O jornalista peruano Manuel Gianoli descreve um país pobre, assolado pelo desemprego, narcotráfico e terrorismo, e militarizado após o golpe de abril de 1992
O Peru vive uma relativa calmaria, graça a sua militarização. O presidente Alberto Fujimori e as forças armadas dividem o poder num país deteriorado democraticamente. Economia dolarizada, parque industrial obsoleto, aumento do comércio informal, corrupção entre os militares. A desagregação da sociedade civil pode ser percebida, por exemplo, na violência crescente das torcidas de futebol, ou nas ruas de Lima (a capital) por onde passam “arrastões” feitos pelos “piranhas” (meninos de rua). O engenheiro Fujimori, conhecido como “El Chino”, baixou a inflação anual de 7.650%, herdada do governo corrupto de Alan Garcia, para 37% em 1993.
Mas o custo social da pobreza é elevado.
A história recente do Peru é típica de um país latino-americano. Aos 12 anos de ditadura, em 1980, foi eleito o liberal Fernando Belaunde Terry, que abriu as importações e iniciou a privatização da economia.
Alan Garcia foi eleito em 1985. Representante do velho discurso nacionalista e populista, rompeu com o FMI, pagando apenas 10% da dívida externa. O país foi isolado do sistema financeiro internacional.
Caiu sua capacidade industrial, aumentou o desemprego. Apareceram “los cambistas”, que vedem dólares nas ruas. Era sinal do início da dolarização.
Fujimori elegeu-se em 1990, apoiado por empresários, militares e cidadãos cansados do caos, cuja mais trágica expressão era o sangue derramados pelos atentados do grupo terrorista Sendero Luminoso. A “bomba de Tarata”, o pior de todos atentados, no final de 1991, numa rua de Miraflores – bairro rico, espécie de “Jardins” de Lima – desencadeou o golpe de 5 de abril de 1992. Fujimori, com apoio militar, dissolveu o Congresso. O combate ao terrorismo obteve vitórias (das quais a mais espetacular foi a prisão de Abimael Guzmán, chefe do Sendero). Mas o caos econômico continua fazendo vítimas. Cresce o número de informais, pessoas que vedem de faixas abdominais para Cooper a lagartos de estimação, ou que prestam serviços como conserto de sapatos.
“Los ambulantes” estimulam o contrabando e a evasão f iscal, mas são uma saída para os desempregados. Um exemplo são os táxis: qualquer um pode “trabalhar seu carro”. Sempre que saio do emprego volto para casa como táxi. É uma maneira de sobreviver”, diz o advogado Juan Cáceres. Os “cholulares” são a novidade de Lima. Surgirão como alternativa aos orelhões. O termo “cholular” vem da fusão da palavra “ cholo”, que indica o mestiço pobre, com seu instrumento de trabalho, o celular. Aluga-se o telefone do “super-cholular”, que fica fantasiado de super-herói, com um cronômetro no pescoço e um cabo de 5 metros ao qual está preso o aparelho, para que o cliente tenha privacidade, mas não fuja. Hoje, 70% dos habitantes de Lima trabalham no setor informal. No começo dos anos 80, eram 35%.
Com a captura da cúpula senderista e o fim do Movimento Revolucionário Tupac Amaru, o Peru começava viver uma fase de calmaria. Fujimori concedeu total autonomia ao Exército para acabar com o terrorismo. Esta guerra já deixou 25 mil mortos, causou prejuízos de US$ 22 milhões e muito desrespeito aos direitos humanos. Mas a “pacificação” é ilusória. “A paz só virá se acompanhada da legitimação da democracia”, diz Carlos Urrita, sociólogo. O que se vê é absoluto desrespeito à Constituição. Em fevereiro, por exemplo, Fujimori alterou a lei que ele mesmo promulgara, segundo a qual todos seriam julgados por tribunais civis. Para beneficiar militares acusados de matarem 9 estudantes, remeteu-os à Justiça Militar.
A região do Alto Huallaga, na encosta dos Andes e controlada pelos traficantes, produz folhas de coca e papoula, de onde vem a heroína. Na década de 80, o enfraquecimento da guerrilha levou os senderistas a unirem-se ao narcotráfico, fornecendolhes um braço armado em troca de uma rica fonte de ingressos. Os militares disputam com os guerrilheiros a associação com o narcotráfico. Segundo o traficante Demétrio Chaves – que movimentava trinta toneladas de pasta básica de cocaína por mês para Cali, Colômbia, os militares cobravam desde US$ 3 mil para liberarem o pouso e decolagem dos jatos.
Também denunciou militares envolvidos em consumo e tráfico de cocaína no Alto Huallaga. O comando militar negou o seu envolvimento. Fujimori fez o mesmo, ignorando provas e fotos comprometedoras.
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