Jayme Brener, 34 anos, é sociólogo, jornalista e editor de Brasil da revista Isto É. É autor de ‘‘Leste europeu – a revolução democrática’’, ‘‘Tragédia na Iugoslávia’’, ‘‘Ferida aberta -o Oriente Médio e a A Nova Ordem Mundial’’ (todos pela Atual, SP) e ‘‘O mundo pós- Guerra Fria (Scipione, SP)
A novidade chegou na segunda-feira, dia que costuma ser tranquilo na redação da revista Isto É: “Você vai para Israel”. A revista topara me mandar para lá, depois de confirmada uma entrevista com o chanceler Shimon Peres, a qual eu vinha tentando obter nos últimos 18 meses. Um esforço justificado, já que Peres foi, talvez, o principal responsável israelense pelos esforços de paz, que conduziram -em 1993- ao acordo entre seu país e a OLP. Esperava, também, fazer outras matérias durante os sete dias da viagem: uma entrevista com Iasser Arafat, da OLP, outra com o chanceler brasileiro Luiz Felipe Lampreia, que visitaria Israel, e uma conversa com Salomon Perel, personagem do filme ‘‘Europa, Europa’’, um judeu polonês que, por conta de incríveis acasos, passou a Segunda Guerra na Juventude Hitlerista. E uma visita a uma colônia de judeus radicais na Cisjordânia. Com muitas idéias na cabeça e uma malinha quase vazia na mão, embarquei. Ansioso, é claro. Não voltava a Israel desde os 17 anos, quando -ainda sionista ensaiara a emigração. Ensaio frustrado: não gostei dos israelenses e, principalmente, de como eles tratavam os palestinos sob ocupação.
Desembarque em Tel Aviv. O primeiro choque foi com o enriquecimento da sociedade israelense. A vida frugal, herança dos pioneiros sionistas, foi substituída pela ostentação de um país de Primeiro Mundo. Hotéis impressionantes na orla marítima de Tel Aviv, quase todas as pessoas têm carros (sempre os Subaru japoneses,que, sabe-se lá porquê, têm a preferência de 40% dos israelenses). Até os Sabras, como são conhecidos os naturais do país, parecem menos ásperos e arrogantes. O que não mudou foi a segurança onipresente, na forma dos garotos que prestam três anos de serviço militar as mulheres fazem dois anos. Em uma semana de hotel, em Jerusalém, vi duas ameaças de bomba. Uma era verdadeira, a polícia fez explodir dentro de uma campânula, o que fez o chão tremer. Ninguém nas ruas se alarmou.
‘‘Só temos uma saída: o Mercado Comum do Oriente Médio’’ (chanceler Shimon Peres)
A entrevista com Peres estava marcada para um domingo (lá é dia útil), em Jeruslém. Tive tempo de encontrar um velho amigo, o médico brasileiro Francisco Moreno de Carvalho, que emigrou e dedica-se ao estudo da relação entre a Medicina e Filosofia judaica. Pacifista de carteirinha, Chico narrou os mais recentes debates na sociedade israelense. O país, por exemplo, já tem seu primeiro embaixador não judeu (muçulmano, enviado à representação na Finlândia) e muitos árabes estão fazendo serviço militar, obrigatório só para os judeus.
Será que se trata de passos rumo ao fim do Estado judeu semi teocrático? Não responde Shimon Peres. “Os judeus de todo o mundo só têm um Estado, e não deverão abrir mão dele”. Sinal de que os árabes israelenses, mesmo votando e sendo votados, continuarão como cidadãos de segunda classe. Impressionante esse Peres, que dividiu, em 1993, o Nobel da Paz com Arafat e com seu primeiro ministro, Yitzhak Rabin. Aos 72 anos, Peres é um estadista do século 21. Não se entusiasma com a discussão sobre o presente do processo de paz. “O mundo está se dividindo em blocos. Não é hora mais de conversar sobre a relação entre Israel e seus vizinhos árabes, mas sim entre a relação entre o Oriente Médio e o futuro. Só temos uma saída: o Mercado Comum.” Peres sai de seu escritório quase espartano, cheio de fotos do amigo Hussein, o rei da Jordânia, com muito medo de que uma eventual vitória do partido de direita Likud nas eleições do próximo ano bloqueie de vez o difícil processo de paz.
