quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

100 Anos de Sonhos

28 de dezembro de 1895: os irmãos Louis e Auguste Lumière,inventores do “cinématographe”, fazem a primeira exibição pública de cinema, no Grand Café, em Paris. Naquele dia, foram projetados filmes curtos, em preto e branco, de cenas captadas com a câmara parada e sem som.
Um destes filmes -um trem chegando à estação- assustou os espectadores, que acharam que poderiam ser atropelados pela locomotiva. Inaugurava-se, assim, há cem anos, a era do cinema.
Em sua origem, o cinema era um instrumento a serviço da ciência, prestando-se ao estudo dos movimentos. Os filmes eram breves e não contavam histórias. A invenção do ‘‘cinématographe’’ foi resultado do trabalho de muitos cientistas que, desde o século 17, idealizavam aparelhos que os ajudariam a estudar o movimento dos planetas e dos animais. Um mágico teatral parisiense, Georges Méliès, foi o primeiro a usar o cinema como espetáculo, sem preocupações científicas, lançando, em 1902, o filme ‘‘Viagem à Lua’’. Em 1915, o cineasta americano D. W. Griffith, com ‘‘Nascimento de uma Nação’’, de três horas de duração, dá aos filmes uma estrutura narrativa complexa, trabalhando a seleção de imagens e sua organização numa seqüência temporal na montagem. Griffith inventou o estúdio cinematográfico e o sistema de ‘‘estrelas’’ que consagrariam Hollywood como a maior produtora e exportadora mundial de filmes, conta o professor Nicolau Sevecenko, em artigo exclusivo para T&C.
Hollywood criou e exportou os seus ícones e sonhos de Rodolfo Valentino a Harrison Ford, de Mary Pickford e Theda Bara a Marylin Monroe e Sharon Stone. Clássicos como ‘‘Cidadão Kane’’ (Orson Welles), ‘‘Casablanca’’ (Michael Curtiz), ‘‘Apocalypse Now’’ (Francis Coppola), ‘‘Manhattan’’ (Woody Allen) e ‘‘Blade Runner’’ (Ridley Scott) são a vitrine de uma produção imensa, que inclui, apenas para citar alguns filmes, épicos (‘‘E o Vento Levou’’, ‘‘Ben Hur’’), musicais (com Fred Astaire, Ginger Rogers, Gene Kelly), comédias (com Jerry Lewis, Buster Keaton, Charles Chaplin), fantasia (Walt Disney), suspense (Alfred Hitchcock) e as superproduções atuais (‘‘Guerra nas Estrelas’’ de George Lucas, ‘‘ET’’ e ‘‘Indiana Jones’’ de Steven Spielberg, e o filme mais caro de todos os tempos, “Waterworld”, de Kevin Costner, de US$ 200 milhões, lançado em julho).
O monopólio de Hollywood jamais foi sequer arranhado pelas linguagens e estilos produzidos na Europa (do expressionismo alemão dos anos 20 ao lirismo contemporâneo do italiano Federico Fellini). Ao contrário, acabou incorporando alguns de seus melhores produtores. No Brasil, grandes estúdios chegaram, no máximo, a fazer paródias dos filmes de Hollywood (as ‘‘chanchadas’’, no caso da Companhia Atlântida) ou tentaram fazer filmes “sérios’’ e “politizados”, mas sem sucesso comercial (caso dos estúdios Vera Cruz). O ator, diretor e produtor Mazzaropi, que de ‘‘tonto’’ e ‘‘caipira’’ só tinha a cara, obteve um sucesso significativo, com uma série de comédias leves, produzidas nos anos 50-60, sobre a vida e as atribulações do ‘‘jeca’’.

A agitação dos anos 60, de certa forma sintetizada pela contracultura, levou ao surgimento do ‘‘cinema novo’’ em vários países, incluindo o Brasil. O “cinema novo” pretendia ser alternativa a Hollywood. Despojado, sem verbas, tratava de temas políticos e sociais. Na Alemanha, por exemplo, um “cinemanovista” foi Rainier Fassbinder, cujo filme ‘‘As Lágrimas Amargas de Petra Von Kant’’ é um retrato da decadência moral burguesa. No Brasil, destacaram-se Glauber Rocha, Nelson Pereira dos Santos, Joaquim Pedro de Andrade e Ruy Guerra (v. T&C nº 2). Outra vertente de vanguarda foi o cinema ‘‘underground’’ (subterrâneo), marginal. O artista pop Andy Warhol, por exemplo, filmou durante 8 horas a fio o prédio Empire State (em Nova York), com câmara fixa e sem som, apenas capturando interferências do acaso.
A versão brasileira, batizada de “udigrudi”, criou filmes “sujos”, “feios”.
Representam esta vertente Júlio Bressane (‘‘Matou a Família e Foi ao Cinema’’, 1969) e Rogério Sganzerla (‘‘O Bandido da Luz Vermelha’’, 1968).
Mas, depois de tudo, não importa se o filme é de Hollywood,‘‘underground’’, vanguarda ou comercial: ir ao cinema é um mágico ritual que se repete há 100 anos. Já se encontra de tal maneira presente em nosso cotidiano, que não nos damos mais conta desse jogo de sedução. No escurinho do cinema, o estalar do projetor demarca (ou abole?) a fronteira entre o mundo real e o fictício. O ronco da máquina anuncia que a fábrica de sonhos está a todo vapor. E convida a um vôo nas asas do grande pássaro da imaginação.
Boletim Mundo Ano 3 n° 4

Nenhum comentário:

Postar um comentário