“A televisão é um dos fenômenos básicos da nossa civilização?”:
A TV – diz o crítico da cultura Umberto Eco, autor de O Nome da Rosa – cria gostos e modas. Seus apelos despertam necessidades, orientam reações. Os costumes no mundo contemporâneo e os seus modos de pensar passam pela TV.
“Tudo o que a antena captar meu corpo captura ”: Não há como entender o indivíduo desligado do complexo aparelho transmissor – ondas eletromagnéticas – aparelho receptor. Ele inicia o seu dia ligando à tomada: clic começa o grande show da vida.
O âncora do telejornal dá o bom dia; a tele-dona-de-casa faz o café-da-manhã; o tele-evangelista apacienta a alma; a tele-babá educa as crianças. A TV é o guru espiritual da família.
Cidadão Roberto “Kane” Marinho: Em 1941, o cineasta Orson Welles fez “Cidadão Kane”, baseado na vida de William Hearst, dono de um império jornalístico que fabricava verdades. Em 1994, a rede britânica Chanel 4 produziu “Brazil Beyond Citizen Kane” (Brasil além do Cidadão Kane), sobre Roberto Marinho, presidente da Globo. A rede, que completou 30 anos em 26 de abril, foi íntima aliada da ditadura (inaugurada em março de 1964). Enquanto o regime torturava e assassinava, a Globo transmitia via Embratel a imagem de paz e harmonia nacional.
O poder da imagem: As novelas da Globo fornecem parâmetros comportamentais. Se Hollywood produzia suas musas, a Globo criou Regina Duarte, a Namoradinha do Brasil.
Se em San Francisco ou Paris as feministas queimaram sutiãs em praça pública, a Globo emancipou a dona-de-casa com Malu Mulher. Não há tema social, econômico, moral ou político que escape à teledramaturgia. A novela pode tudo, até subverter a tradição: agora, sexo é no horário nobre, o resto fica para o fim da noite.
A imagem do poder: A ficção Anos Rebeldes pode mostrar que os militares torturavam. O telejornalismo não pode. No plano da ficção, a história é contada; no telejornalismo, a ficção é obrigatória. A Globo fabrica, diariamente, a imagem do poder. O ex-ministro da Fazenda Rubens Ricupero caiu, em 1994, por ter cometido o “crime” do deslize: deixou escapar afirmações que o tornavam incompatível com o seu papel de bom moço na tele jornovela Plano Real.
Plim-Plim: E nenhuma imagem é mais forte do que a evocada pelo som plim-plim: onomatopéia em duas sílabas que sugere o barulho de moedas, ou o surgimento de uma idéia genial. Eis o poder: a soma de dinheiro e idéias. Plim-plim: a senha do mundo-Kane: o Brasil do Cidadão Marinho.
Nhem-nhem-nhem: O mundo-Kane é autoritário. Se você na se deixa seduzir por ele, está fora do jogo. Aquilo que você pensa é só nhem-nhem-nhem – como diz o presidente FHC. Nhem-nhem-nhem: a onomatopéia sugere uma fala infantilizada –tanto quanto é infantil o plim-plim –, desprovida de razão, desarticulada. A repetição indica redundância: é como se o seu discurso martelasse sempre o mesmo prego, eterno samba de uma nota só. No país do plim-plim, o poder – público e privado – descarta o direito á opinião. Só o poder sabe e pode. Você não. Você não decide nada.
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