terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

RUMO A UM ESTADO EM FATIAS?

Projeto de Estado palestino fragmentário estrutura um consenso político em Israel, ganha força entre lideranças árabes e seria aceito por Arafat
Vamos dar uma olhada no calendário. O líder palestino Yasser Arafat tinha prometido anunciar a criação do Estado da Palestina a 4 de maio, 13 dias antes das eleições em Israel. Logo, os candidatos à chefia do governo israelense deveriam, durante a campanha eleitoral, ter esclarecido aos eleitores o que farão sobre o explosivo tema, certo? Errado. A discussão mais quente entre os candidatos, no que se refere ao complexo relacionamento com os vizinhos, foi a retirada das tropas de Israel do Líbano e um acordo de paz com a Síria do presidente Hafez Assad. O próprio Arafat, que não se bica com Assad há mais de uma década, vem  participando de discussões, promovidas pelo Egito, destinadas a articular uma ação árabe conjunta. A primeira meta é obter a retirada israelense do Líbano. A segunda, um acordo com a Síria. Só depois viria um acerto entre Israel e os palestinos.
O motivo dessa mudança de eixo é que Israel encontrou seu Vietnã no Líbano. Os ataques certeiros do Hezbollah - o Partido de Deus dos xiitas libaneses, que tem apoio da Síria e recebe dinheiro do Irã - contra as tropas israelenses no sul do país, vêm fazendo crescer os movimentos que exigem a retirada-já. Em fevereiro, sete militares foram mortos em um ataque do Hezbollah, entre eles o brigadeiro-general Erez Gerstein, o mais alto oficial a perder a vida no Líbano desde que Israel invadiu o país, em 1982. A moral  alta, uma característica tradicional do Exército israelense, está em crise. Milhares de mães de soldados saem às ruas das maiores cidades de Israel, exigindo o retorno dos filhos.
Na campanha eleitoral, o primeiro-ministro do Likud, Benyamin “Bibi” Netaniahu, pareceu ansioso por uma solução para o atoleiro libanês. Até mesmo o chanceler do governo do Likud, Ariel Sharon, um linha-dura que comandou a invasão de 1982, falou em chamar o exército para casa. O candidato de oposição, que liderou as pesquisas para a eleição ao posto de primeiro-ministro, Ehud Barak, do Partido Trabalhista, prometeu retirar as tropas israelenses em um prazo máximo de um ano. A exceção ficou por conta do general da reserva Itzhak Mordechai, do novo partido centrista, que tem apoio entre os colonos de extrema-direita do Golã, faixa de terra síria que Israel ocupa desde 1967 e de cuja devolução depende qualquer acordo com Assad.
“O inimigo confessou que somos um fator de peso nas eleições gerais que estão por vir”, gabou-se o xeque Hasran Nasrallah, líder do Hezbollah, num pronunciamento em abril. Verdade. Não por acaso, multiplicam-se os sinais emitidos por líderes israelenses de que, além de sair do Líbano, aceitariam retomar o debate sobre a devolução de Golã.
Como a maior ameaça parece vir do sul do Líbano e uma vez que nenhum líder israelense tem simpatia por negociar ao mesmo tempo em duas frentes - no caso, com os palestinos e com a Síria -, agora os olhos se voltam para Hafez Assad. O consenso em Israel é aplicar a milenar tática do “divide o inimigo e vencerás”.
O QUE UNE OS ISRAELENSES
Doente e envelhecido, o presidente sírio, uma raposa que conhece bem as sutilezas da política árabe, parece estar se movendo para colher uma grande vitória. O acordo de paz de Oslo, entre Israel e os palestinos, foi selado em 1993 entre o trabalhista Itzhak Rabin e Arafat, sem seu aval. Nesses anos, Assad andou marginalizado no cenário regional. Agora, o próprio Arafat já lançou sinais de que poderia condicionar a criação do Estado Palestino ao ritmo das negociações Israel-Síria.
Essa seria a única forma de garantir o apoio sírio para um acerto definitivo entre Israel e os palestinos.
