sábado, 29 de janeiro de 2011

Narcotráfico leva caos à Colômbia

Newton Carlos
O chefe da CIA (serviço secreto americano), John Deuch, estava em Bogotá no dia 13 de janeiro, quando José (Chepe) Santa cruz Lodoño, tido como o terceiro na hierarquiado Cartel de Cali, escapou facilmente -de carro, passando pelo portão principal da prisão de “segurança máxima”. Deuch negociava formas de cooperação na luta antidrogas e o próprio procurador-geral da Colômbia, Alfonso Valdivieso, definiu a fuga como “triunfo do poder da corrupção”. Valdivieso, herói nacional, com sua cruzada judicial contra o avanço tentacular dos narcos nas instituições do país, comanda o Processo 8.000, que investiga relações da coca com políticos e empresários e acabou apontando as suas baterias na direção do palácio presidencial.
Pressionado, o presidente Samper ordenou uma caçada sem trégua a Lodoño, morto em março.
Deuch reabriu velha polêmica ao afirmar, irado, que criminosos do porte de Santa cruz seriam trancafiados “de fato” se a Colômbia aceitasse extraditar para os Estados Unidos criminosos procurados pela justiça americana. Traficantes conhecidos como extraditables desencadearam no passado ondas de terror, com o objetivo de conseguir do governo colombiano garantias de não-extradição e o resultado foi a aprovação de lei a respeito no Congresso, mas as pressões americanas, originadas da “guerra às drogas” lançada pelo então presidente Nixon, na década de 60, continuaram e não envolvem apenas a Colômbia, chamada de “narco democracia” pela DEA (Drug Enforcement Administration), agência anti-drogas dos Estados Unidos.
Têm sido escassos os êxitos nessa guerra declarada por Nixon, e esses poucos êxitos, como constatou o jornalista Phil Gunson, a partir da capital mexicana, estão longe de reduzir um comércio cada vez mais bilionário. Simplesmente provocam “deslocamentos”.
O Cartel de Cali, na Colômbia, tomou o lugar do Cartel de Medellin, depois da morte de Pablo Escobar. Descabeçado o de Cali, com as prisões dos irmãos Rodriguez Orejuela, o “vazio” foi logo ocupado por bolivianos e mexicanos. Há cinco meses um DC-6 que decolou da Bolívia foi apanhado no aeroporto de Lima com quatro toneladas de cocaína, disfarçada de artesanato. Surgia um novo Cartel, o de La Paz, que desde 1993 teria feito quatro carregamentos iguais.
O destino é quase sempre o México, por onde passam, diz-se em Washington, 70% da droga enviada aos Estados Unidos. Faturamento de 30 bilhões de dólares, mais do dobro das reservas do Banco do México em moedas estrangeiras. O economista mexicano Eduardo Rebeles declara que “estamos em situação pior que a Colômbia, porque na Colômbia o Estado combate os cartéis e no México os cartéis são o Estado”. Cita o Processo 8.000, que em poucos meses contabilizou culpas de pelo menos oito parlamentares colombianos. O grau de penetração na Colômbia chegou a tal ponto que a primeira  absolvição do presidente Ernesto Samper, no Congresso, em janeiro, foi sentença de comissão especial chefiada por deputado igualmente suspeito de relações com a droga.
A declaração de guerra de Nixon, feita em entrevista em 1969, partiu da disposição de varrer a contracultura dos anos 60. “A repressão resultou em traficantes mais profissionais”, escreveu em Wheeling and Dealing a socióloga Patricia Adler, da Universidade do Colorado. Entre 1974 e 1980, San Diego transformou-se de lugar de venda de maconha em “sofisticado centro” de distribuição do comércio de coca. No mesmo período, outras 12 cidades dos Estados Unidos passaram por transformação similar. Uma “nova elite capitalista foi ocupando o topo da narco economia”.
O El Espectador, de Bogotá, calcula que as entradas anuais na Colômbia, da venda de drogas, sejam o dobro das receitas com café. Com a saturação do mercado, criou-se o crack, mais barato, ao preço de cinco dólares ou até menos, de circulação mais fácil, em pequenos pacotes, produto de expansão. Os autores de Kings of Cocaine, Jeff Leen e Guy Gugliotta, falam de um “universo da coca se organizando rapidamente como uma grande corporação”. Num júri na Flórida o mais importante financista de traficantes colombianos, Carlos Lehder, foi comparado a Henry Ford. Nisso deu a guerra lançada por Nixon contra hippies e jovens masssacrados  pelo Vietnã.
O caso colombiano é exemplo eloqüente da escalada “política” dos narcos. Às voltas com guerrilhas que estão entre as mais ativas da América Latina, governos da Colômbia se empenham, uns mais, outros menos, em campanhas de “pacificação”. Mas até agora um único grupo guerrilheiro topou a anistia e incorporação às lutas políticas. A abertura de espaços legais para esquerdas menos beligerantes provocou reações violentas do establishment, com assassinatos a granel, nos quais se envolveram esquadrões da morte com forte tempero militar, e narcos a caminho da fusão com as elites tradicionais. “Já se instalaram em cada setor da sociedade colombiana oito famílias de traficantes com o controle do comércio de drogas para os Estados Unidos”, declarou em 1984 um ministro, Rodrigo Lara Bonilla, depois assassinado.
Acusações ao presidente Samper, de recebimento de dinheiro dos narcos para sua campanha, apareceram antes mesmo da posse, em agosto do ano passado. Falava-se que Rodriguez Medina, coletor de fundos do partido Liberal, havia aceito contribuições dos irmãos Rodriguez Orejuela. Logo depois do triunfo nas urnas, em junho, jornais e televisões da Colômbia começaram a receber “narco cassetes” e “narco cheques”, gravações e fotocópias de cheques incriminando o pessoal da campanha de Samper. Numa das várias incursões policiais a dependências do Cartel de Cali foi descoberto o cheque de 49.300 dólares endossado por Medina, mas não registrado na contabilidade da campanha.
Preso em julho, um mês antes da posse, Medina disse que Samper sabia de tudo.
O mesmo acabou fazendo o ex-ministro da Defesa, Fernando Botero, filho do mais importante artista plástico colombiano e ex-diretor da campanha de Samper, que foi preso e ficou com medo de tornar-se bode expiatório. Um ex-chanceler da Colômbia, Alfredo Vasquez, propôs certa vez diálogo nacional, com participação dos chefões da droga, visando a acabar com a matança no país. “O poder do narcotráfico é tanto que não há outro jeito senão incluí-lo entre as instituições que determinam a vida nacional”, justificou-se Vasquez.
Boletim Mundo Ano 4 n° 1

Internet, o Canto de Sereia do Novo Mundo sem Fronteiras

Internet é uma prova de que o Estado- nação agoniza. Se o seu ritmo atual de crescimento for mantido, por volta do ano 2000 a rede eletrônica estará agregando cerca de 800 milhões de pessoas, todos manipulando (mais ou menos) o idioma inglês. Qualquer um poderá discutir qualquer coisa -da última descoberta da mecânica quântica até futebol, sexo ou, digamos, filmes em exibição- com ‘‘amigos’’ virtuais em Pequim, Calcutá, Nairóbi ou Ribeirão. A Internet já é o maior supermercado do mundo. Através da rede, pode-se encomendar produtos em qualquer ponto do planeta  livros, discos, ingressos para shows, passagens aéreas, reservas em restaurantes etc. Não há limites. A Internet apagou as fronteiras nacionais.
A ‘‘aldeia global’’ anunciada nos anos 60 por Marshall McLuhan já é realidade.
Devagar com o andor. O quadro descrito acima apenas percorre a superfície do ‘‘fenômeno’’ Internet. Mesmo que se deixe de lado o aspecto cultural -isto é, o país que domina a tecnologia exporta junto com ela a sua percepção de mundo-, basta raspar um pouco o verniz, e o que se revelará em seguida é a permanência da desagradável disputa de interesses entre países -como vem acontecendo desde que o Estado existe.
Veja, por exemplo, a ‘‘guerra dos chips’’ (unidades de memória fabricadas com semicondutores). Até meados de 1995, os cinco grandes produtores de chips do Japão (Nec, Toshiba, Hitachi, Fujitsu e Mitsubishi) registravam lucros fabulosos. Mas os nipônicos começaram a perder a corrida para os americanos (que estão investindo pesado em novas tecnologias digitais), sul-coreanos e taiwaneses (que estão inundando o mercado com chips baratos). Mais ainda: em meados do ano expira o Internet, o canto de sereia  do ‘novo mundo’ sem fronteiras acordo nipo-americano para a comercialização de semicondutores, e Washington faz uma tremenda pressão para obter vantagens. Só que 75% dos lucros totais dos ‘‘cinco grandes’’ nipônicos dependem dos chips. Se eles perderem a corrida, será uma catástrofe para a já problemática economia de seu país.
Mas, para além dos problemas específicos do mercado de informática, há uma questão geral que os ‘‘eufóricos da Internet’’ tendem a esquecer: nenhuma rede virtual apaga as desigualdades que teimam em dividir o planeta (e os países) entre pobres e ricos, como observa o prof. Ricardo Alvarez. E é no setor crucial de Pesquisa e Desenvolvimento que a desigualdade explicita o seu mecanismo auto-reprodutor, como mostra a tabela.
Quanto mais pobre o país, mais distante estará do admirável novo mundo da tecnologia.
A ‘‘Internet euforia’’ é um canto de sereia que não resiste à mais simples análise. O Estado nação pode ter mudado suas feições, mas está longe da agonia.
Boletim Mundo Ano  4 n° 1

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Rios podem ser fontes de tensões e conflitos

