terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Diário de Viagem- AUSTRÁLIA QUE VICIA

Ricardo Ribeiro
A Austrália não é um país, é um paraíso com “P” maiúsculo. A ilha-continente tem natureza de sobra. Tem quase 35 mil quilômetros de praias, muitas delas completamente desertas. Tem montanhas nevadas, rios, cachoeiras, deserto...
Precisar não precisa, mas a Austrália tem muito mais: florestas tropicais e animais raros. Um dos símbolos do país, o canguru, só é encontrado lá. O dócil e apaixonante  koala também.
E é lá que fica a famosa Barreira de Corais, o maior organismo vivo do mundo. A grande Barreira tem dois mil quilômetros de comprimento, por 80 de largura. Vai do sul da Sunshine Coast até Papua Nova Guiné, ao norte. São milhões de espécies da vida marinha, patrimônio protegido por severas leis do meio ambiente. É o cenário perfeito para mergulhos inesquecíveis. E os australianos batem orgulhosos no peito:
“Isso tudo aqui é nosso”.
A qualidade de vida dos australianos é de causar inveja, até mesmo em quem vive em países europeus. Nos metrôs de Sidnei, a maior cidade do país, com quase 4 milhões de habitantes, vigilantes fazem a segurança nos vagões depois do anoitecer. Ninguém incomoda os passageiros. As casas, até mesmo nas cidades grandes, não têm portões ou sistemas eletrônicos de segurança. E as janelas não são equipadas com grades ou fechaduras especiais. Bicicletas, motos são largados nas garagens sem preocupação. Ninguém mexe. Muitos saem para o trabalho pela manhã e não trancam as portas.
Quase nunca os telejornais mostram notícias ruins.
Não por apoiarem o governo, mas porque não há o que falar.
E quando alguém é atingido por uma facada, mesmo que seja um corte superficial, o assunto é destaque na imprensa. Com direito à primeira página. Felizes, os australianos.
Pequenas coisas fazem a diferença. Em qualquer cidade australiana, o pedestre pode atravessar a rua até mesmo no sinal verde para os carros. Os motoristas param e jamais alguém vai xingar  você. Nunca. Leis severas fizeram com que ninguém se atreva a dirigir depois de tomar umas e outras.
Nem mesmo os ciclistas se arriscam a dar pedaladas de cara cheia.
Quer mais? Então, lá vai. Numa das praias de Perth, a cidade mais importante no oeste da Austrália, a cada cem metros existe uma caixa presa a um suporte. Sabe o que tem lá dentro?
Luvas plásticas para que o dono do cachorro limpe o cocô que o animal fez na calçada. Em respeito aos outros pedestres.
A Austrália agrada a todos: crianças, adolescentes, fãs de esportes radicais, famílias. E a comunidade gay do mundo inteiro sente-se em casa. Tanto é que um dos maiores eventos homossexuais da Terra é realizado em fevereiro, em Sidnei: o Mardi Gras. Durante um mês são organizadas exposições de arte, de fotografia, peças de teatro, cinema...
Tudo envolvendo o tema homossexual. Depois é feita a “parada”, onde blocos desfilam pelas ruas da cidade.
A multidão, estimada em 700 mil pessoas, disputa a tapa  um melhor lugar para assistir aos desfiles. O Mardi Gras é o evento mais esperado do ano. Só está perdendo, agora, para os Jogos Olímpicos do ano que vem.
“Não olhe para baixo e coloque os pés na ponta da plataforma. Estique  os braços e dê impulso com as pernas.”
Assim me falou o instrutor de bungy  jump, no meio de uma floresta tropical na cidade de Cairns, no nordeste australiano.
Eram 44 metros de altura e, lá no chão, um pequeno lago.
Antes de começarem a amarrar o elástico na minha canela, os guias até perguntam: “quer enfiar a cabeça na água?”
Claro. Afinal, loucura pouca é bobagem. Mas um pequeno erro de cálculo fez com que eu tocasse apenas as mãos no lago.
Durante a descida (ou melhor, “despencagem”), o grito fica entalado na garganta. Parece que você está indo para o inferno.
“Dessa eu não escapo”, pensei. Em questão de rápidos segundos, desci, subi, desci de novo... dei cambalhota no ar, fiz até pose para a câmera... Depois de tantos estica e puxa, um santo aparece lá em baixo com um bote inflável para me resgatar.
Minha cabeça parecia que ia explodir e acomodava todo o sangue do meu corpo. Ufa, continuo vivo!
ANTIGA COLÔNIA PENAL PROCURA SEU FUTURO NA BACIA DO PACÍFICO
Relatos dos séculos XVI e XVII indicam que navegadores europeus aportaram diversas vezes nas costas da Austrália, sem saber que haviam tocado o quinto continente. Os holandeses Dirk Hartog e Abel Janszoon Tasman desembarcaram entre 1616 e 1644 e chegaram até a batizar a terra de Nova Holanda. Mas apenas na segunda metade do século XVIII, explorando o Pacífico sul numa busca infrutífera pela Antártida, o navegador inglês James Cook circunavegou a ilha-continente, cartografando a maior parte da sua linha litorânea.
Ironicamente, o destino da ilha-continente foi determinado pela independência das Treze Colônias norte-americanas, que fechou essa válvula de escape para o transporte de condenados na Grã-Bretanha. Assim, com a sua transformação em colônia penal, começou em 1788 a colonização britânica da Austrália. A transferência de criminosos prosseguiu por meio século e os campos de trabalho sobreviveram na Austrália Ocidental até 1867. Um poema de Mary Gilmore, de 1918, não permitiu que as gerações seguintes apagassem essa origem da memória coletiva: I was the convict/ Sent to hell,/ To make in the desert/ The living well./ I split the rock./ I felled the tree -/ The nation was/ Because of me.
Mas, desde meados do século XIX, acelerou-se a emigração britânica para a Austrália. O enorme sucesso da criação de ovelhas era garantido pela exportação de lã para as insaciáveis indústrias inglesas. A partir de 1851, a corrida do ouro da Nova Gales do Sul, que reproduzia a febre do ouro californiano iniciada pouco antes, assegurou intenso crescimento econômico, até o final do século.
Atualmente, são cerca de 18,5 milhões de habitantes, num país de quase 7,7 milhões de km2. A densidade demográfica, de 2,4 hab./km2, uma das menores do mundo, traduz-se no baixo preço da terra, na amplidão das residências, na vastidão das fazendas.
País de contrastes. Esse clichê geográfico serve para caracterizar genericamente qualquer país do mundo.
Mas, no caso australiano, não há como evitá-lo. Os domínios áridos e semi-áridos do centro e do ocidente contrastam com a fertilidade das terras temperadas do sudeste e com a tropicalidade  do nordeste. O desenvolvimento econômico e o alto nível de vida da população apoiaram-se no complexo agropecuário exportador e na extração mineral. Sem jamais ter sido um típico país industrial, a prosperidade da Austrália assenta-se hoje na economia de serviços e no turismo.
Uma economia em mutação. Há poucas décadas, o comércio exterior e os fluxos de capitais prendiam a ilha-continente à distante Europa. Hoje, os países da Bacia do Pacífico  Japão, China, Tigres Asiáticos tornaram-se os principais parceiros da Austrália. Estudantes asiáticos, há pouco rejeitados, fluem para os cursos superiores australianos. E parte da elite política pretende fixar a mudança no bronze do arcabouço institucional: proposta de ruptura com a Comunidade Britânica e proclamação da república será logo submetida a referendo popular.
Boletim Mundo Ano 7 n° 4

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