da Amazônia equatoriana revela os laços que interligam a participação política da comunidade, a preservação de sua identidade cultural e a sustentabilidade ambiental das atividades econômicas.
Nesse sentido, ela representa uma negação direta de duas tendências simétricas do pensamento sócio-político contemporâneo: o reducionismo ecológico intransigente, que concebe o ambiente como santuário intocável, e o economicismo estreito, que enxerga no ambiente uma fonte inexaurível de recursos naturais.
Boletim Mundo Ano 7 n° 5

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