Li Ming, leitora do boletim, visitou Formosa, Hong Kong e a China no começo deste ano, e faz aqui um relato daquilo que viu. Li Ming é só um pseudônimo. Por excesso de zelo ou timidez, a leitora preferiu ocultar seu verdadeiro nome
Todos os anos, o Centro Social Chinês no Brasil e o Governo de Taiwan organizam uma viagem a Formosa para descendentes de chineses, jovens entre 16 e 25 anos. Neste mês de janeiro, foram cerca de 300 pessoas, provenientes do Brasil, Argentina, Paraguai, Costa Rica, Peru, Panamá e Uruguai. Na primeira aula de língua e cultura chinesa, em Formosa, a professora explicitou o objetivo da excursão: propiciar casamentos “dentro da raça”. Chineses são chineses, mesmo se forem paraguaios. Por 21 dias, visitamos fábricas, atrações turísticas (templos e...bases militares !), parques, museus. Fora da excursão, passei depois 15 dias nas “outras” Chinas: Hong Kong, e a China.
Formosa
Nesses tempos de comércio e investimentos na China, Formosa guarda os ritos e costumes do passado. No aeroporto, portadores de passaporte chinês são separados para controle rigoroso, enquanto os estrangeiros são liberados sem burocracias. O serviço militar obrigatório dura dois anos, universitários servem nas férias e mais 20 meses depois de diplomados. As rodovias exibem sinalização especial, para funcionarem como pista de pouso em caso de guerra. A economia do Tigre, fervilhante, refaz o tempo todo o caos. Em Taipé, a capital tomada por obras públicas e de construção, circulam carros importados, imundos, e ondas de motocicletas. O tráfego, caótico, entope, dia e noite, ruas estreitas e mal sinalizadas. Para piorar, as casas não têm garagens: coisa de milionário numa cidade onde o preço da terra é um dos maiores do mundo.
China comunista
Em Gui-Lin (no sul, 400 km. para o interior a partir de Guang-Zhou), fiquei em um hotel 4 estrelas, com programação de TV via satélite. Podia ser Nova Iorque. Lá fora, a China: velhas e crianças nos agarravam oferecendo artesanato a preço de banana. E, finalmente, o comunismo: na chegada a Pequim, percebemos que nossas malas tinham sido abertas e apenas dois maços de Marlboro tinham sido furtados. No túmulo do quinto imperador da China, policiais com cacetetes elétricos punham os visitantes em ordem aplicando choques. Os restaurantes para turistas, que cobram em dólar, são protegidos por policiais militares. A polícia está em toda a parte. No centro da Praça da Paz Celestial, a praça do massacre, desde 1989 cordões guardados por militares cerceiam o acesso ao parlatório, de onde os líderes estudantis incitavam o assalto ao céu.
Pequim, cidade grandiosa, impressiona pelos edifícios modernos, hotéis internacionais, largas avenidas com ciclovias.
A capital da China já tem Mc Donald’s, Pizza Hut, KFC, carros importados e muitos, muitos táxis. Enxames de bicicletas e poucas motos, que são caras e só podem ser compradas com autorização do governo (a eterna segurança: em 1989, os estudantes usaram motos para organizar a comunicação na cidade). Nos lábios das chinesas, o sinal dos novos tempos: batom. Numa das laterais da Praça da Paz Celestial, um imenso painel ostenta um relógio, que faz a contagem regressiva, com precisão de segundos, para a reincorporação de Hong Kong.
Hong Kong
A colônia britânica, que voltará a ser China em 1997,vive seus últimos meses entre os negócios e a apreensão. Na ponte entre a China “de dentro” e a China “de fora”, a explosão dos investimentos não mudou a vida da classe média: na kitchinete de uma amiga, mora uma família de 5 pessoas. As opiniões sobre a reincorporação parecem divididas.
Os velhos não acreditam em mudanças bruscas, os jovens fazem planos de mudança e sonham com o Canadá e a Austrália. São mesmo três Chinas e a prova está no idioma.
Em Hong Kong, usa-se o cantonês (dialeto do sul), não o mandarim, a língua oficial da China imperial e, desde 1949, da China comunista. Em Formosa, nem uma coisa,nem outra: na ilha, só se usa o taiwanês.
Deng Xiaoping
Crônica de uma morte que se anuncia
Não é necessário ser médico para saber que Deng Xiaoping, 91, ‘’homem forte’’ da China desde 1978, está à beira da morte. As poucas cenas recentes em que Deng aparece, mostram um homem incapaz de andar por si só. Sua morte altera o equilíbrio político da China. E como o país é estratégico (potência nuclear de 9,5 milhões km2 e 1,2 bilhão de habitantes), preocupa o mundo.
Não há transparência no processo sucessório chinês. Se é típico dos regimes comunistas disputar o poder através de golpes, alianças espúrias, complôs e assassinatos, mais ainda na China, onde a coluna vertebral do poder não está no Partido Comunista (PCC), e sim no Exército. Deng não era secretário geral do PCC, mas era chefe do Comitê Militar.
O prestígio militar na China não foi obra comunista.
Imperadores e senhores feudais (mandarins) eram chefes militares. Mao Tsetung, líder da revolução de outubro de 1949, prosseguiu a tradição. Todo o alto escalão da era maoísta, incluindo Deng, participou, em 1934, da Grande Marcha de 9.600 km liderada por Mao. A própria Marcha refletiu uma concepção militarista da revolução, com a qual Mao ganhou os camponeses para sua causa. Tática semelhante fora adotada dez anos antes no Brasil, pelo então tenente Luís Carlos Prestes, cuja coluna percorreu 25 mil km.
Deng foi um dos últimos chefes da Grande Marcha. A maioria morreu por velhice ou executada por Mao (como Stalin na URSS, o ditador chinês temia ser deposto por um complô dos antigos aliados).
Deng foi várias vezes ‘’expurgado’’ e ‘’reabilitado’’, demonstrando uma extraordinária capacidade de sobrevivência. Foi o seu prestígio junto aos velhos chefes militares que lhe assegurou o poder após a morte de Mao.
O ‘’pragmático’’ Deng Iníciou a liberalização econômica tão logo assumiu o poder. Criou as Zonas Econômicas Especiais (abertas ao capitalismo) e iniciou reformas estruturais. Teve, também, a ‘’honra’’ de comandar o massacre de 2 mil estudantes que pediam a democracia, em Pequim, em 4 de junho de 1989. Seu sucessor vai encontrar um país explosivo, com índices de pobreza alarmante, desigualdades sociais equiparáveis às existentes no Brasil e uma elite corrupta (a começar da família de Deng). No plano da política externa, enfrentará as pressões americanas para acelerar a ‘’liberalização’’ e endossar a formação de um megabloco no Pacífico sob a liderança de Washington.
A morte de Deng, provavelmente, só será anunciada quando os burocratas chegarem a um acordo sobre o sucessor. Será o momento de fechar os tubos que, eventualmente, mantêm ‘’vivo’’ o velho líder. A alternativa a um acordo na cúpula poderá ser uma sangrenta guerra civil.
Nenhum comentário:
Postar um comentário