Governo cubano aposta no turismo contra a crise, relata o prof. Reinaldo Scalzaretto
Podemos andar horas pelas ruas de Havana sem encontrar ninguém gordo. Na Praça da Revolução, uma historiadora da Universidade de Havana diz, resignada, que perdeu oito quilos nos últimos dois anos, pois só consegue fazer uma refeição completa por dia e é obrigada a andar a pé para chegar ao trabalho. A fome parece atingir a todos.
À noite, no bar e restaurante La Floridita, onde Hemingway se encharcava de Daiquiris, encontro pela primeira vez alguém gordo. O garçom deve pesar uns 100 quilos. Ele garante que a natureza é a responsável por seu estado, que ele não faz nenhum “esforço” para manter esse peso. Para o coronel aposentado, atacante do Quartel de Moncada e guerrilheiro em Angola que hoje sobrevive vendendo livros usados, a fome é culpa dos dirigentes cubanos. A ênfase que se deu durante décadas para agricultura da cana, comprada pela URSS por preços até quatro vezes superior ao do mercado internacional, desestruturou a produção alimentar e gerou uma dependência externa fatal.
As estruturas de poder em Cuba estão passando por uma renovação rápida, fato que se denota pela recente posse de novos dirigentes em 7 de suas 15 Províncias (Estados). Outro indicador foi a aprovação,em maio, de reformas que suspenderam a gratuidade de diversos serviços públicos. O Conselho de Ministros acredita que dessa forma poderá diminuir os gastos do Estado, rebaixar o déficit estatal e diminuir a liquidez monetária, além de contribuir para a disciplina social e a correta valorização dos serviços que o Estado presta.
A partir de setembro – quando começa o novo ano escolar -, os estudantes terão que pagar sete pesos por mês pelo almoço que recebem nas escolas.
Os tabletes do composto vitamínico Neovitamin II, que eram distribuídos gratuitamente, passaram a ser vendidos por cinco pesos. Deixaram de ser gratuitos as entradas em museus, espetáculos e exposições.
Muitos temem que essas medidas deteriorem a saúde da população, um dos maiores sucessos da Revolução.
As campanhas de imunização após 1962 erradicaram a poliomielite, tétano infantil, difteria e praticamente extinguiram os casos de rubéola, sarampo e caxumba. Foram eliminadas a raiva humana e o paludismo. Cada criança que nasce recebe, anualmente, imunização para 12 diferentes tipos de doenças. Como resultado, o país apresenta a menor taxa de mortalidade infantil da América.
Mas o Estado parece determinado a continuar as reformas. Recentemente, foi encaminhado ao Legislativo um pacote fiscal que prepara o país para relações econômicas que, no mínimo, são semelhantes às encontradas no capitalismo. A proposta engloba taxação de lucros pessoais com compra e venda de bens e propriedades, e a cobrança de impostos para os empregadores. O problema é saber se as reformas serão rápidas para evitar que o sistema entre em crise. A escassez de alimento precisa ser resolvida urgentemente. A passa por transformações do sistema produtivo rural, que necessita elevar sua produtividade. A indústria alimentícia precisa ser ampliada, para facilitar a distribuição dos produtos pelo país – relativamente grande, com estradas mal conservadas e falta de combustível. Além disso, os turistas se sentem mais seguros em consumir produtos industrializados semelhantes aos que conhecem em seus países, além de Cuba poupar divisas com a importação de bens de consumo simples como manteiga, geléia, leite, carne etc.
O turismo foi eleito como a mais promissora e imediata fonte de dólares. Importantes grupos, especialmente espanhóis, italianos e alemães estão investindo no setor. Por toda parte, imensos hotéis são construídos, bares e restaurantes tradicionais reformados.
A liberação do uso de dólares pelos cubanos ampliou o comércio interno. Nas lojas estatais de importados, onde só se paga em dólar, o movimento é intenso e a maior parte dos clientes é cubana. Onde conseguem os dólares? Nas áreas mais freqüentadas pelos turistas os chicos pedem una moneda, artesãos vendem de tudo, bares proliferam, conjuntos de música típica tocam nos restaurantes. Mas, a maior fonte está nos restaurantes finos, onde uma exótica lagosta à mariposa custa 36 dólares, o equivalente no câmbio negro ao salário de um mês de um trabalhador médio. Outra fonte é a prostituição. Os cubanos com quem conversamos apontam como maior problema social, ético e moral a proliferação das jineteras (cavalgadoras). Nos hotéis de categoria elas são conhecidas dos porteiros e gerentes que fazem vista grossa à sua presença. Por preços que variam de 20 a 50 dólares, muitos turistas as levam para seus quartos.
Moralismo à parte, a grande questão é encontrar formas racionais de luta para a sobrevivência do socialismo e manutenção de suas conquistas.
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