A idéia de um Estado Palestino unificado, nos territórios que Israel ocupou na Guerra dos Seis Dias (Gaza, Cisjordânia e Jerusalém Oriental), utopia que mobilizou a resistência palestina durante cinco décadas, está a um passo da morte por inanição. Em Israel, nenhum dos grandes partidos políticos fala em Estado palestino. Durante a campanha eleitoral, isso equivaleria a suicídio. Na prática, todos aceitam a montagem de um estatuto definitivo de paz, que incluiria um Estado para os palestinos.
O trabalhista Ehud Barak quer acelerar a autonomia palestina em faixas da Cisjordânia, conservando as colônias judaicas na região, e oferece aos antigos inimigos estradas ligando a área a Gaza. Talvez aceite, no futuro, discutir concessões em Jerusalém Oriental. “Bibi” Netaniahu diverge sobre o tamanho da faixa a ser entregue e não quer nem falar sobre Jerusalém.
Os dois grandes partidos israelenses estão muito próximos de um consenso sobre a velha questão do tamanho e dos limites do território israelense. Após a Guerra dos Seis Dias, em 1967, a elite trabalhista formulou, pela primeira vez e envergonhadamente, um plano que previa a anexação definitiva de partes da Cisjordânia. O Plano Allon, como ficou conhecido em referência ao chanceler trabalhista da época, previa a anexação do vale do rio Jordão . Os mananciais de água e a localização estratégica dessa faixa de terras que fica junto à fronteira jordaniana também eram consideradas vitais pela oposição de direita organizada no Likud. Mas o projeto dessa facção, expresso no Plano Sharon, previa uma anexação muito mais ampla, envolvendo as zonas urbanas e as vias de transporte que integram o vale do Jordão ao corpo principal do território israelense.
Os planos elaborados na década de 70 foram postos em questão pelos princípios do acordo de paz de Oslo.
Contudo, o assassinato de Rabin, em 1995, por um fanático direitista israelense, a derrota eleitoral dos trabalhistas em 1996 e o congelamento do processo de paz durante o governo de Netaniahu propiciaram um novo consenso bipartidário. Esse consenso materializa-se na noção de um Estado palestino fatiado, quase um protetorado israelense, estrategicamente débil e economicamente dependente.
VELHOS PLANOS, NOVAS FRONTEIRAS
A trajetória diplomática que resultou nos acordos de Oslo II, de 1995, e Wye Plantation, de 1998, bases do atual processo de paz, está criando exatamente esse tipo de Estado. No fundo, os velhos planos Allon e Sharon são os alicerces das novas fronteiras que emergem na Palestina.
Entre árabes e palestinos, os principais líderes políticos aceitam um Estado Palestino em fatias  em Gaza e pedaços da Cisjordânia. Divergem sobre o tamanho dessas fatias e sobre o futuro de Jerusalém Oriental. O sírio Hafez Assad quer um Estado palestino fraco - como ocorre com o Líbano - de forma a projetar sua liderança na região. E a Jordânia, que perdeu a figura estabilizadora do rei Hussein, também vê com simpatia um Estado em fatias, já que um vizinho mais poderoso poderia despertar arroubos nacionalistas entre os palestinos, que formam a maioria da população jordaniana (incluindo a rainha).
Yasser Arafat precisa de um Estado, qualquer Estado, seja onde for, para resistir às pressões dos grupos fundamentalistas islâmicos (em especial a facção Hamas) e de personalidades democráticas, como Hannan Ashrawi e Haidar Abu-Shefi, que desempenharam papel-chave no período inicial das negociações de paz, entre 1991 e 1993.
Restam as facções fundamentalistas, que ainda defendem o combate a Israel até a última gota de sangue. Mas sua dependência em relação a outros regimes árabes, em particular a Síria, deverá refrear esses ânimos.
Boletim Mundo Ano 7 n° 3

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