Mais uma vez, a Argentina reabre as feridas causadas pela ditadura (1976-83). Dessa vez, ministros das Forças Armadas admitiram, publicamente, a participação da corporação na “Guerra Suja” que causou o desaparecimento de 30 mil pessoas. A tempestade foi provocada pela revelação, por parte de ex-capitão Adolfo Scilingo,de que a Marinha atirava presos políticos ao mar .
Esse episódio coloca uma indagação para o Brasil.
Também neste país as Forças Armadas torturaram, mataram e perseguiram. Também aqui há um trágico saldo de desaparecidos 144 pessoas-, cujos destinos jamais foram esclarecidos. Mas, no Brasil não existe um movimento expressivo para exigir a apuração dos casos e a punição dos responsáveis. A atividade de grupos de defesa dos direitos humanos, como o Comitê de Familiares dos Desaparecidos, Tortura Nunca Mais e Anistia Internacional ainda é débil para obrigar o governo a adotar qualquer atitude. E o governo mostra-se pouco disposto a isso.
Durante um encontro com o secretário-geral da Anistia Internacional, Pierre Sané, o presidente Fernando Henrique Cardoso disse que a questão dos desaparecidos provoca um indesejável ‘‘mal-estar’’ na cúpula dos Forças Armadas. Disse também que ele não julga ser ‘‘realista’’ a perspectiva de que o Estado brasileiro se disponha a punir os responsáveis pela repressão. Essa atitude é ainda mais decepcionante quando se recorda que, no passado, o então sociólogo FHC mantinha uma retórica de combate à ditadura militar e de defesa das liberdades fundamentais. Foi graças a isso, aliás, que construiu a reputação que o credenciou à candidatura à Presidência do país.
A exigência de que sejam apuradas as responsabilidades não tem nada a ver com uma atitude ‘‘revanchista’’ ou de ‘‘vingança’’ contra os militares. Ao contrário, trata-se de deixar muito claro para toda a sociedade que a Lei está acima de todos, e que deve ser cumprida. Somente assim a nação poderá coibir os abusos cometidos hoje por setores da polícia associados aos ‘‘esquadrões da morte’’, e eliminar o clima da violência que estimula a formação de quadrilhas de bandidos que proliferam nas ruas do país. Para que a Lei seja cumprida hoje, o passado deve ser resgatado e que a Justiça seja feita.
Revista Mundo Ano 3 n°3
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