Nelson Bacic Olic
Ao observar-se um mapa mundi, percebe-se que muitas fronteiras internacionais correspondem a rios e que vários cursos d'água atravessam dois ou mais países. Os rios formadores da Bacia Platina - Paraná, Paraguai e Uruguai são, em parte de seus cursos, fronteiras entre países da América do Sul.
O mesmo acontece com o rio Grande (EUA/México), ou com o São Lourenço (EUA/Canadá). Outros rios, como o Amazonas, Reno, Nilo, e Danúbio, atravessam vários países.
O primeiro grupo de rios pode ser chamado de rios fronteiriços e o segundo de rios sucessivos e, há aqueles que são ao mesmo tempo fronteiriços e sucessivos (Paraná e Danúbio).
Devido à grande importância dada pelos Estados ao conceito de soberania territorial, inúmeras controvérsias aconteceram entre países que possuem estes tipos de rios. Para tentar resolver litígios envolvendo problemas dessa natureza, foram realizadas várias conferências internacionais sobre o assunto.
As convenções internacionais, no caso dos rios sucessivos tentam desenvolver a cooperação entre os países que compartilham cursos fluviais, especialmente quando da realização de obras de canalização, regularização de vazão ou qualquer forma de retenção de água (construção de barragens, por exemplo).
Essas convenções tentam deixar claro os direitos e as obrigações de cada país quanto a utilização dos rios.
No Oriente Médio, formas de utilização de rios como o Jordão, o Tigre e o Eufrates, têm gerado problemas.
O longo conflito entre Irã e Iraque (1980/88), teve como um de seus aspectos a posse pelo canal do Chat-el-Arab.
Esses e outros fatos semelhantes, permitem  concluir que, projetos geopolíticos de governantes e Estados, ignoram formas de cooperação, ampliam tensões e podem levar à dramáticas situações de conflito.
Boletim Mundo Ano 3 n° 5

Cara a Cara com o Perigo

Em 1971, doze canadenses tentaram impedir um teste nuclear americano na costa do Alasca, rumando ao local a bordo de um pequeno barco. Nascia o Greenpeace e sua estratégia de “ação direta’’. Hoje, o Greenpeace incorpora outras formas de luta -pesquisa científica, propostas nas áreas de legislação e tecnologia, lobby político-, mas não abandona a essência: ousadia e confrontação pacífica.
Quando uma equipe do Greenpeace embarca para uma missão como o protesto contra os testes em Moruroa-, a expectativa é dissuadir o “ inimigo’’ através da presença física no local. O Greenpeace se torna uma espécie de “olho do mundo’’ face ao absurdo que se quer evitar. Mas, o caráter pacifista da missão não elimina o que cada ativista sabe, intimamente, que está em risco: a sua própria vida.
Em julho, o mundo ouviu, através da rádio BBC, os gritos de desespero de uma manifestante do Greenpeace a bordo do Rainbow Warrior. O navio invadira a zona de exclusão do atol de Moruroa e estava sendo abordado violentamente pela Marinha francesa. A operação militar incluiu o lançamento de bombas de gás lacrimogêneo numa situação em que não se tem para onde escapar.
Ninguém se feriu com gravidade.
Mas o fato aumentou a indignação mundial contra a arrogância da política nuclear francesa. Aquela ativista, Stephanie Mills, provavelmente teve muitos pesadelos nas noites seguintes.
Mas, o pesadelo maior é a ameaça que os testes nucleares representam para a paz. E quando o Rainbow Warrior levantou âncora para a sua nova viagem a Moruroa, não havia dúvidas: Stephanie estava a bordo.
Boletim Mundo Ano 3 n° 5

Greenpeace- França transforma atol em lixo

Guilherme Fiúza
Conta uma antiga lenda japonesa que, certa vez, um homem descobriu um estranho buraco numa rua de sua cidade. Curioso, tentou em vão tocar o seu fundo. Debruçou-se, e gritou: “Há alguém aí  embaixo?’’. Não obtendo resposta, atirou objetos para calcular a altura do buraco em função do tempo que levassem para bater no fundo. Mas, os objetos sumiam sem produzir ruído. A vizinhança e a cidade logo passaram a atirar ali os seus dejetos. Meses depois, o homem postou-se diante do buraco e ali ficou,  a refletir sobre a fama que a descoberta lhe trouxera. De repente, um gigantesco saco de lixo desabou sobre sua cabeça. Atônito, ouviu uma voz ecoar ao longe, como que vinda do céu: “Há alguém aí embaixo?’’.
A fábula tem um significado rico para o mundo atual. Se o problema do lixo é preocupante nas cidades, o do lixo nuclear é alarmante. O mundo ainda não encontrou uma solução para os resíduos radiativos. O buraco mágico da fábula é a representação perfeita das próximas gerações -e do legado moral que estão recebendo, como se o futuro fosse um buraco sem fundo.
Há vários depósitos no planeta onde este tipo de material é guardado em segurança relativa e vulnerável a longo prazo. E há outros onde está depositado sem controle. Este é o caso do atol de Moruroa, na Polinésia francesa, Pacífico Sul. Como resultado de 123 testes nucleares subterrâneos, realizados pela França entre 1974-91, o núcleo do atol transformou-se em depósito de lixo radiativo, fora de qualquer especificação cientificamente aceitável.
Segundo o governo francês, não há riscos de liberação da radiatividade para o oceano -e, conseqüentemente, para outras regiões. A contaminação radiativa segundo Paris- é uma característica dos testes atmosféricos (de superfície), abandonados em 1974 por pressão de ambientalistas (particularmente, do Greenpeace). De fato, a contaminação atmosférica é imediata e de longo alcance. Cientistas constataram a presença de radiação na América do Sul poucas horas após a realização de testes nucleares no Pacífico Sul.
Mas -apesar das restrições impostas pela França-, missões científicas já colheram evidências de que os vazamentos ocorrem também nos testes subterrâneos.
Em outubro de 1990, cientistas do Greenpeace, a bordo do navio Rainbow Warrior,encontraram Césio-134 e Antimônio-125 em amostras de plâncton coletadas fora da zona de exclusão de 12 milhas do atol. Outras missões -como já foi lembrado pelo Greenpeace neste boletim- constataram rachaduras na estrutura do atol, intensificando riscos de vazamento nuclear. No início de agosto, mais de 70 cientistas de várias partes do mundo, sob a coordenação de Paul Johnston, do laboratório do Greenpeace na Universidade de Exeter (Grã-Bretanha), enviaram um apelo ao presidente francês Jacques Chirac.
O documento pede que os atóis de Moruroa e Fangataufa sejam liberados para a realização de um estudo de impacto ambiental, para que as reais conseqüências dos testes nucleares sejam medidas.
Boletim Mundo Ano 3 n° 5

