Yanessa Granero
Estou deitada na sala, ouvindo um CD que é uma curiosa seleção de músicas árabes e me vem uma vontade enorme de rodar o mundo, correr perigos, conhecer lugares diferentes, ver outros povos, outros caminhos, outros jeitos. Pensando na grandeza e nos mistérios desse planeta azul, viajo em pensamentos e, ao meu redor, vejo um deserto. Tuaregues avançam pelas areias quentes. Uma brisa vinda de muito longe sopra a ancestralidade. Desenhos paquistaneses nos sarongues de toda a gente queimada de sol dão um colorido especial às cenas. Cheiro de henna e calcário, ventos da Tunísia chegam em rodopios. No deserto, ausências, ausências. Chá de menta na tenda nômade. Espelhos d’água no Estreito de Bahr. Não sei ao certo onde estou.
Atravesso o mapa e paro em Bangcoc. Quero é ouvir o OM, infinito som do universo na Tailândia, antigo Sião, aportando num pequenino ponto perdido entre o turquesa do Oceano Índico e o mar do sul da China. Flores de lótus e jasmins vêm me beijar e, num ritual thai, eu procurarei a luz (daimako), que me virá em cachos, incensos, velas bonitas, pensamentos iluminados.
Quero conhecer a ilha Phukat, as impressionantes ilhas Phi-Phi e, na vila de Thong ou Nonthaburi, reverenciar o Buda de tantos templos. Velejar pela costa de Bang Tao, jantar ao luar nesse mesmo veleiro, fazer uma festa aos sentidos e à paz. Sentir gosto de pimenta, coco, amendoim e folhinhas de lima.
Bem pra lá de Marrakesh, chego ao Marrocos e me deslumbro com sua paisagem contrastante: a neve nos picos das montanhas Atlas cortando o país e, aos seus pés, os pequenos desertos que antecedem o Saara.
Deste país árabe do noroeste africano vou guardar na pele, nos ouvidos, na boca as maravilhas do Tânger, Fez e Rabat - as ex-capitais imperiais cercadas por muralhas medievais, com seus imensos palácios de sultões e califas das dinastias nascidas dos beduínos.
Em Fez, fotografo nas retinas e escrevo no coração a arquitetura intrigante dos enormes palácios, atiro-me no conhecimento milenar guardado na mesquita Qarawiyyin. Quero vislumbrar de cada um dos minaretes e babs, grandes portões assentados nos muros da cidade, as ruelas das Mil e Uma Noites - serei, sim, uma inebriante Sheherzade, perdida no Jardim de Alá.
Passeando de camelo por Rabat, ando pelo mercado, por seus bazares, tudo cor de bronze e pastel uns rubis salpicados ali e acolá. Vou comer doces de nozes e amêndoas num café mouro qualquer e, se puder, esticar até Casablanca para (quem sabe?) encontrar meu Humphrey Bogart no Rick’s Café Americain. Sentarme numa praça e rascunhar num papel tudo o que vi e senti, me lembrando das palavras que o “menino de areia” encarnado no escritor Tahar Ben Jelloun me soprou:
“Agora esta história vos habita. Ela ocupará vossos dias e vossas noites (...) já não podereis mais escapar a ela. É uma história que vem de longe”.
Com a boca seca por ter me demorado tanto em terras marroquinas, cansada de tanta areia sem mar, vou pegar umas ondas no Havaí. Em Honolulu, lei é o nome dado ao colar de flores. Estou cercada por ilhas vulcânicas, cravadas no Oceano Pacífico. Ventos alísios refrescam o calor do hula hula nos luaus. Pego carona num barco que vai parar em Mauí, a ilha mais bela do arquipélago havaiano. Depois de muito sol, dança, surf e bodyboarding eu preciso de um pouco de gelo. E vôo para o fim do mundo - a Terra do Fogo - para ver de perto as montanhas mágicas, as Torres del Paine na Patagônia, sul do Chile. A paisagem da cordilheira mais jovem do mundo, gerada pela explosão das profundezas da Terra, há 12 mil anos, compõe-se do que são hoje vales e lagos que misturam tons de azul, púrpura e verde.
