terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Diário de Viagem- Paz Tropeça nos medos e ódios do Cotidiano

Em visita a Israel, o estudante de jornalismo Marcelo Starobinas relata as dificuldades do dia-a-dia para implantar o acordo entre judeus e palestinos.
Não vamos transformar Jerusalém numa Berlin, ela continuará sendo a capital unificada de Israel (Shimon Peres, chanceler israelense, O Estado de S.Paulo, 28.maio.1994, pág.A12)
Evocando o Muro de Berlin da Guerra Fria, Peres reafirma a disposição de não negociar com a OLP sobre Jerusalém, cuja parte leste foi anexada a Israel após a Guerra dos Seis Dias (1967).
Ao pousar no Aeroporto de David Bem Gurion de Tel Aviv, em 9 de março, enxergava com considerável otimismo o processo de paz entre israelenses e palestinos. A imprensa internacional – meu vínculo com a realidade da região até então – mostrava a via diplomática Israel-OLP como exemplo para o mundo. Passados alguns meses, continuo acreditando na paz.
Porém, o contato direto com os atentados terroristas e manifestações contrárias ao acordo de setembro de 1993 revelavam novas dificuldades.
Aos 46 anos, Israel é um país moderno. Ao lado das muralhas de Jerusalém, sobreviventes de tempos anteriores ao início da Era Cristã, erguem-se os mais bem equipados hotéis, shopping-centers e centros de tecnologia. O deserto de Neguev, cenário de passagem do Velho Testamento, é exemplo das maravilhas das novas técnicas de irrigação. Porém, ainda hoje neste cenário árabes e judeus protagonizam atos de selvageria típicos dos tempos das cruzadas.
Apesar das iniciativas do governo de “Avodá” (trabalhistas) e da OLP, buscando solucionar os problemas dos territórios ocupados por Israel na Guerra dos Seis Dias (1967), um simples passeio pelas cidades Israelenses basta para se ter uma idéia da montanha que ainda resta ser escalada.
As últimas cinco décadas desta guerra sem cessar-fogo abriram profundas feridas nos dois lados.
O ódio mútuo é bastante evidente. Sua justificativa é compreensível: toda a família, quer seja ela palestina ou israelense, já sofreu a morte de um membro seu ou de um amigo em combate com o inimigo. Desta forma, a resolução deste problema abrange o cotidiano de cada indivíduo.
E por se tratar de uma questão tão próxima à vida destas pessoas, manifesta-se nas ruas os mais distintos pontos de vista. A direita israelense, encabeçada pelo partido “Likud” e engrossada pelos partidos dos judeus ultra-ortodoxos, tem se mostrado a mais forte militância. Recentemente, com a vinda, pela primeira vez, de Iasser Arafat a Gaza e Jericó, a direita levou quase 100 mil pessoas às ruas de Jerusalém, parando a cidade durante três dias. Além disso, há campanhas permanentes que já tomaram o país com faixas, cartazes, camisetas e manifestos. É o caso da “Haham Im Ha Golan” – o povo com Golan – que tenta pressionar o governo a não devolver as colinas do Golan à Síria.
Nas conversas com motoristas de ônibus e de táxi – importantes termômetros de qualquer sociedade – percebo no dia-a –dia um enraizado preconceito árabe-judeu.
Numa dessas corridas de táxi, dei de frente com um exemplo típico do pensamento de direita israelense: “Que haja paz, todos queremos, mas esses árabes são uns cachorros!
Eles não pensam”. Perguntando se suas colocações não se bastavam na disputa eleitoral, ele respondeu:
“Em todos os setores da vida percebemos as burrices desses caras”. Espantei-me em saber que aquele homem era capitão da reserva da tropa de tanques do Exército israelense.
Ações de grupos árabes – como o Hamas, Jihad islâmica e Hizeallah (sul do Líbano) – e os não menos fanáticos religiosos judeus – como Kachane-Chai e Kach -, tendem a aumentar a discórdia. Em abril, presenciei um exemplo da força terrorista contra as negociações diplomáticas. Um carro-bomba explodiu no centro da pequena cidade de Affula, 120 Km ao norte de Tel Aviv, matando oito jovens que saíam de uma escola em frente ao local da explosão. Daquele dia em diante, Affula deixou de ser cidade apolítica. No enterro, a população revoltada carregava faixas com dizeres de “morte aos árabes” e “fora Rabin”. Sente-se no ar de Affula o cheiro de sangue do terror, e com ele ferve o ódio de seus antes desinteressados habitantes.
Num país tão tumultuado e coexistência pacífica entre árabes e judeus é representada simbolicamente no coração da velha cidade de Jerusalém.
Os cantos religiosos hebraicos, provenientes da tradição do Muro das Lamentações, galgam as pedras remanescentes do antigo templo, formando um uníssono harmonioso com os cânticos e preces emanadas das mesquitas dos fiéis mulçumanos.

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