Diário de Viagem- Extremos do Oriente Médio

Jayme Brener, 34 anos, é sociólogo, jornalista e editor de Brasil da revista  Isto É. É autor de ‘‘Leste europeu – a revolução democrática’’, ‘‘Tragédia na Iugoslávia’’, ‘‘Ferida aberta -o Oriente Médio e a A Nova Ordem Mundial’’ (todos pela Atual, SP) e ‘‘O mundo pós- Guerra Fria (Scipione, SP)
A novidade chegou na segunda-feira, dia que costuma ser  tranquilo na redação da revista Isto É: “Você vai para Israel”. A revista topara me mandar para lá, depois de confirmada uma entrevista com o chanceler Shimon Peres, a qual eu vinha tentando obter nos últimos 18 meses. Um esforço justificado, já que Peres foi, talvez, o principal responsável israelense pelos esforços de paz, que conduziram -em 1993- ao acordo entre seu país e a OLP. Esperava, também, fazer outras matérias durante os sete dias da viagem: uma entrevista com Iasser Arafat, da OLP, outra com o chanceler brasileiro Luiz Felipe Lampreia, que visitaria Israel, e uma conversa com Salomon Perel, personagem do filme ‘‘Europa, Europa’’, um judeu polonês que, por conta de incríveis acasos, passou a Segunda Guerra na Juventude Hitlerista. E uma visita a uma colônia de judeus radicais na Cisjordânia. Com muitas idéias na cabeça e uma malinha quase vazia na mão, embarquei. Ansioso, é claro. Não voltava a Israel desde os 17 anos, quando -ainda sionista ensaiara a emigração. Ensaio frustrado: não gostei dos israelenses e, principalmente, de como eles tratavam os palestinos sob ocupação.
Desembarque em Tel Aviv. O primeiro choque foi com o enriquecimento da sociedade israelense. A vida frugal, herança dos pioneiros sionistas, foi substituída pela ostentação de um país de Primeiro Mundo. Hotéis impressionantes na orla marítima de Tel Aviv, quase todas as pessoas têm carros (sempre os Subaru  japoneses,que, sabe-se lá porquê, têm a preferência de 40% dos israelenses). Até os Sabras, como são conhecidos os naturais do país, parecem  menos ásperos e arrogantes. O que não mudou foi a segurança onipresente, na forma dos garotos que prestam três anos de serviço militar as mulheres fazem dois anos. Em uma semana de hotel, em Jerusalém, vi duas ameaças de bomba. Uma era verdadeira, a polícia fez explodir dentro de uma campânula, o que fez o chão tremer. Ninguém nas ruas se alarmou.
‘‘Só temos uma saída: o Mercado Comum do Oriente Médio’’ (chanceler Shimon Peres)
A entrevista com Peres estava marcada para um domingo (lá é dia útil), em Jeruslém. Tive tempo de encontrar um velho amigo, o médico brasileiro Francisco Moreno de Carvalho, que emigrou e dedica-se ao estudo da relação entre a Medicina e Filosofia judaica. Pacifista de carteirinha, Chico narrou os mais recentes debates na sociedade israelense. O país, por exemplo, já tem seu primeiro embaixador não judeu (muçulmano, enviado à representação na Finlândia) e muitos árabes estão fazendo serviço militar, obrigatório só para os judeus.
Será que se trata de passos rumo ao fim do Estado judeu semi  teocrático? Não responde Shimon Peres. “Os judeus de todo o mundo só têm um Estado, e não deverão abrir mão dele”. Sinal de que os árabes israelenses, mesmo votando e sendo votados, continuarão como cidadãos de segunda classe. Impressionante esse Peres, que dividiu, em 1993, o Nobel da Paz com Arafat e com seu primeiro ministro, Yitzhak Rabin. Aos 72 anos, Peres é um estadista do século 21. Não se entusiasma com a discussão sobre o presente do processo de paz. “O mundo está se dividindo em blocos. Não é hora mais de conversar sobre a relação entre Israel e seus vizinhos árabes, mas sim entre a relação entre o Oriente Médio e o futuro. Só temos uma saída: o Mercado Comum.” Peres sai de seu escritório quase espartano, cheio de fotos do amigo Hussein, o rei da Jordânia, com muito medo de que uma eventual vitória do partido de direita Likud nas eleições do próximo ano bloqueie de vez o difícil processo de paz.
Israel foi cruel em três décadas de ocupação
Em seguida, fui para Gaza, sede do governo autônomo da OLP. A tiracolo, o experiente Moisés Rabinovitch, jornalista do Estadão, e o motorista Akran generoso  em árabe-, 15 filhos, 23 irmãos. Generoso às pampas. Gaza, uma das cidades mais velhas do mundo (tem uns 7 mil anos) é um horror. Quase 1 milhão de pessoas esprimidas em vielas que não são arrumadas desde os anos 20. Esgotos a céu aberto. Israel foi cruel em três décadas de ocupação.
À porta de cada loja, sempre três ou quatro homens tocando café turco -sem coar- ou fumando narguilé. Não há emprego, e quando ocorre algum ato terrorista em Tel Aviv ou Jerusalém, os israelenses fecham a fronteira. Resultado: os palestinos de Gaza não podem trabalhar  como pedreiros ou funcionários de hotéis- em Israel. A família passa dificuldades.
A sede do governo palestino é um prédio sem graça, estética de padaria, segurança zero, apesar das dezenas de homens bigodudos que circulam em dez (isso mesmo, dez) uniformes diferentes. Há até uma unidade de paraquedistas, apesar da inexistência da Força Aérea palestina.
Eu e Rabinovitch conseguimos falar por 5 minutos com Arafat, graças ao chanceler Lampreia. Arafat parece doente: aos 66 anos, está pálido, balbucia às vezes. Abu Amar, ou o Velho, como Arafat é reconhecido, enfrenta sua batalha mais difícil: construir um Estado a partir do nada, prensado entre os israelenses –negociadores duríssimos- e a oposição islâmica. De consolo, começam a surgir os primeiros prédios modernos na praia de Gaza, que poderia ser uma das mais belas do mundo, mas está tomada por sujeira. Resta saber se os prédios não servirão apenas para alojar os burocratas da OLP, muitos deles conhecidos corruptos. Boa sorte, Abu Amar.
‘‘Árabe bom é árabe morto’’ (extremista judia brasileira em Kdumin)
Próxima etapa: Kdumin, colônia de judeus extremistas perto de Nablus, na Cisjordânia. Um choque.
Sei lá, imaginava os 120 mil colonos instalados em trailers, uma coisa meio improvisada... Bobagem. As casas são cinematográficas, muitas com piscina, em uma paisagem belíssima, bíblica, repleta de oliveiras. Não é à toa, nem só por ideologia, que os colonos não querem sair. Para justificar sua permanência fazem uma salada entre argumentos bíblicos, políticos (“os palestinos devem ir para os países árabes”) e até “naturalistas”. Uma brasileira disse estar lá “para fugir à violência do Rio de Janeiro”. Quando  perguntei o que faria se a área fizesse parte do acordo de autonomia palestina, ela não titubeou: ‘‘A gente dá uns tiros e resolve tudo, porque você sabe, árabe bom é árabe morto”. Que coisa, seu...O Chico explicou o imbroglio ideológico. “Eles misturam o extremismo com a utopia do Homem Novo,presente tanto no fascismo quanto no comunismo, e que orientou os pioneiros do sionismo, no início do século.” É o que também acha Salomon Perel, o simpático e baixinho ex-comunista que passou a Segunda Guerra nas fileiras do nazismo. “Quando nós, os sobreviventes, chegamos da Europa, fomos recebidos em Israel com escárnio.
Falávamos o ídiche, a língua velha, e não o hebraico dos jovens.
Os próprios israelenses nos chamavam de sabonin, os sabõezinhos, acusando-nos de não termos resistido a Hitler...’’
Emoções fortes para uma semana em Israel. No único dia livre, um passeio pela Jerusalém antiga, um dos pontos mais bonitos e mágicos do planeta. Chego ao Muro das Lamentações, que tem, do lado oposto, a Mesquita de Omar. De repente, vejo um grupinho de judeus de preto, rezando aos berros junto à muralha.
Que será isso? Me aproximo e percebo. Do outro lado do muro, um grupo de muçulmanos também rezava aos berros. Os dois magotes de fiéis competiam para ver quem molestava mais alto as inchadas orelhas de Deus.
Um retrato ideal do Oriente Extremo, digo, Médio.
Boletim Mundo Ano 3 n° 5

Autoridade Palestina em crise - “Falcões” judeus e palestinos ameaçam criar impasse regional

Demora do governo israelense em cumprir os acordos de setembro de 1993, entre Israel e a OLP, joga lenha na fogueira dos radicais dos dois lados; Iasser Arafat, presidente da Autoridade Palestina, enfrenta pressões políticas agravadas pelo desemprego e miséria em Gaza e Jericó.
Newton Carlos
A Autoridade Palestina (AP) deveria cobrir toda Cisjordânia desde julho de 1994, depois de instalada em maio em Gaza e Jericó, não fossem protelações sucessivas no cumprimento de dispositivos da declaração assinada em setembro de 1993 pela Organização para a Libertação da Palestina (OLP) e o governo de Israel. Mas só em agosto deste ano, com vigência prevista para setembro, foram negociadas algumas das questões envolvendo dois pontos cardeais: a retirada do Exército israelense e eleição do Conselho de Autogoverno Palestino.
Já se sabe que parte da área rural da Cisjordânia continuará ocupada, enquanto 140 mil colonos judeus espalhados entre quase 500 cidades e aldeias palestinas se mostram dispostos a impedir que os acordos de paz sejam totalmente implementados  antes de novembro de 1996, quando haverá eleições em Israel.
Esperança de que os trabalhistas sejam substituídos no poder e a direita triunfante promova um recuo geral. Mesmo que analistas como Hirsh Goodman, do “Jerusalém Post’’, jornal anti trabalhista, digam que o acordo “é irreversível’’, ou que Moss Maoz, da Universidade Hebraica de Jerusalém, garanta que “o sonho de um Grande Israel está agonizante’’, a idéia de resistência não descansa. Há casos de colonos que buscaram terras e moradias mais baratas. A maioria, no entanto, é de sionistas religiosos convencidos de que pisam a terra bíblica de Israel e isso lhes dá direitos sagrados, não revogáveis pelos homens. A OLP repete a todo momento, em negociações difíceis, que eles não podem beneficiar-se de status extra-territoriais e seus bolsões terão de submeter-se a leis palestinas.
Com Israel colocando a segurança acima de tudo, e a OLP batendo na tecla de que a essência dos acordos é a troca de terras pela paz, Iasser Arafat enfrenta dificuldades em duas frentes: na mesa de negociações e “internamente’’. As comemorações de maio em Gaza mostraram que os palestinos estavam, no mínimo, desapontados com o “primeiro ano de paz’’. Desemprego de 60% e nível de vida 10 vezes abaixo do dos israelenses. A Cisjordânia, mais próspera (15 vezes maior do que Gaza e população 10 vezes menor), ajudaria a mudar o quadro, mas a extensão da Autoridade Palestina continua emperrada. Vinte mil policiais palestinos em dois enclaves (Gaza e Jericó) que, somados, mal dão 300 km2, produzem a imagem de um Arafat submetido às pressões israelenses de segurança.
Em maio deste ano, a AP criou uma Corte de Segurança, e logo condenou a 15 anos de prisão um militante do Jihad Islâmico (guerra santa) acusado de executar atentado em Israel. Como o premiê Rabin insiste em que a AP “não faz o suficiente para combater o terror anti-Israel’’, o El Qods, principal jornal árabe de Jerusalém leste, escreveu que “a policia palestina passou a ser responsável pela segurança de cada israelense, mesmo que ele viva em Israel”. O Davar, um dos maiores sindicatos israelenses, ligado aos trabalhistas, disse que ‘‘embora a maioria dos atentados terroristas não venha de Gaza, mas dos territórios ocupados por nós, Rabin quer que Arafat faça verdadeira guerra contra os palestinos, convencido de que só assim será extirpado o extremismo islâmico’’.
Apesar disso, tanto no Hamas, cujos esquadrões fundamentais são tidos pura e simplesmente como terroristas, como no  Jihad Islâmico existem correntes “jovens e pragmáticas’’, egressas da Intifada, dispostas a participar das eleições e ocupar um lugar no futuro quadro político. O Hamas é o segundo em peso, depois do Fatah, a organização de Arafat. O primeiro sinal de distensão apareceu a 18 de maio, quando o Jihad admitiu que “a AP é uma realidade’’ e se dispôs ao diálogo para “evitar o espectro da divisão’’.
No Hamas e no Jihad acirrou-se o debate entre falcões e pombas. Mesmo para estas, no entanto, não se deve abandonar a luta armada, “dimensão fundamental das doutrinas do Hamas e do Jihad e meio de combate eficiente às condições draconianas impostas aos palestinos’’. Mas admitem acomodações. A Palestina com as fronteiras do antigo mandato britânico poderia ficar para depois. Que os palestinos ganhem direitos imediatos e totais sobre Gaza e Cisjordânia. Constatações, como as feitas pelo Centro Palestino de Estudos e Pesquisas de Nablus, ajudam a arrefecer impulsos fundamentalistas. O Fatah aparece com 49% de apoio entre palestinos, o Hamas com 12,4% e o Jihad com 2,1%. Acontece que o próprio Arafat sabe que o demorado cumprimento dos acordos de paz funciona como elemento corrosivo, inclusive em seu movimento, onde três grupos dissidentes, conhecidos como os “Abus’’, vão em frente, dialogam entre si e formulam estratégias  de assédio ao dirigente máximo da OLP e “presidente’’ da AP, dupla função não aceita por muitos dirigentes palestinos de primeira linha. Para um dos “Abus’’, com o controle do maior campo palestino no Líbano, Arafat não passa de traidor o Gaza é bomba-relógio que “explodirá na casa do quisling da AP’’.
No ano passado as últimas forças leais a Arafat no Líbano tentaram tomar o campo de Ain Hilweth e não conseguiram.
Ele é o quartel general do Munir Mikdah, auto proclamado guardião do principio básico do Fatah, a “total libertação, só possível por meio de luta armada’’. Os outros dois “Abus “ são menos radicais, acham que Arafat ainda não ultrapassou o ponto de não-retorno e haveria tempo de “resgatálo’’.
Os três se encontraram em junho em Beirute, enquanto surgia novo grupo de oposição, a “Coalizão Nacional”, na qual pontifica um dos decanos da resistência palestina, Shafig al-Hout.
Embora Arafat seja “irreformável’’,não existe alternativa à OLP, admite ele.
Mas como resgatá-la, pergunta, se ela é refém de Arafat em Gaza? “Um meio seria forçá-lo a escolher entre a chefia da AP ou a liderança da OLP’’, acrescenta. Talvez se concentrem aí as maiores pressões sobre Arafat, favorecidas pelas protelações intermináveis na aplicação dos acordos de paz.
Boletim Mundo Ano 3 n °5

