segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

ECONOMIA DA INFORMAÇÃO INGRESSA NA IDADE DOS MONOPÓLIOS

Bill Gates, o sorridente dono da Microsoft (e de uma fortuna estimada em US$ 77 bilhões) não cansa de dizer que seu negócio não tem nada a ver com uma mina de cobre. Quer dizer: uma empresa poderia assumir o controle do mercado mundial de cobre  e, assim, determinar os preços do metal, do Himalaia ao Piauí  se adquirisse todas as minas do mundo.
Mas isso seria impossível no negócio dos softwares, porque a informática, turbinada pela Internet, parece infinita . Um garoto operando seu micro em um quartinho de despejo poderia, então, desenvolver um sistema que abalasse a poderosa Microsoft, uma empresa de US$ 500 bilhões, apenas 10% menos do que o PIB brasileiro.
Inteligente, a tentativa de Gates.
Mas a Justiça dos Estados Unidos não se convenceu. Em novembro, o juiz federal Thomas P. Jackson emitiu sentença dizendo que a Microsoft é mesmo um monopólio, que faz o que quer com os preços de sistemas operacionais de PCs. E quanto ao tal desafio representado pelo garoto-gênio do quartinho de despejo, o juiz Jackson afirmou: “A não ser que isso aconteça e até o dia em que isso ocorrer, nenhuma porcentagem significativa de consumidores será capaz de abandonar a Microsoft sem custos significativos”.
Os números da Microsoft são impressionantes.
Ao longo de toda a década de 1990, a empresa respondeu por, pelo menos, 90% dos sistemas operacionais de PCs equipados com os populares processadores Intel. Nos últimos três anos, a Microsoft avançou mais, abocanhando 95% desse gordo mercado. As evidências de que Gates usa todo esse poder para eliminar a concorrência e manipular os preços também são fortes. Um dos argumentos centrais do juiz Jackson é que, em 1998, a Microsoft cobrava para atualizar o programa Windows 95 o mesmo preço de venda do novo Windows 98. “A Microsoft está demonstrando que decidirá os caminhos pelos quais a inovação acontecerá nesse ramo e que qualquer inovação que ameace a plataforma Microsoft será esmagada”, avalia o economista Franklin Fisher, do Massachusetts Institute of Technology (MIT).
A polêmica deverá se arrastar nos tribunais por muito tempo, ainda mais porque envolve verdadeiras fortunas. Caso seja derrotado em todos os tribunais, Bill Gates talvez tenha de fragmentar sua empresa, a exemplo do que aconteceu com a Standard Oil, no início do século. Mas vale a pena observar quem são os grandes inimigos da Microsoft. Não se trata do garoto prodígio e de seu valente micro. O maior adversário de Gates é o fabricante do programa de navegação Netscape, que a Microsoft tentou expulsar do mercado, ao introduzir no Windows, “gratuitamente”, o seu próprio navegador, o Explorer.
Cambaleando diante do ataque arrasador da Microsoft, a Netscape foi adquirida pela American Online (AOL), o maior provedor de Internet do mundo, que há pouco tempo adquiriu o conglomerado Time-Warner de comunicações. Aqui no Brasil, na tentativa de conquistar fatias importantes de mercado, a AOL vem distribuindo centenas de milhares de CDs com seu programa de navegação na Internet. Uma vez instalado, o programa AOL reestrutura as configurações do PC e torna-se onipresente: fica quase impossível fazer qualquer operação na Internet sem passar pela home page ou, ao menos, pelo logotipo da AOL. As práticas monopolistas da Microsoft, tão criticadas pela Netscape, reproduzem-se desse modo na esfera dos portais e conteúdos da Internet.
O garoto e seu micro, da fábula de Gates, fazem parte da infância da informática. Os PCs e a Internet transformaram-se em assunto de gente grande.
Alunos brilhantes que desenvolvem um site original ou uma nova ferramenta de busca, sonham em vendê-los  por uma fortuna, é claro  ao ávido gigante que chegar primeiro. Da mesma forma que, nos anos 1910 e 1920, dezenas de fabriquetas de automóveis de fundo de quintal, na Europa e Estados Unidos, foram entregando os pontos e vendendo projetos e patentes à meia dúzia de monstrengos globais que hoje controlam todo o setor automobilístico. Assim caminha a humanidade.
