Conflito tem origem mais remota no século 19; mas, como diz o escritor peruano Mário Vargas Llosa, motivações imediatas são de natureza político-eleitoral
Durante o mês de janeiro, para surpresa geral, iniciou-se um conflito entre dois países da América do Sul, uma região do mundo que, aparentemente se mostrava imune aos questionamentos de fronteiras.
Depois de 15 dias de pequenas escaramuças, Peru e Equador assumiram uma condição de beligerância mais aberta. Isso se verificou num pequeno trecho da fronteira comum entre os dois países, numa distante região montanhosa, coberta por densas matas, conhecida como Cordilheira do Condor.
Para o escritor Mario Vargas Llosa, o conflito não passa de uma aventureira de natureza eleitoreira. O atual presidente peruano, Alberto Fujimori, estaria, segundo Vargas Llosa, tentando angariar apoio popular e entre as Forças Armadas para assegurar sua reeleição, em abril. O objetivo do presidente - diz Vargas LLosa- não é a preservação da fronteira mas, perpetuar a ditadura através de sua reeleição ainda em 1995.
Para o escritor, Fujimori tinha necessidade de empreender alguma ação que o mantivesse no poder, cuja legitimidade foi perdida após o golpe de 1992, quando o presidente dissolveu o congresso de de seu país e atribui-se poderes excepcionais. O conflito com o Equador teria sido, nesse sentido, apenas uma ação oportuna.
De um ponto de vista histórico, esse conflito entre os dois países tem raízes que remontam à segunda metade do século XIX.
Os primeiros confrontos entre peruanos e equatorianos datam de 1859. Em 1887, foi tentada uma arbitragem internacional pelo rei da Espanha, que previa o acesso do Equador à bacia Amazônica através do rio Marañon.
Essa proposta não foi aceita pelo Peru.
O confronto mais importante entre os dois países ocorreu em 1941, e foi vencido pelo Peru que abocanhou mais de 50% do território original de seu vizinho. Ao final do conflito, foi assinado um Tratado de Paz, Amizade e Cooperação ou Protocolo do Rio, que teve como avalistas Brasil, Argentina, Chile e Estados Unidos.
Até então, nenhum tratado havia sido fixado entre os dois países, à exceção, do protocolo de amizade e aliança de 1832. O Protocolo do Rio, assinado em 1942, confirmou os ganhos territoriais do Peru obtidos no ano anterior e, só foi aceito pelo Equador por duas razões: 1 - As pressões norte-americanas, que visavam concluir rapidamente um tratado, em função de seu envolvimento cada vez maior na Segunda Guerra Mundial; 2 - Guayaquil, o principal porto equatoriano, estava prestes a cair em mãos peruanas.
A pressa e as imposições do Protocolo do Rio ao Equador serviram de argumentos para que os equatorianos se julgassem prejudicados.
A descoberta de “erros geográficos essenciais” veio consolidar ainda mais a posição do Equador. Em 1960, o governo equatoriano repudiou oficialmente o Protocolo do Rio. Na época, o presidente do país afirmou que os tratados assinados com um canhão no peito dos mais fracos não podem ser considerados legais.
O que está em jogo agora não são os territórios perdidos em 1941, mas sim 78 quilômetros de fronteiras não demarcadas, numa região habitada quase que exclusivamente por indígenas.
Em 1981, os equatorianos estabeleceram uma pequena guarnição militar nesse local.
Quando o fato foi detectado pelos peruanos, originou-se um clima de tensão que desembocou em choques entre soldados dos dois países. Como resultado, o Equador resolveu retirar-se da região.
Dez anos depois, os dois governos assinaram um “pacto de cavalheiros”, mediante o qual o governo peruano permitia, estranhamente, a presença de “postos de vigilância” do Equador naquela área. Os equatorianos, em contrapartida, se comprometiam respeitar a fronteira! Aparentemente, este estranho acordo visava elevar a figura de Fujimori à condição de estadista, à medida em que sua ação poria fim a um século e meio de litígios.
Contudo, este conflito, apesar de sua pequena repercussão, somado à crise do México e à revolta de Chiapas podem reverter a imagem positiva que a América Latina estava conseguindo perante o mundo.
Erro geográfico deu pretexto para o conflito
Quando o Protocolo do Rio foi assinado em 1942, o Equador aceitava o fato de que uma parcela considerável de seu território (cerca de 55%) passaria a pertencer ao Peru. Com o fim da Segunda Guerra, foi iniciada a demarcação dos 1.600 km. De fronteira comum entre os dois países, com o auxílio da aviação dos Estados Unidos.
Contudo, 78 km dessa fronteira nunca foram demarcados, porque um acidente geográfico mencionado no acordo -o divisor de águas entre os rio Zamora e Santiago-, não existia como se imaginava.
Entre esses dois rios havia um vale cortado pelo rio Cenepa, que não constava de nenhum mapa usado na feitura do acordo.
Para os equatorianos, a descoberta desse rio invalidava o acordo.
Fora isso, a possível soberania do Equador sobre o Cenepa daria ao país o almejado acesso ao rio Marañon e à bacia Amazônica.
Para o Peru, o Protocolo do Rio deveria ser respeitado, apesar da nova descoberta. O Cenepa deveria ser parte de seu território.
Esse choque de direitos e interesses não é o único nas regiões amazônicas, quase sempre pouco povoadas e de difícil acesso.
Por exemplo, as fronteiras entre a Güiana e a Venezuela têm apresentado momentos de tensão, assim como a fronteira em Venezuela e Brasil.
O que se receia é que o conflito entre Peru e Equador eventualmente acenda o estopim de conflitos semelhantes, aos quais, imaginava-se, a América do Sul estava imune.
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