Newton Carlos
O chefe da CIA (serviço secreto americano), John Deuch, estava em Bogotá no dia 13 de janeiro, quando José (Chepe) Santa cruz Lodoño, tido como o terceiro na hierarquiado Cartel de Cali, escapou facilmente -de carro, passando pelo portão principal da prisão de “segurança máxima”. Deuch negociava formas de cooperação na luta antidrogas e o próprio procurador-geral da Colômbia, Alfonso Valdivieso, definiu a fuga como “triunfo do poder da corrupção”. Valdivieso, herói nacional, com sua cruzada judicial contra o avanço tentacular dos narcos nas instituições do país, comanda o Processo 8.000, que investiga relações da coca com políticos e empresários e acabou apontando as suas baterias na direção do palácio presidencial.
Pressionado, o presidente Samper ordenou uma caçada sem trégua a Lodoño, morto em março.
Deuch reabriu velha polêmica ao afirmar, irado, que criminosos do porte de Santa cruz seriam trancafiados “de fato” se a Colômbia aceitasse extraditar para os Estados Unidos criminosos procurados pela justiça americana. Traficantes conhecidos como extraditables desencadearam no passado ondas de terror, com o objetivo de conseguir do governo colombiano garantias de não-extradição e o resultado foi a aprovação de lei a respeito no Congresso, mas as pressões americanas, originadas da “guerra às drogas” lançada pelo então presidente Nixon, na década de 60, continuaram e não envolvem apenas a Colômbia, chamada de “narco democracia” pela DEA (Drug Enforcement Administration), agência anti-drogas dos Estados Unidos.
Têm sido escassos os êxitos nessa guerra declarada por Nixon, e esses poucos êxitos, como constatou o jornalista Phil Gunson, a partir da capital mexicana, estão longe de reduzir um comércio cada vez mais bilionário. Simplesmente provocam “deslocamentos”.
O Cartel de Cali, na Colômbia, tomou o lugar do Cartel de Medellin, depois da morte de Pablo Escobar. Descabeçado o de Cali, com as prisões dos irmãos Rodriguez Orejuela, o “vazio” foi logo ocupado por bolivianos e mexicanos. Há cinco meses um DC-6 que decolou da Bolívia foi apanhado no aeroporto de Lima com quatro toneladas de cocaína, disfarçada de artesanato. Surgia um novo Cartel, o de La Paz, que desde 1993 teria feito quatro carregamentos iguais.
O destino é quase sempre o México, por onde passam, diz-se em Washington, 70% da droga enviada aos Estados Unidos. Faturamento de 30 bilhões de dólares, mais do dobro das reservas do Banco do México em moedas estrangeiras. O economista mexicano Eduardo Rebeles declara que “estamos em situação pior que a Colômbia, porque na Colômbia o Estado combate os cartéis e no México os cartéis são o Estado”. Cita o Processo 8.000, que em poucos meses contabilizou culpas de pelo menos oito parlamentares colombianos. O grau de penetração na Colômbia chegou a tal ponto que a primeira absolvição do presidente Ernesto Samper, no Congresso, em janeiro, foi sentença de comissão especial chefiada por deputado igualmente suspeito de relações com a droga.
A declaração de guerra de Nixon, feita em entrevista em 1969, partiu da disposição de varrer a contracultura dos anos 60. “A repressão resultou em traficantes mais profissionais”, escreveu em Wheeling and Dealing a socióloga Patricia Adler, da Universidade do Colorado. Entre 1974 e 1980, San Diego transformou-se de lugar de venda de maconha em “sofisticado centro” de distribuição do comércio de coca. No mesmo período, outras 12 cidades dos Estados Unidos passaram por transformação similar. Uma “nova elite capitalista foi ocupando o topo da narco economia”.
O El Espectador, de Bogotá, calcula que as entradas anuais na Colômbia, da venda de drogas, sejam o dobro das receitas com café. Com a saturação do mercado, criou-se o crack, mais barato, ao preço de cinco dólares ou até menos, de circulação mais fácil, em pequenos pacotes, produto de expansão. Os autores de Kings of Cocaine, Jeff Leen e Guy Gugliotta, falam de um “universo da coca se organizando rapidamente como uma grande corporação”. Num júri na Flórida o mais importante financista de traficantes colombianos, Carlos Lehder, foi comparado a Henry Ford. Nisso deu a guerra lançada por Nixon contra hippies e jovens masssacrados pelo Vietnã.
O caso colombiano é exemplo eloqüente da escalada “política” dos narcos. Às voltas com guerrilhas que estão entre as mais ativas da América Latina, governos da Colômbia se empenham, uns mais, outros menos, em campanhas de “pacificação”. Mas até agora um único grupo guerrilheiro topou a anistia e incorporação às lutas políticas. A abertura de espaços legais para esquerdas menos beligerantes provocou reações violentas do establishment, com assassinatos a granel, nos quais se envolveram esquadrões da morte com forte tempero militar, e narcos a caminho da fusão com as elites tradicionais. “Já se instalaram em cada setor da sociedade colombiana oito famílias de traficantes com o controle do comércio de drogas para os Estados Unidos”, declarou em 1984 um ministro, Rodrigo Lara Bonilla, depois assassinado.
Acusações ao presidente Samper, de recebimento de dinheiro dos narcos para sua campanha, apareceram antes mesmo da posse, em agosto do ano passado. Falava-se que Rodriguez Medina, coletor de fundos do partido Liberal, havia aceito contribuições dos irmãos Rodriguez Orejuela. Logo depois do triunfo nas urnas, em junho, jornais e televisões da Colômbia começaram a receber “narco cassetes” e “narco cheques”, gravações e fotocópias de cheques incriminando o pessoal da campanha de Samper. Numa das várias incursões policiais a dependências do Cartel de Cali foi descoberto o cheque de 49.300 dólares endossado por Medina, mas não registrado na contabilidade da campanha.
Preso em julho, um mês antes da posse, Medina disse que Samper sabia de tudo.
O mesmo acabou fazendo o ex-ministro da Defesa, Fernando Botero, filho do mais importante artista plástico colombiano e ex-diretor da campanha de Samper, que foi preso e ficou com medo de tornar-se bode expiatório. Um ex-chanceler da Colômbia, Alfredo Vasquez, propôs certa vez diálogo nacional, com participação dos chefões da droga, visando a acabar com a matança no país. “O poder do narcotráfico é tanto que não há outro jeito senão incluí-lo entre as instituições que determinam a vida nacional”, justificou-se Vasquez.
Boletim Mundo Ano 4 n° 1