“EU COLONIZARIA OS PLANETAS, SE PUDESSE.
No antigo sistema colonial, os monopólios baseavam-se no controle direto exercido sobre as fontes de matérias-primas naturais. Aí se encontram as raízes da expressão “monopólios naturais”, que mais tarde ganhou significado diferente e tornou-se um conceito aplicado às economias industriais.
Na era industrial, a situação de monopólio natural consiste no domínio de um mercado por uma única empresa, que deriva do efeito das economias de escala.
Tipicamente, as empresas que estabelecem um monopólio natural são aquelas com altos custos fixos de produção, como as de telefonia, produção e distribuição de energia ou fornecimento de água. Em ramos como esses, o custo das instalações e equipamentos (usinas elétricas, centrais telefônicas, redes de alta tensão ou de cabos) é extremamente elevado, impondo barreiras para a entrada de competidores com menor disponibilidade de capital. Contudo, os custos de operação são relativamente baixos e declinam com o aumento da escala, de modo que a empresa monopolista beneficia-se de lucros crescentes. A preocupação com a liberdade de manipulação de preços pelos monopolistas gerou decisões, tomadas em inúmeros países, de colocar os monopólios naturais ligados a serviços públicos básicos nas mãos de empresas estatais.
As economias de escala associadas ao controle de recursos naturais foram os alicerces dos mais célebres casos de monopolização de mercados. A Standard Oil Company, truste de propriedade de John D. Rockefeller, chegou a controlar, em 1880, quase 95% do petróleo refinado nos Estados Unidos. O Cartel do Carvão do Reno e da Westfália, formado em 1893, controlava cerca de 90% da produção das minas da região e determinava os preços da matéria-prima. Nesse caso, havia uma situação de oligopólio, pois o mercado do carvão dependia não de uma mas de um seleto grupo de empresas alemãs que tinham o beneplácito do governo imperial.
Há um elemento especial na economia desses monopólios: o seu fundamento é fruto da dinâmica da natureza, não do engenho humano. Quando uma empresa adquire controle sobre os campos de petróleo, as minas de carvão ou de cobre, torna-se detentora de substâncias geradas pelas forças tectônicas ou pela transformação da energia solar realizada por organismos que viveram no passado geológico. Essas substâncias não podem ser socialmente reproduzidas. Por isso, o monopólio representa uma barreira absoluta à entrada de competidores e a empresa que o usufrui pode elevar os preços de modo a auferir lucros extraordinários. Ela impõe a todos os consumidores, sob pena de não poderem utilizar petróleo, carvão ou cobre, o pagamento de uma renda de monopólio.
A legislação anti monopolista nasceu, no interior dos sistemas jurídicos nacionais, para combater as distorções nos mecanismos de mercado provocadas pelo poder dos monopólios naturais. O Sherman Act, aprovado pelo Congresso dos Estados Unidos em 1890, procurava resguardar o princípio da concorrência. Essa lei foi a fonte da famosa decisão judicial que, em 1911, fragmentou a Standard Oil em diversas companhias. Muito depois, na década de 1980, o monopólio da AT&T sobre a telefonia nos Estados Unidos foi quebrado através da fragmentação dos seus serviços de curta distância em diversas companhias regionais, conhecidas como Baby Bells.
A defesa judicial da Microsoft diante das acusações do Departamento de Justiça americano assenta-se sobre as singularidades da economia da informação: “nosso negócio não pode ser comparado aos monopólios tradicionais”, sintetizou Bill Gates. A criação e distribuição de softwares não têm custos fixos capazes de representar uma barreira para a entrada de competidores. “O Windows não é uma mina de cobre”, ou seja, o poder da Microsoft no mercado de sistemas operacionais nada tem a ver com o controle sobre frutos da dinâmica da natureza, sobre recursos naturais escassos. O sistema operacional dominante é um produto exclusivamente do engenho humano, da técnica e da arte, e pode portanto ser desbancado por outro melhor.