O capitalismo nipônico, do berço à crise - Modelo associou Estado à indústria

Reconstrução do pós -Guerra, realizada sob a égide estratégica de Washington, retomou a herança da empresa familiar -os ‘‘zaibatsu’’-, disciplinou a sociedade e acumulou saldos comerciais, ameaçando, quatro décadas depois, a hegemonia americana
A crise japonesa assinala o esgotamento de um modelo de crescimento que nasceu junto com o capitalismo nipônico. Esse modelo em desintegração combinou o Estado e a grande empresa, subordinou a concorrência ao planejamento e sacrificou o consumo em nome da produção.
O Japão foi atirado ao mundo do comércio internacional pelas embarcações de guerra do comodoro  americano Matthew Perry, que em 1854 bombardearam os portos do arquipélago e abriram o mercado interno do país aos produtos ocidentais. Essa operação de guerra econômica destruiu o equilíbrio político do Japão tradicional e precipitou o fim da Era Tokugawa. No lugar do poder localista dos xoguns, instalou-se a autoridade centralizadora do imperador.
A Restauração Meiji, iniciada em 1868, propiciou a modernização industrial e o nascimento de uma nova potência expansionista. Os zaibatsu as empresas monopolistas nipônicas organizadas em bases familiares cresceram na estufa do Estado autoritário e militarista, fornecendo o aço e os navios, os tecidos e os canhões, os aviões e os produtos químicos para os sonhos de poder do império.
As bombas de Hiroshima e Nagasaki, há cinqüenta anos, assinalaram a falência de um projeto e o ponto de partida de outro. Na moldura bipolar da Guerra Fria, o Japão subordinou-se à geopolítica americana enquanto se lançava à reconstrução da sua economia industrial. Washington temia que o Japão, comprimido pela ‘‘pinça’’ formada pelos dois gigantes comunistas (União soviética e China), acabasse não tendo outra  alternativa senão aproximar-se dos inimigos estratégicos. Por essa razão, o financiamento da reconstrução japonesa assumia um caráter de urgência para os Estados Unidos.
A primeira grande oportunidade para isso veio com a Guerra entre a Coréia do Norte (comunista) e a do Sul, entre 1950 e 1953. O capital americano associou-se ao Estado japonês para estimular e fortalecer a indústria nipônica, através do ‘‘esforço de guerra’’-fabricação de acessórios e peças militares, roupas sintéticas e processamento de alimentos para os soldados americanos.
Nas décadas seguintes, a estratégia da reconstrução japonesa envolveu dois elementos principais: a formação de poupança interna e a conquista dos mercados externos.
A capitalização dos conglomerados empresariais nutriu-se do baixo custo da mão de obra e da canalização da poupança popular para o investimento privado. O Estado fez a sua parte, comprimindo o consumo e facilitando o crédito para as empresas. O consumo comprimido transformava-se em capital e o capital em tecnologia.
Nos anos 70, a siderurgia, a construção naval e a indústria têxtil deram lugar aos automóveis, eletrodomésticos e eletrônicos. O crescimento dos custos de produção no arquipélago -provocados pelo aumento dos salários e pelos choques de preços do petróleo- estimulava os investimentos no exterior: a indústria do arquipélago transbordava para os vizinhos da Bacia do Pacífico, contribuindo para o boom econômico dos “tigres asiáticos”.
A conquista dos mercados externos apoiou-se na política cambial, seguida a ferro e fogo, de sub valorização do iene: os produtos japoneses deveriam ser baratos fora do arquipélago e os produtos estrangeiros deveriam ser caros no mercado nipônico. Os mercados internacionais foram invadidos por produtos made in Japan.
A balança de comércio com os Estados Unidos desequilibrou-se definitivamente para o lado do arquipélago.
Os excedentes de exportações sobre importações garantiam saldos comerciais monstruosos. As reservas de divisas em dólares empilharam-se nos cofres do Banco do Japão.
O PIB nipônico saltava, em duas décadas, de um quinto para quase três quintos do PIB americano.
O “milagre japonês” conservou-se fiel às tradições.
O lastro cultural budista e religioso, a disciplina no trabalho e a figura do imperador formam um lado da moeda da nova superpotência econômica. O outro lado consubstancia-se no planejamento econômico, centralizado pelo Miti (Ministério da Indústria e Comércio Exterior),que reflete a velha parceria entre o Estado e os conglomerados empresariais. Há dez anos, essa parecia ser uma receita de sucesso eterno. O novo século foi apresentado como o início da “era japonesa” e, nos Estados Unidos, anunciava- se a iminência de um “Pearl Harbor econômico”.
Boletim Mundo Ano 3 n°5

Contrato com a América’’ encerra ciclo do New Deal

Newt Gingricht, o controvertido presidente da Câmara de Deputados, personifica a maré conservadora que avança sobre as instituições americanas. A viragem começou há um ano, quando as eleições parlamentares encerraram-se com uma derrota fragorosa do presidente Bill Clinton e do Partido Democrata. Uma legião de republicanos tomou de assalto as duas casas do Capitólio, brandindo uma plataforma política ultra-liberal e neo-isolacionista: o ‘‘Contrato com a América’’. O sonho americano é o alvo visado pela nova maioria que manda no Congresso.
O sonho americano nasceu com o New Deal, de Franklin Roosevelt, no ambiente depressivo dos anos 30. A quebra da Bolsa de Nova Iorque tinha encerrado, com um golpe fulminante, a farra liberal e elitista dos loucos anos 20. O programa de recuperação de Roosevelt representava a inversão dos dogmas tradicionais. O Estado ingressava na arena econômica investindo em obras públicas, gerando empregos, redistribuindo a riqueza. As novas idéias intervencionistas evoluíram, nas décadas de prosperidade do pós-guerra, na direção do Welfare State: o Estado previdenciário, provedor de saúde e educação, aposentadoria e pensões, programas de renda e combate à pobreza. Ser americano era, quase certamente, ser de classe média. Carro e casa própria, supermercados e fast-food, cinema e apple pie.
O New Deal foi a plataforma social sobre a qual se ergueu uma ampla coalizão política que reuniu a classe média urbana, os sindicatos, os agricultores do sul, os movimentos negros. O eixo da coalizão era o novo Partido Democrata, liberto do estigma de agrupamento de fazendeiros escravistas e nostálgicos do sul aristocrático. Nos anos 60, a coalizão democrata retomou impulso através do programa da Grande Sociedade, de Lyndon Johnson, que suprimiu a discriminação legal contra os negros e abriu caminho para a difusão dos programas sociais de combate à pobreza.
O ciclo da grande coalizão do New Deal começou a se esgotar com a eleição de Ronald Reagan, em 1980. Nessa época, impostos e programas sociais sofreram a primeira ofensiva republicana. A reconcentração da renda e a redução dos salários dos trabalhadores menos qualificados refletiram-se no salto dos patamares de pobreza, que ultrapassaram os 10% da população empregada. A eleição de Clinton, em 1992, após doze anos de administrações republicanas, foi saudada como o reencontro da América com o New Deal. Ilusão: o assalto às cadeiras do Capitólio pelas hordas de Gingricht revela que a Clinton parece estar reservada a função de presidir o naufrágio.
O ‘‘Contrato com a América’’ retoma e amplifica o programa liberal de Reagan. Entretanto, ironicamente, o espantalho que legitima a nova plataforma ultra-liberal foi criada precisamente no reinado do velho Ronald: o gigantesco déficit orçamentário do governo, cavado pela redução dos impostos cobrados dos ricos. Contra a montanha de despesas sem receitas que se acumula todos os anos às portas do Tesouro, a nova maioria promete cortes impiedosos de gastos sociais. A meta, ambiciosa, consiste em promover o equilíbrio do orçamento até 2002. Sem novos impostos.
A ofensiva do equilíbrio orçamentário, ainda que dirigida contra virtualmente todos os gastos sociais públicos, atinge em cheio os programas federais de saúde para os idosos (Medicare) e os pobres (Medicaid). Os cortes elevam-se a várias centenas de bilhões de dólares, distribuídos ao longo dos próximos sete anos. Os programas de garantia de renda mínima e integração social de populações marginalizadas parecem fadados à extinção pura e simples. Os centuriões do orçamento equilibrado marcham sobre um chão social cada vez mais instável: antes da longa tesoura do Capitólio entrar em funcionamento, os índices de pobreza já atingiram níveis recordistas, aproximando-se da marca de 12% dos empregados.
No ano que vem, os americanos voltam às urnas para as presidenciais. Se a maioria republicana que manda no Capitólio conseguir, como se espera, tomar a Casa Branca, a reviravolta terá se completado. O sonho americano será então um capítulo encerrado na história da nação.
Boletim Mundo A 3 n° 5

