segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Fetiche da moeda esconde relações de poder

Gilson Schwartz
Afinal o que é uma moeda ? Será que o lançamento da moeda européia vai levar a uma brutal transformação na divisão das reservas monetárias dos bancos centrais de todo o mundo entre o dólar e o euro, a partir de 1999 ? O frisson está no ar. Nessas horas sempre surgem aqueles economistas proféticos.
Tem gente dizendo que a força do euro será tanta que a posição do dólar será afetada.
Longe dos holofotes e manchetes explosivas, não é o que pensam os especialistas. Os custos de empresas e bancos para adaptarem suas contabilidades, computadores e etiquetas ao euro vem ganhando mais espaço que a suposta disputa entre dólar e euro.
Mas o que é afinal uma moeda ? Dizem que Marx saiu de moda. Mas no primeiro capítulo (intitulado “A Mercadoria”) do seu clássico O Capital ele explica muito claramente (bem, nem tanto) que o dinheiro é um fetiche. Uma ilusão ou máscara. Ao longo da história humana, muitas vezes os indivíduos acreditaram piamente que aquele pedaço de metal (ouro ou prata) e papel (cédulas ou cheques) era de fato “riqueza”. Marx adverte: entesourar (acumular metal ou guardar dinheiro embaixo do colchão) pode fazer mal à saúde financeira até do mais poderoso capitalista.
O dinheiro é uma máscara, um símbolo de riqueza. Mas o seu “valor” depende das relações (invisíveis a olho nu) entre capitalistas e trabalhadores, capitalistas entre si, capitalistas, trabalhadores e Estado, capitalistas de vários setores (industrial, financeiro, agrícola, etc.). Sempre acabaram mal aqueles que, ao longo da história (governos, empresas ou trabalhadores) deixaram de olhar para esse conjunto de relações para entender o fundamento do valor de uma moeda.
A Grã-Bretanha é o caso clássico. Vivia o apogeu de sua glória, no século XIX. Patrocinava o Padrão Ouro: todos os países do mundo mantinham fixo o valor de suas moedas em relação à moeda inglesa, a libra esterlina. E a libra, amparada no poder do Banco da Inglaterra (banco central), mantinha-se igualmente fixa, em relação a uma certa quantidade de ouro. Mas o tempo foi passando.
Os capitalistas britânicos já não estavam sozinhos na luta pelo domínio global. Alemães, franceses, americanos, japoneses investiam em novas tecnologias, armavam-se até os dentes, enfrentavam mudanças políticas muitas vezes revolucionárias. Resultado: a paridade-ouro da libra (ou seja, a capacidade da Inglaterra bancar o jogo e obrigar o mundo inteiro a usar sua moeda como referência) foi para o brejo.
Olhar para as relações entre euro e dólar, portanto, significa olhar para o poder de fogo da economia americana, comparado às perspectivas de crescimento, inovação tecnológica, domínio financeiro, organização social (leia-se, capacidade de geração de emprego) dos europeus.
O dólar é, de longe, a moeda dominante nas reservas oficiais  e nos investimentos internacionais. Ao menos por alguns anos, a divisão das reservas internacionais (seja dos bancos centrais, seja dos investidores privados) deve continuar no mesmo padrão em que se encontra hoje, sem mudanças bruscas ou significativas. Aliás, segundo o J.P. Morgan, banco de investimentos, é mais provável que ocorram mudanças na distribuição setorial dos recursos do que na sua destinação regional. A julgar pelos especialistas que acompanham esse jogo, os europeus ainda têm muito chão pela frente antes de se mostrarem mais fortes que os Estados Unidos no tabuleiro econômico global.
O jogo continua. Mas, como dizia Marx, todo cuidado é pouco quando se olha para uma moeda sem lembrar  de analisar as relações de poder que estão por trás do metal, do papel e do cifrão.
Boletim Mundo Ano 6 n° 3

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