terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Entrevista Exclusiva- Eleições Presidenciais Brasil 1994

FHC promete guerra à burocracia estatal e “revolução” no Ensino
O senador Fernando Henrique Cardoso, candidato do PSDB à Presidência, promete que, se eleito, vai revolucionar a educação, com estímulos à maior participação dos Estados no ensino do 2º grau e universitário, fortalecendo o ensino público gratuito, e promovendo a redução radical da burocracia das universidades federais. FHC aposta na vocação «universalista» da diplomacia brasileira como trunfo para inserir o país na busca variada de parcerias e melhores condições de negócios no jogo dos blocos econômicos, e diz que o Plano Real vai eliminar a inflação.
O candidato rebate as acusações segundo as quais o Plano Real teria uma função eleitoreira. Diz nunca ter declarado que tem “um pé na cozinha” (frase amplamente atribuída a ele pela imprensa e criticada como apelo populista ao voto de negros e mulatos). FHC fala, ainda, de drogas, aborto, homossexualismo, criminalidade, corrupção e crise econômica.
Em vários momentos da entrevista, FHC mostra-se vago. Por exemplo, ao afirmar – sem explicar, de fato – que o Plano Real é diferente das reformas aplicadas na Argentina, Chile e México. Ecoando uma péssima tradição da política nacional, ele tenta capitalizar a euforia causada pela conquista do tetracampeonato de futebol , e apela à simpatia dos leitores de Mundo ao dar um peso político desproporcional aos estudantes cara pintadas.
Leia, aqui, os principais trechos da entrevista.
Mundo – Com base em sua formação acadêmica, que inclui a Sorbonne (Paris), qual sua opinião sobre a universidade brasileira?
FHC – A educação, junto com o emprego, a agricultura, a segurança e a saúde são meus compromissos de governo. O Brasil até tem ilhas de excelência no ensino universitário. Mas este precisa ser revisto.
Ele consome quase 70% das verbas do MEC, atendendo a apenas 22% dos jovens matriculados no ensino superior. Dos demais, 13% estão em escolas estaduais e 65% pagam pelos estudos em instituições privadas. As universidades federais estão afogadas de burocracia, são caras, obsoletas e mal equipadas.
Uma revolução na educação superior vai dar autonomia efetiva às universidades, mas condicionará as verbas que recebem à avaliação de seu desempenho na graduação dos seus alunos, nas pesquisas que promovem e serviços que prestam.
Mundo – O que o sr. pretende fazer para melhorar as condições de ensino? O sr.  pretende preservar a universidade pública e gratuita?
FHC – Temos que descentralizar a educação, com maior participação dos Estados nos ensinos do 2º Grau e Universitário. Uma das minhas metas vai ser menos gente na burocracia e mais qualidade e satisfação na sala de aula. O excesso de gastos em funções administrativas absorve os recursos para o que é essencial: recuperação dos professores, material didático, manutenção de escolas etc. Vou manter a universidade pública e gratuita. O ideal é que o ensino no Brasil fosse público e gratuito para todos.
Meu governo vai estudar a possibilidade de cobrar um adicional sobre o imposto das famílias ricas que tenham filhos na universidade pública.
Mundo – Todos os anos, milhares de jovens adquirem seus diplomas e sonham em sair do Brasil em busca uma vida com mais oportunidades no exterior.
Como resolver o desencanto?
FHC – Esse problema já foi mais agudo entre 1990 e 1992, quando a recessão destruiu empregos e esperanças, os salários foram aviltados. Em 92, os cara pintadas começaram a mudar este país. Nós estamos fazendo nascer um novo Brasil, como vimos agora com a conquista do tetracampeonato, quando um país feliz celebrou a vitória nas ruas.
Milhões de jovens experimentaram, pela primeira vez, o sabor de uma grande vitória do Brasil. As eleições deste ano serão uma oportunidade única. O governo Itamar está fazendo a sua parte. O Plano Real, elaborado por mim e minha equipe no Ministério da Fazenda, está derrubando a inflação e promovendo a estabilização econômica. Com isso, as  empresas serão levadas a investir no aumento da produção. Mais produção representa mais empregos e, assim, teremos uma recuperação gradual mas firme dos salários. Mais importante é a recuperação da confiança em nos mesmos e no país.
Mundo – Qual será a atitude de seu governo no que se refere a reivindicação da prática do aborto assistido pelo Estado?
