segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Diário de Viagem- SÃO FRANCISCO: NEO-HIPPIE, MILITAR E DIGITAL

Amarela, com dupla suspensão, banco, freios e pedais fabricados com novas tecnologias, a bicicleta de US$ 4.500 reluz através da vitrine enquanto o velho bondinho, puxado por cabos de aço, sobe a Powell Street levando turistas em direção a Fisherman’s Wharf, um complexo de restaurantes de frutos do mar, próximo a píeres e velhos galpões de fábricas remodelados para abrigar shopping centers de luxo. A bicicleta é da marca Porsche.
Vou para um concerto de violão clássico com Kazuhito Yamashita, mas sigo em direção à Bay Bridge, a pé mesmo, paro no Metreon, megacentro multimídia patrocinado pela Sony. Ligado ao Museu de Arte Moderna de São Francisco por meio de um lindo jardim florido em pleno inverno oferece um laboratório de testes de videogames Playstation, um gigantesco showroom da Microsoft, uma loja do Discovery Channel, 8 cinemas e um museu interativo de história da tecnologia.
Ainda no caminho para o concerto, pela Main Street, vejo o outro lado da moeda. Sentada sobre uma enorme caixa de lixo, uma garota linda, mas imunda, segura um caniço em cuja ponta amarrou uma lata de Coca-Cola, como se estivesse pescando. E está. Com os olhos mortiços e os cabelos duros, como se tivessem sido engraxados, ela fica imóvel esperando que depositemos algumas moedas na latinha, que balança e tilinta ao sabor da bondade alheia. Na principal rua comercial do mais importante núcleo urbano da Califórnia perambulam os sem teto, em sua maioria negros.
Saio do show com fome, vou jantar no Pier 39.
Mas além dos barcos de pesca, há uma estrutura de metal  flutuando. É um submarino. Mais ao longe, outro navio militar. A Califórnia é também um dos mais importantes centros militares dos Estados Unidos, serve à frota do Pacífico, acomoda boa parte do complexo industrial que puxa o avanço tecnológico americano.
No jornal, as verbas federais para a Califórnia: US$ 20 bilhões para pesquisa, US$ 7 bilhões para tecnologias da informação, US$ 800 milhões para construir novas prisões que abriguem imigrantes ilegais. O México está logo ali. Quem não lembra de “Men in Black”? A cena inicial é um grupo de imigrantes ilegais, no meio dos quais há alguns ETs escondidos...
Mas o povo está fugindo do Vale do Silício, a conurbação que abrange São Francisco e os pequenos núcleos dos arredores e concentra a principal aglomeração de empresas de informática do mundo . Uns dizem que chegam engenheiros e empresários, fogem professores, enfermeiras, caixas de supermercado. O custo de vida é intolerável. Outros dizem que cresce o número de executivos médios e altos que já não tolera o estresse, o tráfego, a competição violenta, a falta de vida plena em nome do ritmo alucinado do maior pólo de tecnologia de informação do planeta.
Acordo meio de ressaca, mas com pressa: preciso passar no Museu de Arte Moderna, onde está sendo exibida uma retrospectiva da cultura hippie dos anos 1960. Já no saguão, a descoberta chocante: um Porsche decorado com motivos psicodélicos, desenhos de flores e ondas, multicolorido, restaurado depois de ter sido roubado, protegido por um cordão de isolamento. O Porsche que foi da Janis Joplin!
Boletim Mundo Ano 8 n° 1

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