Luís Inácio Lula da Silva, candidato do PT à Presidência, pretende dobrar os investimentos em ciência e tecnologia, oferecendo aos que saem da universidade em busca de emprego. Ele acredita que o desenvolvimento deva ser sustentado numa reforma agrária contra o latifúndio ocioso, como parte de uma política agrícola para resolver o problema da fome. Lula qualifica o Plano Real como “eleitoreiro” e diz que a equipe de FHC, o candidato do PSDB, esconde as medidas recessivas que teria que adotar para manter o Real estável. Lula pretende fortalecer os laços com a América Latina, relacionar-se com todos os blocos, fazer uma auditoria na dívida externa e praticar um protecionismo necessário ao desenvolvimento de alguns setores da economia e à criação de empregos. Pessoalmente contrário ao aborto, Lula promete assistência médica e psicológica às mulheres que o praticam em condições clandestinas e precárias – 5 milhões ao ano. Diz não acreditar na punição ao usuário de drogas, mas promete guerra aos traficantes. E ataca os que discriminam homossexuais. Lula defende o socialismo como uma democracia radical – política, econômica e social.
Lula não convence ao explicar que apoiaria uma invasão do Haiti mas não a de Cuba para acabar com a ditadura, preferindo tomar s dores do regime de Fidel Castro. E, como fez FHC, exagera a importância da participação que tiveram os “cara pintadas” na vida política nacional, num claro apelo eleitoral.
Leia, aqui, os principais trechos da entrevista.
A Redação de Mundo não tem preferência por qualquer dos candidatos. Sua intenção é contribuir, no limite de suas possibilidades, para o debate nas escolas. Com esse objetivo, publicamos na edição anterior uma entrevista com FHC, que divide, com Lula, os maiores índices de preferência nas pesquisas de intenção de voto.
JOSÉ ARBEX JR.-EDITOR
Mundo – Muitos jovens recebem o diploma universitário e deixam o Brasil para trabalhar em subempregos no exterior. Como você mudaria isso?
Lula – Há dois tipos de universitários que abandonam o país. Os que concluíram seus cursos com objetivo de uma inserção imediata na carreira de trabalho, e os que continuam carreira na universidade.
Embora as duas situações sejam dramáticas, a segunda tem um agravante, à medida que o Estado gasta centenas de milhares de reais para formar um professor/pesquisador durante anos, sem que seus conhecimentos possam reverter em proveito da sociedade. Exportamos cérebros.
A retomada do desenvolvimento, com ênfase no mercado de bens de consumo que provocará o crescimento da economia, associada ao nosso programa de criação de empregos, serão os meios para atrair os jovens de volta. Em relação aos que estejam em universidades e centros estrangeiros, o instrumento fundamental para trazê-los de volta será a nova política de ciência e tecnologia que meu governo irá implementar e que pretende expandir em 100% os investimentos nessa área.
Mundo – O governo Lula tem um programa claro para combater a corrupção?
Lula – A experiência de nossas administrações municipais dá credibilidade às nossas propostas de combate de corrupção. A melhor maneira é tornar o Estado transparente, multiplicando os instrumentos de controle da sociedade sobre o governo. Em quase todas as prefeituras do PT temos hoje a experiência dos orçamentos participativos. A sociedade contribui na proposta orçamentária, eliminando o clientelismo, controlando os custos e a execução dos gastos. Esta experiência será retomada, com modificações, no plano federal. As empresas estatais terão a participação de trabalhadores e usuários em sua gestão.
As políticas públicas (educação, saúde, ciência e tecnologia entre outras) serão geridas por organismos nos quais estarão presentes representantes do Estado e da sociedade.
Mundo – Muitos “cara pintadas” sentem que forma manipulados por políticos interessados em derrubar Collor em benefício próprio, especialmente depois que a CPI da corrupção no Orçamento terminou em pizza. Como você avalia essa questão?
Lula – Não creio que tenha havido manipulação.
Todos ficamos frustrados com o fato de que apenas alguns dos “anões” foram cassados, e nenhum preso, como ficamos frustrados com a impunidade do ex-presidente. Mas, talvez por ser mais velho, sou mais otimista. Há alguns anos, roubava-se tanto ou mais, e nem se ficava sabendo. Temos que pensar estas coisas numa perspectiva de longo prazo. Graças aos jovens parte da maracutaia foi descoberta e punida. Se a vigilância continuar, vamos ganhar mais transparência e fazer um governo fundado na ética.