De lá, estico até o Aconcágua, ainda na maior zona desértica das Américas, situada no extremo sul da Argentina e Chile - a amostra viva das eras glaciais Num breve retorno à minha sala, olho para a parede e vejo uma lagartixa monstruosa. Apesar da curiosidade, não vou para as ilhas Galápagos nem morta.
Sigo um rumo e tento sair do Chile e subir o continente até chegar no Brasil. Já em Bonito, esqueço do meu pânico, pavor, paúra a jacarés, iguanas, lagartos e similares, fecho os olhos e mergulho nas águas cristalinas, acaricio os peixes, desbravo as florestas e vejo uma das faces mais bonitas desse nosso país. De repente sinto uma outra vontade. Quero agitar e gastar dinheiro em Nova York, dançar com os clubbers de Londres, praticar uns esportes radicais no Nepal, voar de asa delta pelo Grand Canyon, tomar um pouco mais de sol nas praias e vários banhos de lua nas noites calientes de Ibiza.
Mas essa vai ser uma outra viagem, porque agora, amigos, estou sem fôlego, cansada demais.
GEOGRAFIAS IMAGINÁRIAS
A imaginação geográfica contemporânea é uma curiosa síntese de informação científica, cultura pop e devaneio romântico. Cada época exercita a imaginação segundo critérios próprios. E, se hoje a imaginação é capaz de substituir a viagem, no passado, incitou-a. Em parte, os Descobrimentos foram deflagrados pela imaginação.
Marco Pólo voltou a Veneza em 1295 e escreveu o Livro das Diversidades e Maravilhas, primeiro relato detalhado do Oriente que circulou na Europa. Junto com informações minuciosas sobre a China e a corte de Cublai-Cã, o viajante se referiu a homens com “cabeças de cão e dentes e focinhos semelhantes aos de um grande mastim” que habitariam as ilhas Agama, e a outros, com rabos compridos de mais de um palmo, do reino de Lambri. Marco Pólo fez referência também a um monarca fabuloso, o Preste João, patriarca da “Índia e Etiópia” e senhor de inesgotáveis tesouros.
Essa figura mítica, um rei-sacerdote cristão do Oriente, povoava a imaginação européia há um século, desde o fracasso da segunda e da terceira cruzadas. No seu reino se encontraria a fonte da eterna juventude, versão cristã de tradições pagãs antiquíssimas.
Em Portugal, D. João II (1481-95) vislumbrou caminhos para alcançar o reino do Preste João. Sob as suas ordens, em 1487, duas expedições partiram em busca das riquezas do patriarca cristão do Oriente. Enquanto Bartolomeu Dias zarpava rumo à viagem do périplo africano, a expedição terrestre de Pero de Covilhã atravessava o Egito e Áden, atingindo o litoral da Índia. Procurando o Preste João, os portugueses enviaram navios para a África oriental e o mar Vermelho, no início do século XVI. Nas décadas seguintes, inúmeros viajantes contribuíram com relatos fantásticos sobre a corte do soberano oriental.
Cada sociedade vê no mundo aquilo que a sua cultura e o seu tempo solicitam. Os relatos de viagem, assim como a cartografia histórica, são frutos tanto da observação quanto da imaginação.
Atualmente, a informação globalizada nos traz descrições minuciosas dos múltiplos lugares e povos do mundo. É possível viajar sem sair de casa, “ouvindo um CD-ROM que é uma curiosa seleção de músicas árabes...”. Nessa viagem contemporânea, mudam os mitos e expectativas, mas permanece o conluio entre geografia e fantasia.
Boletim Mundo Ano 6 n° 1
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