Alemanha tem a chave da estabilidade européia
“A fronteira da Otan é vagamente situada na fronteira germânico-polonesa, que não está ameaçada, enquanto se deixam os ex-satélites soviéticos como terra de ninguém, entre a Alemanha e a Rússia...”
(Henry Kissinger, secretário de estado dos Estados Unidos entre 1972 e 1974, no governo de Richard Nixon, O Estado de S. Paulo, 13.mar.95, p.A2)
Sobre as ruínas de Berlim, no ponto mais alto do Reichstag (Parlamento imperial alemão), tremula a bandeira da União Soviética. Essa cena, uma das mais célebres da história contemporânea, assinalou a rendição alemã e o fim dos combates da 2a Guerra em solo europeu, há meio século, no 9 de maio de 1945.
A Alemanha, desde a unificação nacional, conheceu a vertigem das alternativas extremas. Quando o IIº Reich (Império) foi proclamado, no Salão dos Espelhos do Palácio de Versalhes, em janeiro de 1871, a Alemanha de Bismarck experimentou as glórias da vitória. O Tratado de Versalhes, de 1918, que encerrou a 1ª Guerra, foi a descida ao inferno. Adolf Hitler conduziu à maior das derrotas: a dissolução do IIIº Reich e a divisão do país em dois Estados (a RFA e a RDA). As duas Alemanhas da Guerra Fria, materializaram o fim do projeto de potência.
Paradoxalmente, a celebração dos 50 anos da rendição nazista encontra uma Alemanha reunificada polarizando a Europa em transformação. A queda do Muro de Berlim, a 9 de novembro de 1989, abriu o caminho para a reconstituição, em torno da RFA, de um único Estado. A nova Alemanha não é um Reich, mas lembra suas glórias: o seu primeiro ato geopolítico foi transferir a capital de volta para a Berlim do Portal de Brandemburgo e do Reichstag, símbolos da Unificação de 1871.
Há algo de circular, e muita ironia, na história do Estado alemão. Há um século, o poder que emanava de Berlim provocou o colapso do equilíbrio europeu, engolfando russos e franceses na guerra pela hegemonia continental.
Hoje, a Alemanha reunificada tem de novo as chaves da estabilidade européia.
Durante a Guerra Fria, a estabilidade européia repousava na dupla liderança, americana e soviética, sobre as alianças militares antagônicas. A RFA, englobada na Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), tinha importância marginal na Europa Ocidental, onde a Grã-Bretanha funcionava como parceiro privilegiado de Washington.
A RDA era só mais um Estado satélite do Pacto de Varsóvia.
Tudo mudou com o fim da Guerra Fria. A ascensão da Alemanha à condição de potência continental, no centro de uma Europa que já não está dividida pela “cortina de ferro”, reflete-se na força crescente do marco diante das débeis moedas dos países da União Européia (UE). A Alemanha encontra-se no centro de dois feixes de relações cruciais para o futuro do continente: a parceria com a França é vital para a integração européia; das relações com a Rússia depende a estabilidade do leste europeu em transição. Essa condição, de ponto de equilíbrio da Europa, transforma a Alemanha no parceiro privilegiado dos Estados Unidos.
O poder de atração da nova Alemanha manifesta-se na área dos antigos satélites soviéticos -especialmente a Polônia, Hungria, República Tcheca e Eslováquia- que orientam os seus projetos econômicos para a UE e solicitam a adesão à Otan. Ao mesmo tempo, a entrada da Áustria na UE e a independência das antigas repúblicas iugoslavas da Eslovênia e Croácia ajudam a reconstituir um espaço de influência direta alemã na Europa central.
A Alemanha não possui armas nucleares, como a Grã-Bretanha ou a França. Mesmo assim, o seu poder geopolítico ultrapassa o das decadentes potências vencedoras de 1945. A 2ª Guerra apaga-se no passado.
Conselho da ONU pode integrar derrotados
A notícia da rendição alemã encontrou as delegações de 50 Estados reunidas na Conferência de São Francisco, convocada para a criação de uma nova organização internacional.
A conferência, aberta a 25 de abril de 1945, foi concluída a 26 de junho com a aprovação da Carta da Organização das Nações Unidas.
A nova organização tomava o lugar da fracassada Liga das Nações.
A ONU nasceu sob os auspícios do espírito de paz e democracia. Os EUA punham de lado o seu tradicional isolacionismo, que vitimou a Liga das Nações, e ofereciam Nova York como sede da organização. A Carta definia os objetivos da ONU: defesa da paz mundial e dos direitos do homem, igualdade entre os povos. Mas o discurso universalista e igualitário não se refletiu nas estruturas de poder da organização. A Assembléia Geral, em que cada país tem direito a um voto, teria papel quase simbólico, de fazer recomendações ao Conselho de Segurança (CS). O Conselho, composto por cinco membros permanentes com direito a veto (EUA), URSS, Grã-Bretanha, França e China) e dez membros rotativos sem direito a veto, ficava com as rédeas do poder.
Meio século depois da sua criação -e meia década depois do encerramento da Guerra Fria- a ONU começa a reformar o CS. As discussões, previstas para o segundo semestre, podem redundar na inclusão dos derrotados da Segunda Guerra – a Alemanha e o Japão - como membros permanentes com direito a veto. Seria uma forma de adaptar a Organização à ordem pós-Guerra Fria, conservando o poder entre as mãos das potências.
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