FHC – A lei brasileira define que o aborto só será autorizado em casos de estupro ou em casos de ameaça direta a vida da mãe, mediante decisão judicial.
Mesmo nestes casos, a assistência pública tem sido deficiente. Proponho-me a melhorá-la dentro de um programa de assistência integral a saúde da mulher.
Mundo – E com relação ao uso das drogas, em particular ao que se refere a descriminalização das drogas mais leves, como a maconha?
FHC – Não estou convencido de que a descriminalização seja conveniente, embora o assunto venha sendo cada vez mas discutido em vista do fracasso das políticas de controle baseadas na repressão penal. Mas traficante e consumidor de drogas devem ter tratamento diferenciado. O primeiro deve ser duramente penalizado. O segundo deve receber toda a assistência terapêutica possível.
Mundo – Qual a sua percepção da “questão homossexual” (seu estatuto jurídico, casamento entre homossexuais etc.)?
FHC – As leis brasileiras não prevêem nenhuma sanção contra homossexuais. Homossexualismo é uma questão de foro íntimo e deve ser respeitada.
Mundo – O sr. tem sido submetido a criticas por ter declarado que tem “um pé na cozinha”. Seus adversários o acusam de preconceituoso e “estrangeiro” em seu próprio país.
FHC – Nunca fiz essa declaração e nem me sinto estrangeiro. O fato de ter vivido em outros países me permite afirmar com muito mais autoridade que amo o Brasil e acredito em seu potencial.
Mundo – Como seu governo pretende combater a corrupção e a impunidade?
FHC – Segurança não é apenas polícia nas ruas. É o compromisso e certeza de que a lei será cumprida com o fim da impunidade, da especulação, da remarcação de preços, da violência urbana e no campo, da pistolagem, do crime do colarinho branco, do extermínio e tráfico de menores, da lei do mais esperto.
Para tanto, minha primeira medida será propor ao Congresso e à sociedade uma ampla revisão da Constituição.
Temos que modernizar o Poder Judiciário para torná-lo crescente na vida da cidadania. O governo  Itamar já tem quase pronto um anteprojeto de reforma do Código Penal que vai acelerar a tramitação dos processos na Justiça. O atual código data dos anos 40 e permite todo tipo de protelação, gerando impunidade.
A criação do Juizado de Pequenas Causas Criminais vai julgar sem maiores burocracias pequenos delitos, contravenções e crimes como os acidentes de trânsito. Como chanceler, consegui que o Brasil fosse admitido no Comitê da ONU para Prevenção do Crime, e a partir de 1995 vamos receber ajuda da ONU para reformar o sistema penitenciário. Como ministro da Fazenda, regulamentei a criação do Fundo Penitenciário Nacional, que vai financiar a política criminal e penitenciária do meu governo.
Mundo – Seus adversários, Lula em particular, o acusam de ter praticado estelionato eleitoral mediante ao lançamento do Plano Real para ganhar votos, sem medir as conseqüências, segundo ele nefastas, que o plano terá a longo prazo. Como o sr. responde a isso?
FHC – Antes de tudo, o Brasil merece mais respeito.
O Real é consistente e vai derrubar a inflação.
O Real não trouxe nenhuma pirotecnia, nenhum confisco de contas correntes ou poupança. Foi anunciado com antecedência e submetido ao debate.
Como pode ser estelionato um plano que derruba a inflação e a ciranda financeira? Temo que Lula esteja querendo eleger-se em cima da miséria, da fome e da inflação.
Mundo – No México, no Chile e na Argentina, onde foram praticados reajustes estruturais no estilo proposto pelo Plano Real, houve encolhimento da classe média, quebradeira das empresas nacionais que não suportaram a competição com as estrangeiras e inflação em dólares (17% ao ano na Argentina).
Como o sr. vê essa questão?
FHC – O Plano Real não tem nenhuma semelhança com os planos executados naqueles países.
Primeiro, porque não é recessivo. Ao contrário, vai criar empregos à medida que leva empresas a investirem no aumento da produção que vai gerar consumo.
Além disso, a economia brasileira é muito mais complexa e sofisticada do que a do México, Chile e Argentina. As empresas brasileiras se adaptaram muito bem à abertura de mercado.
Mundo – Que política o seu governo pretende adotar com relação aos blocos econômicos (Nafta, Mercosul, União Européia, Japão e Tigres)?