Israel foi cruel em três décadas de ocupação
Em seguida, fui para Gaza, sede do governo autônomo da OLP. A tiracolo, o experiente Moisés Rabinovitch, jornalista do Estadão, e o motorista Akran generoso em árabe-, 15 filhos, 23 irmãos. Generoso às pampas. Gaza, uma das cidades mais velhas do mundo (tem uns 7 mil anos) é um horror. Quase 1 milhão de pessoas esprimidas em vielas que não são arrumadas desde os anos 20. Esgotos a céu aberto. Israel foi cruel em três décadas de ocupação.
À porta de cada loja, sempre três ou quatro homens tocando café turco -sem coar- ou fumando narguilé. Não há emprego, e quando ocorre algum ato terrorista em Tel Aviv ou Jerusalém, os israelenses fecham a fronteira. Resultado: os palestinos de Gaza não podem trabalhar como pedreiros ou funcionários de hotéis- em Israel. A família passa dificuldades.
A sede do governo palestino é um prédio sem graça, estética de padaria, segurança zero, apesar das dezenas de homens bigodudos que circulam em dez (isso mesmo, dez) uniformes diferentes. Há até uma unidade de paraquedistas, apesar da inexistência da Força Aérea palestina.
Eu e Rabinovitch conseguimos falar por 5 minutos com Arafat, graças ao chanceler Lampreia. Arafat parece doente: aos 66 anos, está pálido, balbucia às vezes. Abu Amar, ou o Velho, como Arafat é reconhecido, enfrenta sua batalha mais difícil: construir um Estado a partir do nada, prensado entre os israelenses –negociadores duríssimos- e a oposição islâmica. De consolo, começam a surgir os primeiros prédios modernos na praia de Gaza, que poderia ser uma das mais belas do mundo, mas está tomada por sujeira. Resta saber se os prédios não servirão apenas para alojar os burocratas da OLP, muitos deles conhecidos corruptos. Boa sorte, Abu Amar.
‘‘Árabe bom é árabe morto’’ (extremista judia brasileira em Kdumin)
Próxima etapa: Kdumin, colônia de judeus extremistas perto de Nablus, na Cisjordânia. Um choque.
Sei lá, imaginava os 120 mil colonos instalados em trailers, uma coisa meio improvisada... Bobagem. As casas são cinematográficas, muitas com piscina, em uma paisagem belíssima, bíblica, repleta de oliveiras. Não é à toa, nem só por ideologia, que os colonos não querem sair. Para justificar sua permanência fazem uma salada entre argumentos bíblicos, políticos (“os palestinos devem ir para os países árabes”) e até “naturalistas”. Uma brasileira disse estar lá “para fugir à violência do Rio de Janeiro”. Quando perguntei o que faria se a área fizesse parte do acordo de autonomia palestina, ela não titubeou: ‘‘A gente dá uns tiros e resolve tudo, porque você sabe, árabe bom é árabe morto”. Que coisa, seu...O Chico explicou o imbroglio ideológico. “Eles misturam o extremismo com a utopia do Homem Novo,presente tanto no fascismo quanto no comunismo, e que orientou os pioneiros do sionismo, no início do século.” É o que também acha Salomon Perel, o simpático e baixinho ex-comunista que passou a Segunda Guerra nas fileiras do nazismo. “Quando nós, os sobreviventes, chegamos da Europa, fomos recebidos em Israel com escárnio.
Falávamos o ídiche, a língua velha, e não o hebraico dos jovens.
Os próprios israelenses nos chamavam de sabonin, os sabõezinhos, acusando-nos de não termos resistido a Hitler...’’
Emoções fortes para uma semana em Israel. No único dia livre, um passeio pela Jerusalém antiga, um dos pontos mais bonitos e mágicos do planeta. Chego ao Muro das Lamentações, que tem, do lado oposto, a Mesquita de Omar. De repente, vejo um grupinho de judeus de preto, rezando aos berros junto à muralha.
Que será isso? Me aproximo e percebo. Do outro lado do muro, um grupo de muçulmanos também rezava aos berros. Os dois magotes de fiéis competiam para ver quem molestava mais alto as inchadas orelhas de Deus.
Um retrato ideal do Oriente Extremo, digo, Médio.
Boletim Mundo Ano 3 n° 5
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