Estados Unidos x Japão: conflitos de interesses anunciam uma nova era Queda-de-braço entre gigantes redefine economia global

Os homens de Estado americanos são loquazes; os japoneses são pragmáticos. A América usa a força no exterior; o Japão é resolutamente insular. A América é federal, plural, ama a livre escolha; o Japão é centralizado, homogêneo, ama o igualitarismo. Não surpreende que esse par bizarro tenha construído uma aliança bizarra. Seu tratado de segurança assenta-se em que a América defenderá o Japão, mas o Japão nada fará para proteger a América.
Suas relações econômicas são atormentadas pelo superávit comercial japonês e pelo superávit de queixas americanas a respeito dele. (The Economist, 13.mai.95, pág. 35)
Durante cem anos, o eixo da economia mundial repousou sobre o Atlântico Norte, o “mar interior” que conecta os Estados Unidos à Europa Ocidental. Há duas décadas, esse eixo se deslocou para a Bacia do Pacífico, puxado pela expansão industrial asiática. Os pilares sobre os quais se apóia o novo eixo são os Estados Unidos e o Japão. A parceria entre as duas potências econômicas evoluiu no sentido da assimetria e do desequilíbrio. Essa é a fonte da crise que as assombra.
Nos anos 80, configurou-se a geometria das relações econômicas entre os Estados Unidos e o Japão. A estratégia cambial* [as expressões marcadas com * são explicadas no Glossário de Ronald Reagan impulsionou os juros americanos para a estratosfera, supervalorizando o dólar. A expansão do consumo interno teve como contrapartida o desabamento da balança comercial* e, com ela, da conta-corrente*. No Japão, tudo se passava ao inverso: a sub valorização  cambial do iene mantinha comprimido o consumo interno e ampliava as exportações. Os saldos comerciais multiplicavam-se, gerando superávit na conta-corrente.
É uma relação estranha. O desequilíbrio no comércio bilateral entre as duas potências econômicas reflete-se na imagem espelhada das balanças comerciais e das contas correntes: nos últimos doze meses, os Estados Unidos acumularam déficits de mais de US$ 180 bilhões no comércio externo e de mais de US$ 160 bilhões no total de transações correntes, enquanto o Japão obtinha superávits de quase US$ 145 bilhões e mais de US$ 120 bilhões, respectivamente.
Há dez anos, o rio de dinheiro que fluía para o Japão, levado pelos saldos comerciais, gerava a maior bolha especulativa* do século: o capital abundante caçava uma área limitada de terras para investimento, catapultando os preços dos imóveis. A especulação imobiliária transbordou para a Bolsa de Valores, alçando a patamares inéditos os preços das ações. Os bancos concediam financiamentos e empréstimos, garantidos por imóveis ou ações supervalorizados dos tomadores. O Japão parecia, como que por encanto, ter se transformado em ouro. Na ciranda especulativa, os japoneses justificavam o preço das ações pelo preço dos imóveis, acreditando que uma faceta do boom era uma base sólida para a outra.
Não era. O encanto se quebrou em 1990, quando o índice Nikkei precipitou-se no abismo, caindo de 38.915 pontos para a faixa dos 15.000 pontos em 1992. O valor dos imóveis, preso ao das ações pela lógica da ciranda financeira*, despencou junto, provocando um terremoto em todo o sistema de empréstimos do arquipélago. Os devedores, empresas ou particulares, atingidos por perdas irrecuperáveis na Bolsa de Valores e pela desvalorização do patrimônio imobiliário, não podem honrar as suas dívidas. Os bancos, sentados sobre uma montanha de créditos podres que soma US$ 460 bilhões (algo como o PIB do Brasil), conhecem a antecâmara do inferno. Os onze maiores bancos acabam de publicar balanços que registram baixas de resultados de 90%.
O Sumitomo Bank, maior estabelecimento do mundo, anunciou o primeiro balanço negativo desde a Segunda Guerra, com perdas de US$ 3 bilhões. O Tokyo Kyowa Credit e o Anzen Credit Bank já abriram falência.
A crise é agravada pelo encerramento do ciclo histórico do iene sub valorizado, em função das novas estratégias econômicas americanas. O primeiro sinal da reviravolta foi o chamado Acordo do Plaza, em 1986, pelo qual o G-7 (grupo das sete maiores economias) se engajou na reorganização das taxas de câmbio. A economia americana não podia mais conviver com as taxas de juros estratosféricas de Reagan, que provocavam endividamento insuportável do Tesouro. A queda dos juros nos Estados Unidos condicionava uma redução da demanda por dólares, determinando a desvalorização do bilhete verde.
Em 1991, a recessão que se abateu sobre os Estados Unidos precipitou o inevitável. As taxas de juros foram cortadas várias vezes, a fim de estimular a retomada de investimentos e consumo. O novo movimento de desvalorização do dólar servia para reativar as exportações, na tentativa de reduzir os déficits da balança comercial. No Japão, o iene sofreu o impacto do enfraquecimento do dólar, assumindo uma trajetória ascendente. Em 1985, o câmbio registrava mais de 230 ienes por dólar; em 1991, atingia 130 ienes; em 1994, o iene ultrapassou a barreira psicológica dos 100 por dólar e continuou a se  valorizar .
O Super Iene simboliza o fim de uma era. O crescimento japonês não pode mais prescindir do mercado interno e as empresas nipônicas têm que aprender a competir em condições mais duras. A recessão prolongada que afeta a economia do arquipélago assinala essa dupla transição: a morte do iene barato e a ruptura da bolha especulativa das finanças.
O equilíbrio sobre o qual repousa o eixo assimétrico da economia mundial já não existe mais. O comércio entre os seus dois pilares terá que se readaptar às novas condições do câmbio e às necessidades de estabilização da conta-corrente americana. A guerra comercial, essa ameaça permanente, pesa como nunca sobre os gigantes da economia global.
Glossário
Estratégia cambial: o câmbio é o valor da moeda expresso em outras moedas; a estratégia cambial de Reagan implicava a valorização do dólar diante das demais moedas fortes.
Balança comercial: saldo entre exportações e importações de mercadorias.
Conta corrente: saldo de todas as transações correntes, que inclui a balança comercial, as exportações e importações “invisíveis” (serviços) e os juros e rendas recebidos e pagos ao exterior.
Bolha especulativa: fenômeno da economia caracterizado pela expansão de preços de ativos (imóveis,  aplicações ou ações) ocasionado pelo movimento de capitais excedentes.
Ciranda financeira: movimento frenético de capitais no circuito financeiro e imobiliário, desconectado de investimentos produtivos.
Boletim Mundo Ano 3 n°5