FHC – Os Estados Unidos são nosso parceiro individual mais importante e com quem o Brasil tem procurado desenvolver uma agenda positiva. A UE, em conjunto, é nosso primeiro parceiro comercial e o Pacífico é a área que mais cresce rapidamente. Temos vocação universal, e portanto maior facilidade de variar as parcerias. Nossa inserção na economia global depende a estabilidade interna e da retomada do crescimento, o que acontecerá agora com o Plano Real. O Brasil é também um país pan-americano.
Compartilhamos com a África nossas raízes étnicas, culturais e históricas, e o destino comum de transformação do Atlântico Sul num espaço de cooperação econômica.
Mundo – Que estratégia o seu governo adotaria para impedir a anexação do mercado brasileiro ao norte-americano, como acontece no México?
FHC – Essa anexação é impossível. O PIB brasileiro deve estar hoje em torno de 500 bilhões de dólares, muito maior do que o mexicano Mundo – Qual será sua política com relação à divida externa?
FHC – A dívida externa já foi equacionada em termos satisfatórios para o Brasil quando eu era ministro da Fazenda. Agora, falta resolver a questão da dívida interna. A retomada do crescimento, a estabilidade econômica, de uma política monetária austera e da retomada do crédito público no governo vão permitir um alongamento do perfil desta dívida. Isso será feito sem traumas, sem calotes, mediante uma negociação clara e transparente com os credores e a sociedade.
Mundo – Embora tenha passado por um processo de democratização, a América Latina ainda está ameaçada por golpes, como no Peru, Haiti e Venezuela. Como o sr. vê essa questão no Brasil?
Qual será sua relação com os militares?
FHC – O Brasil foi o primeiro país a afastar seu presidente pacificamente e pelas vias constitucionais.
Não enfrenta nenhuma questão militar, muito menos possibilidade de golpe. As relações com os militares serão aquelas previstas pela constituição, que determina que o presidente da República é comandante- em-chefe das Forças Armadas.
Mundo – O aumento da criminalidade criou uma síndrome de segurança, com reflexo na militarização das polícias. Como o sr. analisa o massacre praticado na Casa de Detenção do Carandiru, em outubro de 93, e a impunidade dos responsáveis?
FHC – O massacre do Carandiru, como o da Candelária ou do Vigário Geral (RJ) reflete a banalização da vida provocada pela miséria, que é uma das faces da mesma moeda pervertida que provoca a violência, a corrupção, e extermínio de menores, a lei do mais esperto. Esses massacres só merecem nossa repulsa. O Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana do Ministério da Justiça investigou o caso do Carandiru e recomendou a expulsão dos oficiais que comandaram a invasão, a indenização dos familiares dos mortos e a abertura de processo criminal contra os 350 PMs que participaram da operação. As investigações criminais em torno do caso estão a cargo da 4º Auditoria Militar de SP e o promotor Luís Roque Lombardo já denunciou os oficiais e mais 120 PMs. O comandante pode ser condenado a até 400 anos de prisão.
Mundo – Como o sr. pretende lidar com a questão da segurança, em particular em situações-limite como a do Rio? O sr. contempla a possibilidade de ampliar a intervenção do poder central?
FHC – Não hesitarei em recorrer à Constituição para determinar a intervenção das Forças Armadas na manutenção da segurança pública, se isso for necessário.
Forças militares foram empregadas para garantir a segurança da Conferência Mundial Sobre o Meio Ambiente, no Rio, em junho de 1992. Essas tropas também garantiram a distribuição dos reais no país. Em 1993, o presidente Itamar Franco determinou a intervenção militar no Comando da PM de Alagoas para expulsar dali o crime organizado.
Mundo – Por que o jovem deveria votar em FHC?
FHC – Recentemente, milhões de jovens descobriram o que é a felicidade de ser tetracampeão. Depois de muito tempo, o sonho se tornou realidade.
Está na hora de mudarmos este país. Vamos eliminar a miséria, a corrupção, a impunidade, o atraso, a doença. Vamos tomar em nossas mãos o sonho do Brasil grande, justo, generoso e solidário.
A Redação do Mundo não tem preferência por qualquer dos candidatos. Sua intenção é contribuir, no limite de suas responsabilidades, para o debate nas escolas. A próxima edição do boletim trará uma entrevista com o candidato Luís Inácio Lula da Silva (PT), já acertada com seu comitê eleitoral. Lula divide, com FHC, os maiores índices de preferência nas pesquisas de intenção de voto.
JOSÉ ARBEX JR. EDITOR

Nenhum comentário:

Postar um comentário