Monopólios tecnológicos
A economia contemporânea estrutura-se em redes, pelas quais circulam fluxos de matéria e informação. A velocidade e amplitude dos fluxos é vital para o aumento da produtividade e dos lucros: rede é quase sinônimo de economia de escala.
Mas as redes só funcionam de modo eficaz se obedecem a padrões universais. Os padrões, depois de difundidos, tornam-se parte da “natureza” da rede, que passa a depender da sua manutenção e extensão. Por isso, a substituição de um padrão dominante é um evento econômico revolucionário, que pode não ocorrer ainda que o desafiante seja melhor. Na primeira metade do século XIX, a rede ferroviária britânica foi implantada utilizando a bitola de Stephenson, inspirada nos vagões tracionados por cavalos das minas de carvão.
A bitola estreita britânica sobreviveu por quase 150 anos, apesar de ser menos eficiente para a velocidade dos trens que a bitola larga de Brunel, adotada algumas décadas depois pelos Estados Unidos e vários países europeus. É que os custos de substituição da bitola geraram uma pesada inércia econômica.
O teclado das máquinas de escrever denominado QWERTY (em função da seqüência de letras da primeira linha) tornou-se um padrão, no século XIX, pois supostamente facilitava o manuseio por datilógrafos de língua inglesa. A força de inércia dos padrões é tão grande que ele continua a dominar os teclados de computadores, em todos os idiomas.
Os padrões são as “minas de cobre” da economia das redes. O Windows inspirou-se no sistema operacional, então mais sofisticado, dos computadores da Apple. Mas os PCs dominaram o mercado de microcomputadores e o sistema operacional da Microsoft estabeleceu-se como padrão. Os fabricantes de software passaram a produzir, principalmente, aplicativos para ambiente Windows. Os consumidores podem não estar muito interessados no sistema operacional em si mesmo, mas querem um largo leque de aplicativos. Os cerca de 70 mil aplicativos para Windows hoje existentes são uma formidável barreira para a entrada de competidores. Assim, a empresa de Bill Gates adquiriu condições para fixar preços que incluem uma renda de monopólio sobre a sua “mina de cobre”.
A força do padrão tecnológico manifestou-se na batalha pelo controle sobre o mercado de programas de navegação na Internet.
Cavalgando a popularização da rede, a Netscape, outra empresa americana, assumiu a liderança nesse mercado. A Microsoft reagiu e jogou pesado, expandindo o Windows de forma a incluir um programa de navegação. Assim, o padrão funcionou como trampolim para a monopolização de um novo mercado. As armas, eficazes mas sórdidas, usadas pela Microsoft nessa batalha chamaram a atenção do Departamento de Justiça e provocaram a deflagração do processo.
Bill Gates sabe que uma outra batalha será travada no teatro da Internet. A rede cresceu apoiada sobre padrões diversos, de propriedade pública, capazes de interagir mais ou menos adequadamente. A nova estratégia de Gates consiste em impor o padrão Windows no seu interior. A versão 2000 do sistema operacional é o núcleo do projeto Windows DNA (Distributed interNet Architecture), uma plataforma associada a um vasto leque de aplicativos e serviços de Internet moldados para interagir suavemente no padrão Microsoft, mas não nos padrões públicos usados geralmente na rede.
No futuro próximo, a Internet passará a recepcionar, além de computadores, agendas eletrônicas, telefones celulares, televisores e eletrodomésticos em geral equipados com transmissores, receptores e sensores. Gulosa, a Microsoft sonha equipar os chips de cada uma dessas “máquinas inteligentes” com uma versão apropriada do Windows. Nesse caso, o padrão-Gates se entranharia na “natureza” de toda a economia da informação, configurando a única e verdadeira língua universal.
Mas “natureza” não é natureza. Apesar da força de inércia dos padrões, eles continuam a ser criações humanas, objetos sociais.
Podem ser inventados e reinventados à exaustão, como atesta o sucesso inicial do Linux, um embrião de concorrente do Windows. Os dados continuam a girar.
Boletim Mundo Ano 8 n° 1

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