Separatismo no Quebec- Plebiscito pode dividir o Canadá

Governo de Quebec realiza consulta para resolver tensões seculares; separatistas querem criar novo país.
O Canadá poderá mudar radicalmente suas feições geopolíticas, ainda este ano. Tudo depende do resultado de um plebiscito convocado para o segundo semestre de 1995, cujo objetivo é o de saber se uma de suas províncias, a do Quebec, permanecerá unida ou se transformará num novo país. Geograficamente, a província de Quebec tem cerca de 10% de seu território sobre o vale do São Lourenço e o restante sobre o verdadeiro “baú” de riquezas minerais que é o Escudo Canadense.
Nesta província, vivem mais de 7 milhões de pessoas, aproximadamente um quarto da população do país . O que distingue o Quebec  das demais áreas do Canadá, do ponto de vista humano, é que mais de 80% de seus habitantes são franco-canadenses, falam o francês e se consideram descendentes dos colonos que fundaram a ‘‘Nova França’’, no século 16.
As linhas tortuosas da história fizeram com que os britânicos assumissem o controle de Quebec em 1763, logo após o fim da Guerra dos Sete Anos na Europa. Os quebecois (pronuncia-se quebecuá), como são chamados os habitantes de origem francesa da província, nunca aceitaram essa situação. Como resultado, desde o século 18 participaram de inúmeras revoltas, inicialmente contra o domínio britânico, posteriormente contra os canadenses de origem inglesa, que habitavam, principalmente, a província de Ontário.
No século 19, ocorre a unificação do Canadá, com a incorporação das províncias atlânticas (Nova Escócia e Nova Brunswick). Inicia-se, então, a expansão para o acidentado Oeste e para o gélido Norte. Em seguida, o Canadá torna-se independente e transforma-se numa federação de dez províncias e dois territórios. Continua, porém, mantendo estreitas relações com a Grã-Bretanha, na condição de participante da Comunidade Britânica das Nações.
No século 20, mais especificamente de 1944 a 1959, o governo da província de Quebec foi exercido por governos ligados ao Partido Conservador. Em 1959, as eleições foram vencidas pelo Partido Liberal, que introduziu várias reformas favoráveis aos cidadãos de origem francesa.
Apesar dessas reformas, o separatismo continuou vivo.
O principal estímulo aos sentimentos separatistas era um sistema que discriminava a maioria de origem francesa.
Dentro da província,  os habitantes de língua inglesa eram considerados cidadãos ‘‘superiores”. Cerca de 75% dos empregos melhor remunerados pertenciam a essa minoria, enquanto que os franco-canadenses (50% da força de trabalho) ocupavam 80% dos empregos pior remunerados.
O desemprego era maior que em outras províncias e, apenas 15% da indústria local pertencia a franco-canadenses.
Nesse tenso contexto social foi criada, em 1963, a Frente de Libertação de Quebec (FLQ), uma organização radical que baseava suas idéias numa “luta anti colonialista no âmbito da revolta internacional contra os Estados Unidos”.
A FLQ optou pela luta armada e guerrilha urbana.
Desde então, e pelos anos seguintes, a FLQ realizou ações terroristas com atentados à bomba, assaltos à bancos e sequestros de personalidades políticas do país.
Mas não conquistou o apoio da opinião pública, que, embora simpatizasse com a idéia do ‘‘Quebec livre’’, não aceitava a adoção de métodos violentos. Depois de uma intensa ação repressiva acompanhada de negociações com o governo, a FLQ seria desmantelada, em 1970.
Talvez o maior emblema da luta separatista quebecois tenha acontecido em 1967. Naquele ano, o presidente francês Charles De Gaulle, em visita à cidade de Montreal, concluiu seu discurso com as seguintes palavras:
“Viva o Quebec livre! Viva o Canadá francês!’’ A declaração ganhava maior importante em função da estatura política de De Gaulle, um dirigente carismático e com enorme prestígio internacional. O separatismo quebecois conquistava, assim, nova amplitude.
Em 1968, foi criado o Partido Quebecois (PQ), de claras tendências separatistas. Em 1969, sob o impacto de crescentes pressões políticas, o governo central decretou o Official Language Act, tornando o francês língua oficial.
O Canadá passava a ser um país bilingue. Sete anos depois, o PQ chegava ao poder no Quebec; em 1980, convocou um plebiscito para definir o futuro da província em relação ao Canadá. Mas o PQ não apresentava um projeto político claro sobre o futuro, algo mais concreto do que o desejo de se tornar independente. Como resultado, aproximadamente 60% da população rejeitou a idéia de separação.
O resultado do plebiscito não significou, em hipótese alguma, a resolução definitiva da questão quebecois.
Ao contrário, as tentativas posteriores do governo central em criar uma “sociedade distinta” para o Quebec fracassaram, ao mesmo tempo em que se acirraram as diferenças entre as províncias, especialmente com as do oeste (Alberta e Colúmbia Britânica). O premiê da Colúmbia Britânica chegou a declarar que “existe um imenso ódio dos moradores de sua província contra aqueles que querem destruir o nosso grande país”. As províncias “ocidentais”, além disso, estão mais interessadas em aprofundar os seus laços econômicos com Estados Unidos e Bacia do Pacífico.
Quando o PQ venceu as eleições provinciais de 1994, seus líderes prometeram um novo plebiscito para definir de vez a situação política de Quebec. As esperanças dos separatistas residem no eleitorado jovem, que, cada vez mais, se identificam com o Quebec e cada vez menos com o Canadá. Os horizontes políticos do Canadá estão obscurecidos por espessas nuvens de incertezas.
CANADÁ em  Números
População Absoluta : 29.362.000
Superf.. : 9.203.210 Km2
Manitoba
População Absoluta:  1.131.000
Superf.: 547.704
Saskatchewan
População Absoluta: 1.016.000
Superf. 570.113
Alberta
População Absoluta: 2.721.000
Superf.: 638.233
Colúmbia-Britânica
População Absoluta: 3.700.000
Superf.: 892.677
Territ. do Yukon
População Absoluta.: 30.000
Superf.: 531.844
Territórios  do Noroeste
População Absoluta: 105.000
Superf.: 3.246.389
Terra Nova
População Absoluta: 580.000
Superf.: 371.635
Ilha do Príncipe Eduardo
População Absoluta: 135.000
Superf.: 5.660
Nova Escócia
População Absoluta: 938.000
Superf.: 52.841
Nova-Brunswick
População Absoluta: 760.000
Superf.: 71.589
Quebec
População Absoluta: 7.293.000
Superf.: 1.357.812
Ontário
População Absoluta: 10.992.000
Superf.: 916.734

O Século do Crime- Máfia movimentam US$ 750 Bi

Pela primeira vez em tempos de relativa paz, a ONU realizou duas conferências  em Nápoles (novembro de 1994) e Cairo (maio de 1995)- em menos de cinco meses para tratar de um mesmo assunto: o crime internacional organizado. A ONU concluiu que as máfias, baseadas em 23 países, faturam, por ano, US$ 750 bilhões, ou 1,5 Produto Interno Bruto (PIB, soma total das riquezas produzidas) do Brasil. O seu principal motor seriam os US$ 200 bilhões gerados pelos cartéis do narcotráfico.
A soma tem grande impacto no mercado financeiro, especialmente quando as novas tecnologias e as leis permitem a movimentação de grandes somas com um simples apertar de botão de computador.
Se esse capital fosse subitamente retirado de circulação, bancos e bolsas de valores iriam à falência, assim como importantes cidades (como Miami, Boston e Los Angeles) e os ‘‘paraísos financeiros’’. Países como a Colômbia teriam que declarar sua inadimplência.
As principais máfias são a Cosa Nostra americana e siciliana, os cartéis colombianos, as máfias da Rússia, a Yakuza japonesa e as Tríades de Hong Kong, Taiwan e sudeste asiático. Controlam um vasto espectro de atividades, da produção e tráfico de drogas ao contrabando de armas, tecnologia e material usado na produção de mísseis nucleares, passando pela venda de órgãos humanos e comércio de crianças e escravas brancas. A Rússia é o país onde se faz mais visível a sua atividade. Segundo o Ministério do Interior russo, em 1994 atuavam no país 3.500 grupos mafiosos, que controlavam 35% dos 2.300 bancos comerciais e 2 mil empresas que fornecem serviços ao setor público.
O impacto do dinheiro do crime sobre as economias nacionais é facilmente visível no caso dos ‘‘paraísos financeiros’’.
Ali, as instituições bancárias não indagam a origem do dinheiro, e  garantem o seu reinvestimento em indústrias, bolsas de valores e todo tipo de comércio legal. Esse processo, “lavagem de dinheiro sujo”, alimenta uma parcela crescente da economia formal. O Panamá, por exemplo, tornou-se ‘‘paraíso financeiro’’ após uma lei de sigilo bancário de 1970. Em alguns meses, 74 bancos (eram cinco, em 1960) captaram US$ 11 bilhões em depósitos. Outros “paraísos” são as ilhas Virgens (britânicas), as ilhas de Jersey, Guernsey e Sark, no Canal da Mancha, as Antilhas holandesas, as ilhas Caimã, Bahamas, Bermudas, Malta,Chipre, Mônaco, Liechtenstein, Suíça, Gilbratar, Hong Kong e Cingapura.
As máfias têm muito maior liqüidez e eficácia que suas concorrentes no mercado financeiro bancos e empresas legais.
Não têm que prestar contas a acionistas, nem preocupações éticas com o Tesouro público, e lançam mão de qualquer expediente para conquistar vantagens. Seus lucros legais tendem a se multiplicar rapidamente, de tal forma que os negócios de fachada dão aparência ‘‘limpa’’ a impérios clandestinos.
Os governos decidiram adotar medidas preventivas à “lavagem” de dólares.
Por exemplo, fiscalizar contas que atinjam determinada soma -em geral, US$ 10 mil, checar a origem do dinheiro empregado em grandes investimentos (como os imobiliários),ou verificar se fulano ganhou, de fato, na loteria, ou se teve a “ajuda” de “deus”, como no caso de deputados brasileiros que alegam ter vínculos com o Criador.
Mas esses métodos são de eficácia questionável, quando se trata das grandes finanças. Talvez detectem o pequeno meliante, mas não os ‘‘chefões’’ são os políticos que fazem ou controlam a aplicação das leis.
A tradição de sigilo que cerca os negócios financeiros favorece o florescimento dos vínculos entre máfias e bancos. É, obviamente, raro que os bancos permitam o “vazamento” de dados estabelecendo sua conexão com o crime. Uma dessas ocasiões aconteceu em abril de 1991. O banqueiro saudita Gaith Pharaon, à época um dos quinze homens mais ricos do mundo, declarou, em Buenos Aires, que todos os grandes bancos lavam narcodólares, incluindo os tradicionais, como o First Bank of Boston e o Crédit Suisse. Pharaon se ressentia de que apenas o seu Bank of Credit and Commerce International, estopim de um escândalo em 1992, era citado por seus vínculos com a máfia.
No Brasil, é impossível calcular com exatidão o impacto do dinheiro “sujo” no mercado formal. Uma das razões foi explicitada  pelo escândalo Collor-PC Farias: o governo não controla as atividades bancárias, já que, como se viu, é muito fácil abrir contas ‘‘fantasmas”, tendo como titulares pessoas de nome e CGCs falsos.
O descontrole foi agravado pelas leis aprovadas no início de 1992 pelo então presidente Cadente Collor, permitindo que capitais estrangeiros comprassem títulos e ações nas bolsas do país. Em julho de 1992, os investimentos estrangeiros ultrapassavam os US$ 0,5 bilhão mensais. É improvável que as autoridades conheçam a origem real desse dinheiro.
A crescente facilidade para a movimentação de capitais é uma necessidade imposta pela globalização da economia segundo a lógica neoliberal. É impossível entender as atuais dimensões do crime sem levar em conta as tendências do mercado global, e a infra estrutura tecnológica que as viabiliza. Ora, um componente fundamental da globalização é o crescimento do capital especulativo. Os jogos financeiros colocam em circulação eletrônica (via computador) bilhões de dólares que, em ‘‘economês’’, formam “capital fictício” –dinheiro que não tem correspondência nem em ouro nem em bens materiais. As corporações jogam com esse capital como se à mesa de pôquer: blefam, apostam, arriscam.
É muito tênue, nesse nível, a fronteira entre procedimentos legais e os mafiosos.
É um tipo de ambiente que favorece a proliferação de criminosos. Favorece, por exemplo, as jogadas envolvendo receptação de “dinheiro sujo” e seu reinvestimento  em ações e títulos legais. O mais grave, do ponto de vista do equilíbrio político mundial, é o fato de que as máfias adquiriram o poder de desestabilizar economias inteiras, mediante o puro jogo especulativo. Essa hipótese foi demonstrada, por exemplo, durante a crise do México, em que a fuga de grandes capitais em algumas horas levou o pânico ao mercado . De certa forma, este é o preço que o neoliberalismo paga pelo divórcio que promove entre o capital e o seu significado social.    
Boletim Mundo Ano 3 n° 5                                 