Mundo – Como você vê as questões do direito ao aborto pelo Estado, do homossexualismo e das drogas?
Lula – O aborto, além de ser uma questão de saúde pública, tem dimensão ética e moral. Não pode ser uma decisão de governo, mas escolha da sociedade. Pessoalmente, não sou favorável ao aborto, mas não quero ser hipócrita. Cerca de 5 milhões de abortos clandestinos são feitos no Brasil por ano, a maioria em condições precárias.
Mulheres da classe média e alta praticam o aborto com todos os cuidados. A maioria das mulheres pobres o fazem nas piores condições.
AS conseqüências são conhecidas: mortes, graves seqüelas de saúde, esterilização.
Aborto não é método anticonceptivo. Precisamos, e teremos no meu governo – como tivemos e temos nas prefeituras governadas pelo PT – políticas contraceptivas, não impositivas, acompanhadas de campanhas de educação. As mulheres que abortarem terão todo apoio médico e psicológico na rede hospitalar e ambulatorial. O problema dos homossexuais é diferente. Trata-se de uma questão de cidadania.
Ninguém pode ser discriminado por sua orientação sexual. Ela será respeitada. O tema das drogas é angustiante. Não acredito que uma política de repressão aos que usam drogas tenha resultado. Mas o Estado tem que ser implacável com os traficantes, sobretudo porque cada vez mais eles se utilizam de crianças como escudo para suas atividades.
Mundo – Seus adversários dizem que você não tem experiência administrativa…
Lula – Para governar um país, necessita-se de experiência política e sensibilidade social, e eu tenho as duas. Governar não é administrar uma empresa.
Uma empresa busca o lucro, a rentabilidade.
O Estado busca o bem comum. Minha qualificação política eu posso demonstrar com minha trajetória pessoal. Sobrevivi à fome e à seca nordestinas, consegui uma formação técnico-profissional qualificada. Na fábrica, ganhei consciência dos problemas de minha categoria e fui para o sindicato.
Como sindicalista, ganhei consciência dos problemas de minha classe e participei dos mais importantes movimentos pela democracia, no fim doa anos 70. Na luta, ganhei consciência dos problemas do país. Fundei o mais importante partido dos trabalhadores da história da América Latina.
Ajudei a construir a maior central sindical do país e cheguei à condição de dirigente de uma grande alternativa política. Em reconhecimento a isso, milhares de quadros profissionais da mais alta qualidade estão conosco. Eles serão da maior importância para ajudar a administrar o Estado. Mas, francamente, os políticos tradicionais, com toda sua experiência administrativa, o que fizeram? Eles nos levaram para o buraco. Desta experiência eu não preciso, nem o Brasil.
Mundo – A divisão do PT entre “moderados” e “xiitas” não diminuiria sua capacidade de dar coerência à Administração?
Lula – O PT é democrático, com muitas correntes e sensibilidades. Nossas diferenças são resolvidas em debates, encontros e congressos, onde sempre é assegurada a palavra a todos. Que partido faz isso? Meu partido não é governado por caudilhos ou camarilhas. Nossas diferenças são políticas. Não temos, por exemplo, PT-Ético e PT-Corrupto. Por que não se pergunta a outros partidos como governarão o país com as suas divisões irreconciliáveis? Mas meu governo não será do PT, nem da Frente Brasil Popular pela Cidadania, mas a expressão de uma nova maioria que se formou neste país.
Mundo – Você propões a reforma agrária.
Como seria feita? O país pode assumir o risco de uma luta com latifundiários?
Lula – A reforma agrária, combinada com uma política agrícola ativa, será um dos instrumentos para uma revolução produtiva que assegure um aumento da oferta de alimentos, além de contribuir para o comércio exterior. A violência no campo não virá com a reforma. Ela já existe, e se não houver uma reforma, tenderá a aumentar. Os latifundiários que detém terras ociosas, que serão legalmente desapropriadas, não são acima da lei, que podem reagir com armas às políticas do governo e à vontade da sociedade.
Mundo – Qual a sua opinião sobre o Plano Real? Você ainda defende a moratória da dívida externa?
