Guilherme Fiúza
Conta uma antiga lenda japonesa que, certa vez, um homem descobriu um estranho buraco numa rua de sua cidade. Curioso, tentou em vão tocar o seu fundo. Debruçou-se, e gritou: “Há alguém aí embaixo?’’. Não obtendo resposta, atirou objetos para calcular a altura do buraco em função do tempo que levassem para bater no fundo. Mas, os objetos sumiam sem produzir ruído. A vizinhança e a cidade logo passaram a atirar ali os seus dejetos. Meses depois, o homem postou-se diante do buraco e ali ficou, a refletir sobre a fama que a descoberta lhe trouxera. De repente, um gigantesco saco de lixo desabou sobre sua cabeça. Atônito, ouviu uma voz ecoar ao longe, como que vinda do céu: “Há alguém aí embaixo?’’.
A fábula tem um significado rico para o mundo atual. Se o problema do lixo é preocupante nas cidades, o do lixo nuclear é alarmante. O mundo ainda não encontrou uma solução para os resíduos radiativos. O buraco mágico da fábula é a representação perfeita das próximas gerações -e do legado moral que estão recebendo, como se o futuro fosse um buraco sem fundo.
Há vários depósitos no planeta onde este tipo de material é guardado em segurança relativa e vulnerável a longo prazo. E há outros onde está depositado sem controle. Este é o caso do atol de Moruroa, na Polinésia francesa, Pacífico Sul. Como resultado de 123 testes nucleares subterrâneos, realizados pela França entre 1974-91, o núcleo do atol transformou-se em depósito de lixo radiativo, fora de qualquer especificação cientificamente aceitável.
Segundo o governo francês, não há riscos de liberação da radiatividade para o oceano -e, conseqüentemente, para outras regiões. A contaminação radiativa segundo Paris- é uma característica dos testes atmosféricos (de superfície), abandonados em 1974 por pressão de ambientalistas (particularmente, do Greenpeace). De fato, a contaminação atmosférica é imediata e de longo alcance. Cientistas constataram a presença de radiação na América do Sul poucas horas após a realização de testes nucleares no Pacífico Sul.
Mas -apesar das restrições impostas pela França-, missões científicas já colheram evidências de que os vazamentos ocorrem também nos testes subterrâneos.
Em outubro de 1990, cientistas do Greenpeace, a bordo do navio Rainbow Warrior,encontraram Césio-134 e Antimônio-125 em amostras de plâncton coletadas fora da zona de exclusão de 12 milhas do atol. Outras missões -como já foi lembrado pelo Greenpeace neste boletim- constataram rachaduras na estrutura do atol, intensificando riscos de vazamento nuclear. No início de agosto, mais de 70 cientistas de várias partes do mundo, sob a coordenação de Paul Johnston, do laboratório do Greenpeace na Universidade de Exeter (Grã-Bretanha), enviaram um apelo ao presidente francês Jacques Chirac.
O documento pede que os atóis de Moruroa e Fangataufa sejam liberados para a realização de um estudo de impacto ambiental, para que as reais conseqüências dos testes nucleares sejam medidas.
Boletim Mundo Ano 3 n° 5
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