Conferência da ONU sobre a Mulher

Brasil é “campeão” de violência doméstica
Coerente com sua tradição de país com a pior distribuição de renda, com maiores índices de violência policial, prostituição e criminalidade infantil, o Brasil porta, agora, mais um título: nos anos 90, foi o país que mais se destacou na prática de violência doméstica contra a mulher. Apenas em dois anos, entre 1987 e 1988, foram cometidos 6 mil crimes contra mulheres, 400 dos quais homicídios praticados por maridos ou amantes. Esta é uma das conclusões do Relatório Global sobre os Direitos Humanos da Mulher, elaborado pela Human Rights Watch, organização sediada nos Estados Unidos. O relatório foi lançado dia 4 de setembro, na abertura da Quarta Conferência das Nações Unidas sobre a Mulher, em Pequim. Durante doze dias, delegações de 185 países debateram os principais problemas causados pela opressão e discriminação econômica baseadas no sexo.
Em geral, a situação no mundo é calamitosa para as mulheres. Há uma ‘‘feminização’’ da pobreza -isto é, as mulheres são as maiores vítimas dos índices alarmantes de subnutrição, analfabetismo, desemprego e baixos salários. Apesar disso, não há consenso entre os governos sobre as medidas a serem adotadas para corrigir essa situação.
Em princípio, todos concordam com a proclamação geral de que as injustiças devem ser reparadas. Aqui, porém, apenas começam os problemas.
Os países ‘‘ricos’’ não aceitam os pedidos de mais verbas para financiar programas mundiais de assistência social, educação e luta contra o preconceito. Além disso, vetam a idéia de ampliar a ajuda às mulheres de imigrantes pobres, que sofrem as maiores conseqüências da falta de higiene e moradia (por exemplo, na hora do parto ou do aborto), alimentação precária e discriminação trabalhista.
Os países mais conservadores e/ou dominados por governos religiosos -como Irã, Cuba e China- não aceitam a noção de universalização dos direitos humanos, segundo a fórmula proposta pela Anistia Internacional -‘‘os direitos humanos são direitos da mulher’’. Este princípio seria uma ‘‘afronta’’ à soberania nacional, já que cada país teria o direito de decidir sobre seus próprios direitos, o que incluiria a forma de tratar as mulheres.
O  Vaticano e Islã condenam os direitos reprodutivos da mulher, aprovados na Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, realizada em 1994, no Cairo. O que está em questão neste ponto, entre outras coisas, é o direito ao aborto.
Assim, a Conferência da Mulher reproduz aquilo que a ONU já transformou em rotina: interesses políticos e econômicos se sobrepõem ao fundamental, deixando a sensação de que nada foi resolvido. Mas o simples fato de discutir a questão já mostra que nem tudo está perdido. É uma esperança –ainda que tênue- para milhões de brasileiras que são, diariamente, exploradas, humilhadas, espancadas e torturadas por maridos, que, ainda por cima, têm a Lei a seu favor: o bárbaro princípio de ‘‘defesa da honra’’ contra mulheres supostamente adúlteras.
A discriminação da mulher no mundo
As mulheres ocupam só 10% das cadeiras nos Parlamentos e 6% dos cargos oficiais,em média
São 70% dos 1,3 bilhão que vivem em estado de pobreza absoluta
Ganham menos para fazer o mesmo tipo de trabalho
Cerca de 1 milhão de meninas são forçadas a se prostituir a cada ano
2/3 dos analfabetos são mulheres
As guerras civis no Haiti, na Bósnia e em Ruanda mostraram que o estupro de mulheres tem sido utilizado como arma política
Em todos os países, incluindo os ‘‘ricos’’, é comum a prática de abusos sexuais em prisões femininas
Em 20 países da África, Ásia e Oriente Médio pratica-se a mutilação dos órgãos genitais femininos
O tráfico de escravas é praticado no Brasil, Sudão, Tailândia, China e outros países
A violência doméstica é a maior causa de ferimentos em mulheres no mundo, mas, em geral, permanece impune; no Brasil, a figura jurídica da ‘‘defesa da honra’’ é utilizada para absolver maridos homicidas
Boletim Mundo Ano 3 n° 5

Editorial- Testes Nucleares

Os testes nucleares franceses no atol de Mururoa, iniciados em 1966, explicitam uma questão central: quando tanto se fala no ‘‘globalismo’’- na instauração de uma ‘‘comunidade das nações’’ em oposição à antiga divisão do mundo em blocos antagônicos e quando se celebra a informatização que prefigura virtualmente a ‘‘aldeia global’’ imaginada por Marshall McLuhan nos anos 60 -quando, enfim, um olhar distraído poderia concluir que a humanidade supera os estreitos limites impostos pela lógica do Estado-nação oitocentista-, a França revela -com sua face mais colonialista, racista, preconceituosa, belicista e agressiva- a persistência de uma perspectiva centrada na Razão de Estado e no direito imperial.
O atol de Mururoa faz parte do arquipélago Tuamotu, na Polinésia francesa, um conjunto de 130 ilhas com área total de 3.885 km2 e 190 mil habitantes, a maioria dos quais descendentes de nativos. A capital, Papeete, fica na ilha de Tahiti, onde se concentra metade da população. Tahiti tornou-se protetorado francês em 1844, e as outras ilhas foram gradualmente anexadas.
Em 1946, no quadro da reorganização geo- política do pós-Guerra, a região tornou-se território francês ultramarino com representação na Assembléia francesa.
Face às pressões contra os testes, Paris multiplicou declarações patéticas, como a de que a França também é uma ‘‘nação do Pacífico Sul’’ (sic). Eliminada a demagogia, a retórica se resume a um só argumento: o território é francês, e ponto. Claro que Paris também é território francês, mas os testes não são na civilizada capital, apenas porque na civilizada perspectiva francesa a população e o ecossistema da longínqüa e não civilizada Mururoa não contam. A mesma perspectiva imperial norteou, por exemplo, os puritanos que massacraram os indígenas para ‘‘civilizar’’ o Oeste americano; ou os católicos portugueses e espanhóis que destruíram maias, astecas, toltecas, tupis, guaranis e tantos outros povos, em nome de seus ideais ‘‘elevados’’; ou, ainda, os brancos que instauraram o odioso apartheid na África do Sul.
Nesse sentido, a França não faz nada de ‘‘novo’’ em Mururoa. Apenas se tornou -por incompetência e / ou excesso de arrogância- a face mais visível da lógica da exclusão cultural, arraigada no Ocidente, que reconhece legitimidade apenas àquilo que encontra no espelho. É a mesma lógica que alimenta o preconceito contra o Islã (‘‘fanático’’, ‘‘terrorista’’ etc.), as populações negras da África ou o imigrante nordestino que busca no Sul do Brasil a sua subsistência. Eis, enfim, a questão: na era da globalização, os testes de Mururoa são, de fato, a regra, não a exceção.
Revista Mundo Ano 3 n° 5

