Marcelo Tamada
Futebol tornou-se negócio globalizado, que envolve a mídia e as bolsas de valores, mas continua a polarizar paixões nacionais e emoções patrióticas
Hoje, o futebol é business. A FIFA estima que o futebol mundial gera 450 milhões de empregos e movimenta cerca de 250 bilhões de dólares. E os dirigentes, principalmente os europeus, evoluíram na administração do futebol.
A moda na Inglaterra é o clube colocar ações nas bolsas de valores. A maior parte das equipes inglesas já são sociedades anônimas, que geram lucros aos seus proprietários. Na Itália, equipes como Milan e Lazio sondaram os mercados financeiros e devem seguir em breve o caminho das equipes inglesas.
No Brasil, a Lei Pelé, aprovada recentemente, traz inovações que tendem a aproximar a realidade brasileira da européia. O fim do passe (os jogadores terão contratos de trabalho e poderão se desvincular do clube assim que o contrato terminar) e o surgimento do clube-empresa (clubes gerenciados profissionalmente, que terão de prestar contas com seus proprietários e declarar imposto de renda) abrem caminhos para a definitiva profissionalização.
A parceria entre televisão e futebol é outra realidade. Um dos segredos que permitiram ao campeonato inglês recuperar a glória perdida para espanhóis e italianos foi justamente um lucrativo acordo com a tevê britânica, que possibilitou a aquisição de astros internacionais e maior visibilidade na mídia. Surgiram novas opções como o sistema Pay-Per-View e tevês à cabo que injetaram investimentos no setor. Na atual temporada, 226 jogadores estrangeiros atuam nos campeonatos britânicos. A Alemanha tem 135, a Itália, 113, a Holanda, 109 e a Espanha, 103. Há muita circulação de jogadores no interior da União Européia. Mas muitos vêm de fora - da América do Sul e da África, continentes “exportadores” dessa “mercadoria tropical”. Jogadores como Ronaldinho, Roberto Carlos e Romário, conhecidos mundialmente, funcionam como ímãs para a publicidade.
Ronaldinho associa sua imagem com pneus (Pirelli), bebidas (Brahma), laticínios (Parmalat) e equipamentos esportivos (Nike). Sua aquisição pela Inter de Milão aumentou as cotas de patrocínio do clube em 30%. É muito dinheiro.
Mesmo com a transformação do esporte em negócio lucrativo e profissional, o futebol ainda é fonte de paixões no mundo inteiro e os meses que antecederam a Copa do Mundo da França são uma prova disso. No Irã, a classificação para a Copa do Mundo provocou uma verdadeira revolução de costumes.
As mulheres contestaram dogmas da religião muçulmana e exigiram o direito de participar das comemorações. O brasileiro Valdeir “Badu” Viera estava no epicentro dos acontecimentos, pois foi o técnico que dirigiu a Seleção.
“Aqui em Teerã - explica -, as mulheres se vestem com roupas longas. Os estádios de futebol também são proibidos para elas. Mas, com a classificação da seleção iraniana, os milhares de anos de tradição foram postos de lados.
Quando chegamos da Austrália, após garantirmos a última vaga para o Mundial, fomos recepcionados em um estádio Do lado de fora, uma multidão de mulheres forçavam a entrada.” Badu Vieira não é mais o técnico da seleção, nem a sociedade iraniana será mais a mesma. As mulheres vão, aos poucos, conquistando seu espaço. Já podem jogar futebol e foram decisivas na eleição de Mohammad Khatami, um religioso moderado.
Na Nigéria, o futebol é um dos pilares de sustentação da junta militar.
Decisões sobre a seleção local passam diretamente pelo líder do governo, o general Sani Abacha, responsável por incontáveis violações dos direitos humanos.
Foi ele quem deu a palavra final para a contratação do técnico iugoslavo Bora Milutinovic. Os opositores acusam Abacha de fazer da seleção seu partido político. A ditadura nigeriana é visto com desconfiança pelos europeus. Parlamentares alemães e holandeses tentaram negar o visto para que a seleção nigeriana disputasse amistosos nesses países. O protesto foi em vão, pois prevaleceu o princípio da União Européia de não misturar política com esporte.
Brasileiros, na Copa de 70, e argentinos, na de 78, conhecem o significado político da conquista da Copa e a manipulação da alegria popular por regimes autoritários.
É curioso observar que a questão étnica influi no comportamento das seleções européias. Países tidos como favoritos naufragam vergonhosamente e, às vezes, o problema é interno. A seleção espanhola abriga catalães, bascos e madrilenhos, que lutam pela mesma bandeira. O técnico Javier Clemente, um basco, é visto com desconfiança pelos jornalistas de Madrid, por favorecer jogadores bascos, e pelos de Bilbao, uma das principais cidades bascas, que o criticam por dirigir a seleção espanhola.
França e Holanda, antigas potências coloniais, enfrentam problemas de outro tipo. As duas seleções nacionais contam com vários jogadores oriundos das antigas colônias. Na seleção francesa, Karembeau é da Nova Caledônia e Ba, de Gana. Na seleção holandesa, Kluivert e Seedorf são do Suriname. Negros, habilidosos e conhecidos internacionalmente, esses jogadores representam países onde as manifestações de racismo estão presentes também no mundo futebolístico. Na Eurocopa de 1996, na Inglaterra, a seleção holandesa decepcionou, após denúncias de favorecimento dos jogadores brancos por parte do técnico Guus Hiddink.
A Copa do Mundo mexe com paixões nacionais, o que deixa a polícia francesa em estado de alerta. Cerca de 6 mil homens devem policiar o evento.
Há o medo dos hooligans, torcedores que provocam distúrbios. Os ingleses são os mais conhecidos e prometem atravessar o Canal da Mancha em massa. Mas há, sobretudo, a preocupação com hipotéticos ataques terroristas. Recentemente, foi descoberto em Bruxelas, na Bélgica, um apartamento de terroristas argelinos com explosivos, detonadores, armas e informações sobre os estádios onde vão se realizar as partidas da Copa do Mundo.
A Argélia, antiga colônia francesa, encontra-se imersa em sangrenta guerra civil.
Boletim Mundo Ano 6 n° 3
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