Lula – O Plano Real é eleitoreiro, um instrumento de curto prazo para favorecer a candidatura de FHC. Procura explorar o cansaço da sociedade com a inflação. Os que criaram o Real vão enterrá-lo, pois não pode haver um plano consistente de combate à inflação se não atacar as suas raízes. E isto os autores do plano não explicam. Eles querem esconder as receitas amargas que aprontam para a população. Vou criar condições para que a estabilidade seja duradoura, como para que os trabalhadores tenham mais dinheiro no bolso. O combate à inflação exigirá o controle dos monopólios e oligopólios, pôr fim à ciranda financeira, o que obrigará a um alongamento do perfil da dívida interna. É preciso fazer com que o dinheiro que se investe no curto prazo, na especulação, seja dirigido ao financiamento de longo e médio prazo da atividade produtiva. Para terminar a inflação, é preciso contrato coletivo de trabalho, câmaras setoriais para decidir preços e salários e, sobretudo, muita negociação entre governo, trabalhadores e empresários. O acordo que o governo assinou sobre a dívida externa é mau. Propomos uma auditoria sobre o conjunto da dívida, renegociar a parte em discussão no Clube de Paris e pagar o restante, desde que não comprometa nossas metas econômicas. Se isso produzir um impasse, tentaremos renegociar.
Mundo – Recentemente, você defendeu a possível invasão do Haiti para “restabelecer a democracia”.
Essa posição não contradiz a condenação do bloqueio americano a Cuba?
Lula – Eu disse que a situação do Haiti é inaceitável, pois um presidente eleito foi deposto por uma camarilha de militares. Fico preocupado com a impotência da comunidade internacional diante desse fato. Estamos em contato com a equipe do presidente deposto Aristide para apoiar a melhor solução. A situação de Cuba é diferente. O boicote dos Estados Unidos é desumano e improdutivo. Isso eu disse pessoalmente ao deputado Torriceli, que é o autor da lei que autoriza o embargo. Se Washington pensa que vai derrubar Fidel com o bloqueio, estão enganados. A melhor maneira para que Cuba evolua democraticamente é permitir que supere suas graves dificuldades.
Mundo – Como o seu governo pretende situar o país em relação aos blocos? E a questão do protecionismo de mercado?
Lula – A prioridade de meu governo será a América Latina, em particular o Mercosul, que não pode se reduzir a apenas uma zona de livre comércio ou união alfandegária. Temos que articular políticas agrícolas e industriais comuns, cooperação científica e tecnológica e intercâmbio cultural, e inclusive pensar em formas de cooperação política mais estreitas. Devemos expandir nosso intercâmbio com a União Européia e com o Nafta. Mas o Brasil deverá estabelecer relações muito estreitas com países como a Índia, China, Rússia e África do Sul. O protecionismo persiste como prática mundial, apesar das declarações sobre livre comércio. O Brasil buscará abrir sua economia, mas pode estabelecer mecanismos de proteção provisória para favorecer a expansão de setores em vias de implantação além de garantir emprego e crescimento.
Mundo – Você se considera socialista?
Lula – Eu me considero socialista. O socialismo é uma forma de levar a democracia às últimas conseqüências, de socializar a política, de fazer com que todos possam ser sujeitos políticos.
Mas para isso é preciso construir uma democracia que seja política, mas também econômica e social. Não sei que formas concretas terá essa nova sociedade. O socialismo que nós queremos não será conseqüência de nenhum modelo intelectual prévio, mas resultado das lutas e da eleição política dos trabalhadores.
Mundo – Por que um jovem leitor deveria votar em você para presidente?
Lula – Minha candidatura é expressão do mais importante movimento de renovação que esse país já viveu. Começou nos anos 70, unindo trabalhadores, intelectuais, estudantes e todos os que estavam excluídos do sistema político.
Este movimento, do qual o PT foi conseqüência, mudou a cultura política do país. Minha candidatura é expressão de u sentimento libertário que foi invadido essa conservadora sociedade brasileira.
“A melhor maneira de combater a corrupção é tornar o Estado transparente, sob controle
Da sociedade.
Não creio que uma política de repressão aos que usam drogas dê resultado, mas o Estado tem que ser implacável com os traficantes.
Os políticos tradicionais, com “experiência administrativa”, nos levaram para o buraco.
O Plano Real é eleitoreiro. Os que criaram o Real vão enterrá-lo.
A violência no campo não virá com a reforma agrária. Ela já existe, e tenderá a aumentar se a reforma não for feita.
A prioridade de meu governo será a América Latina, em particular o Mercosul”
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