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

De como Hollywood engoliu o cinema

Nicolau Sevcenko
Podemos, facilmente, falar numa história dividida em dois períodos, AH e DH, antes e depois de Hollywood, pelo menos naquilo que se refere à cultura brasileira. Antes de 1920, a maioria dos brasileiros buscava nos seus pais, parentes, amigos, vizinhos e nos membros de seu grupo social os parâmetros para o seu comportamento, suas crenças, suas esperanças, seu modo de se vestir e seu vocabulário.
Depois de 1920, a maioria deles, pelo menos os que viviam nos grandes centros urbanos, buscava os mesmos parâmetros nas telas de cinema.
É óbvio que isso não significa que acabou aí a cultura tradicional, popular e local brasileira, mesmo porque mudanças culturais não acontecem mediante saltos repentinos, mas sim através de processos de contaminação e fusão. Mas isso significa que a dinâmica das mudanças culturais foi acelerada pelo eletrizante poder de sonho da tela prateada.
Há uma razão para que eu fale especificamente de Hollywood, e não do cinema em geral, como forma cultural.
Hollywood, ou o “novo Bizâncio” -expressão comum, à época, para designar suas pretensões colossais e imperiais-, desenvolveu uma série de técnicas para viabilizar tanto o uso de seus poderes como máquina de sonhos quanto o seu sucesso como empreendimento comercial, atingindo uma supremacia internacional incontrastável.
Foi Hollywood que inventou o método mais eficaz e lucrativo de produzir filmes, o sistema de estúdios, como uma maneira de levar a cabo os seus projetos e suprir próprias suas necessidades. D. W. Griffith criou a alma do estúdio, a “estrela” (“star”), de onde veio a noção de “sistema de estrelas”. Essas duas concepções fundamentais abriram uma vertente integralmente nova de descobertas, técnicas e práticas revolucionárias, como o close-up, a exploração dos efeitos emocionais permitidas pela edição, ritmo, luz, juventude, expressão facial, maquiagem, movimentos, roupas, estilo, assim como o uso dessa força misteriosa e arrebatadora que é o apelo sexual.
Como podemos ver, a maioria dessa  inovações implicou um mergulho profundo do reino da comunicação não-verbal. Nesse sentido, as experiências colocadas em prática pelos técnicos e artistas de Hollywood eram comparáveis apenas às praticadas pelos fotógrafos surrealistas, embora menos radicais, mais sistemáticas e sensíveis ao gosto do público.
Os paralelos com a escola expressionista alemã eram tão óbvios que muitos participantes daquela escola acabaram trabalhando em Hollywood nos anos 30. Foi essa ampla gama de experiências, motivada pelos interesses imperativos dos estúdios de atingir grandes audiências tão rápida e profundamente quanto possível, que levou os chefes de Hollywood a entender que filmes eram feitos para os olhos e para o subconsciente, não para explicações verbais ou racionais.
Os filmes tinham que dar prazer, mas para isso eles deveriam, antes  de mais nada, mobilizar e galvanizar as energias mais obscuras das profundezas do ser humano. É por  essa razão que os filmes estão muito mais próximos às mitologias no seu sentido místico do que de narrativas ou histórias enquadradas numa lógica verbal ou racional. Provavelmente para enfatizar esses elementos de regressão e apelo ao primitivo de cada indivíduo, muitos críticos e teóricos do cinema gostavam de se referir a Hollywood como “Meca”, “novo Bizâncio”, “Babilônia ressuscitada”.
Outra característica marcante de Hollywood era sua total fidelidade a temas míticos. Essa característica pode ser já detectada nos épicos de Griffith, como “Gênese do Homem”, de 1912, mas sobretudo em “Nascimento de uma Nação”, de 1915. Esse tipo de filme estabeleceu a tendência, em Hollywood, de reescrever a história a partir de uma perspectiva americana.
Não tinha nada a ver com pesquisas históricas -desnecessário dizê-lo-, mas consistia apenas de recomposição formal de um material mítico oferecido à digestão fácil de grandes audiências nacionais e estrangeiras.
Basicamente, o filme era concebido como um conflito moral maniqueísta, opondo velhos impérios orientais ou clássicos, com seus costumes pagãos decadentes, aos valores superiores da democracia branca e cristã americana. Esse jogo de oposição era composto sob a forma de parábolas visuais expressas, silenciosamente, pelos papéis e aparências de artistas jovens, que você poderia qualificar às vezes como anjos e deusas, outras vezes como estrelas.
O Mal era corporificado pela figura oriental da judia-americana Theda Bara, sempre vestida de preto, seminua, dominando com vícios e sexo os déspostas das antigas civilizações orientais. O anjo virtuoso, no extremo oposto, era simbolizado pela frágil anglo-saxônica Lilian Gish, resgatada e trazida de volta para casa cheia de glória por cavaleiros da Ku-Klux-Klan depois de ter sido seqüestrada por homens negros ameaçadores, cheios de lascívia e de mãos impuras. Esse dualismo moral simplista foi reforçado, em 1927, pelo Código, elaborado por autoridades religiosas e adotado por Hollywood como uma autêntica forma de censura, a qual, ironicamente, conferia à indústria cinematográfica uma unidade e coerência ainda maior de símbolos e valores.
Eu afirmei, um pouco antes, que se tivesse que haver uma divisão da história do Brasil em função do surgimento de Hollywood, então o começo da nova era seria o ano de 1920. Há uma boa razão para isso. Os anos de guerra (1914-18) levaram o caos à indústria cinematográfica, exceto nos Estados Unidos. A indústria européia estava arruinada, e a América Latina não poderia mais importar filmes europeus ou importar celulose barata para a produção de seus próprios filmes. Como resultado, houve um boom da produção e exportação americana de filmes.
O único problema aconteceria em 1918, quando a epidemia de gripe espanhola matou mais gente em todo o mundo do que a própria guerra. Como decorrência do medo da epidemia, os cinemas e outros centros de lazer foram fechados por mais de um ano. Foi um ano terrível, com epidemia, guerras, revoluções, fome e morte. Quando, finalmente, os cinemas reabriram suas portas, no final de 1919, eles se tornaram uma febre: o grande lance era as loucuras da América. O número de cinemas multiplicou num espaço muito curto de tempo, as audiências chegaram a níveis jamais alcançados por qualquer outra forma de entretenimento.
Seria mais apropriado chamar os anos 20 como a Idade do Cinema do que a Idade do Jazz.
A partir daquele momento, pelo menos no que se refere ao Brasil, entretenimento era sinônimo de cinema, cinema era América, cinema americano era Hollywood e Hollywood era suas  estrelas. Assim, flores estrangeiras começaram a brotar do solo cultural brasileiro. Nos seus próprios estúdios, os produtores brasileiros fizeram o máximo para adotar os parâmetros e critérios técnicos de Hollywood, sem atingir bons resultados artísticos ou comerciais, por razões óbvias. Quando atingiram o seu melhor resultado, nos anos 40-50, produziram as “chanchadas”, comédias leves e picantes que não passavam de paródias de sucessos de Hollywood.
A coisa mais engraçada a respeito das “chanchadas” foi que elas eram a confissão de que jamais conseguiriam competir com a produção de Hollywood, lançando mão, por essa razão, do escracho. De maneira consciente, as “chanchadas” usavam cenários obsoletos, roupas velhas, personagens satíricos, além de clichês licenciosos. O público, que já tinha visto o original de Hollywood, em geral apreciava a paródia.
Assim, se Hollywood estabeleceu uma relação dramática e conflituosa com o resto do mundo, ao reescrever a história de um ponto-de-vista americano, o Brasil  equacionou o seu próprio dualismo através do modelo hollywoodiano. Uma das conseqüências disso, por exemplo, foi que, enquanto os personagens cômicos das “chanchadas” eram, em geral, representantes de grupos étnicos, pobres, analfabetos e rudes, a heroína, moldada em conformidade ao protótipo da “estrela”, era branca, elegante, com ares de princesa e pura, pronta para casar-se com outro homem branco e limpo. No limite, a parodia encontrava o dogma anglo-saxônico estabelecido pelo Código.
O cinema europeu
URSS: nos anos 20, os soviéticos queriam um cinema que, ao contrário de fantasiar a realidade, como Hollywood, construísse uma realidade essencialmente cinematográfica. Por exemplo, em ‘‘Outubro’’ (1927), sobre a Revolução de 1917, Sergei Eisenstein apresenta nas poltronas da sala do gabinete de governo não os ministros, mas seus sobretudos, etaforizando o exercício de funções burocráticas pelos homens de Estado. É o cinema que cria a sua própria leitura e interpretação do ‘‘real’’. Nos anos 30, o Realismo Socialista transformou o cinema soviético em mera peça de propaganda.
Alemanha: influenciado pela literatura e artes plásticas do começo do século, o expressionismo adotava o ponto de vista subjetivo, procurando explorar a realidade interior vivida pelos personagens. Com esse fim, trabalhava narrativas fantásticas, deformando as imagens da realidade externa e imediata, como ruas, casas, objetos, e abusava de sombras e penumbras. O ‘‘Gabinete do Doutor Caligari’’ (1919), de Fritz Lang, é o grande marco deste cinema. Nas décadas recentes, os mais conhecidos diretores alemães foram Werner Herzog, Rainier Werner Fassbinder e Wim Wenders.
França: nos anos 30, consagra a estética surrealista. Trabalhava com imagens provenientes do mundo inconsciente, dos sonhos. Um espanhol, Luis Buñuel, que filmava na França, foi o seu maior representante. Usava recursos ‘‘chocantes’’, como celebrar velório em restaurante, para causar estranheza. Seu filme mais conhecido, ‘‘O Cão Andaluz’’ (1928), foi realizado com a parceria do pintor Salvador Dalí. Nos anos 50/60, a Nouvelle Vague (‘‘nova onda’’) tematizou os dramas existenciais dos seus personagens, considerados mais importantes do que qualquer fato político. Filmes difíceis pela temática subjetiva e narrativa alinear, foram banidos do circuito comercial. Ilustram este movimento ‘‘Acossado’’ (1959) e ‘‘Os Incompreendidos’’ (1959), respectivamente de Jean-Luc Godard e François Truffaut. Walter Hugo Khouri desenvolveu esta linha no Brasil, em filmes como ‘‘Noite Vazia’’ (1964).
Itália: no final da Segunda Guerra, surge o Neo-Realismo. Sem melodramas, seus heróis são operários, camponeses e gente da classe média pobre. O cenário dos grandes estúdios é substituído pelo das ruas. Representam esta estética ‘‘Cidade Aberta’’ (1945), de Roberto Rosselini, e ‘‘Ladrão de Bicicleta’’ (1948), de Vittorio de Sica. Esta estética e temática foram traduzidas no Brasil pelo movimento do Cinema Novo . Nas três últimas décadas, o cinema italiano foi marcado pelo lirismo de Federico Fellini (‘‘Amarcord’’, ‘‘E la Nave Và’’, ‘‘Julieta dos Espíritos’’ etc.).
Boletim Mundo Ano 3 n° 4