quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Telejornalismo- A Imagem do Poder

“A televisão me deixou burro / muito burro demais / E agora eu vivo dentro desta jaula junto dos animais” (Titãs)
José Arbex Jr. Editor Geral de Mundo
O policial grita e tenta desligar as câmeras de TV. Caminha na direção do assaltante baleado.
Arrasta-o para  atrás da Kombi. Saca a arma e o fuzila – assim, a sangue frio. As câmeras são divulgadas pelo Jornal Nacional da Globo. Uma pesquisa de opinião realizada pela TVE do Rio, no começo de abril, indicou a aprovação do extermínio do “bandido” por parte de 85% dos entrevistados. Mas até que ponto esses 85% tinham mesmo consciência de que uma vida humana fora eliminada?
Os telespectadores não viram “o” fuzilamento, mas a sua tele transmissão. Não sentiram o cheiro de pólvora e sangue, não participaram da excitação, angústia, ódio, medo e violência liberados em frações de segundo, nem contemplaram o corpo se contorcendo em agonia e dor. Um operador de câmera escolheu um  certo ângulo de filmagem de cena; alguém nos estúdios da Globo fez cortes e montagem; houve o comentário do apresentador do telejornal; e, sobretudo, houve o fato de que o fuzilamento foi só mais uma das dezenas de cenas violentas que a TV exibe em jornais, novelas, filmes.
Em resumo, os telespectadores viram uma cena muitas vezes filtrada – tanto no sentido técnico, de algo que foi editado, quanto no sentido de que a cena participa de um ritual já conhecido: a TV é uma máquina de mostrar violência, e nisso não há nada de novo. A mesmice da cena anulou o seu caráter monstruoso. Como disse a pensadora Hannah Arendt, de tanto convivermos com o Mal ele acaba se tornando banal.
Em geral, não paramos para fazer reflexões.
Acreditamos que aquilo que a TV mostra é “a” realidade, e não “uma” realidade possível entre outras. Cedemos sempre ao poder da imagem: ver algo não exige esforço –ao contrário de escrever um texto ou ler um livro. Diante da imagem, a reflexão se apaga. A imagem cria a ilusão de estar revelando instantaneamente sua própria verdade.
A Casa Branca aprendeu isso com o Vietnã, no começo dos anos 70. As imagens sangrentas da guerra alimentaram os movimentos pacifistas que derrotaram os Estados Unidos. Na Guerra do Golfo, em janeiro de 1991, Washington montou uma gigantesca falsificação. Através de censura e manipulação das imagens, convenceu o mundo de que suas  armas “inteligentes” nunca errariam o alvo nem derramariam sangue inocente. As pessoas “viram” uma guerra “limpa” na TV, e o então presidente George Bush saiu-se como herói. Poucos sabem que pelo menos 170 mil pessoas – a maioria composta de jovens, mulheres e criança – foram chacinadas pelo Exército americano.
O telejornalismo contemporâneo tem o poder de “fabricar” o mundo. E é isso que a televisão faz. As notícias são montadas e veiculadas de acordo com certas normas rígidas, que incluem até a entonação da voz do apresentador.
As notícias são tratadas como capítulos de uma telenovela, o tal “show da vida”. O Jornal Nacional, por exemplo, quase sempre termina com um tom “otimista”, como que para (re)confirmar que a novela Brasil terá final feliz.
A ditadura militar brasileira foi rápida na arte de usar a TV como meio de manipulação. Não é um acaso que a Rede Globo surgiu logo após o golpe militar de 1964 (completou 30 anos em 26 de abril). Ela já nasceu com poder e recursos garantidos pelos generais. A razão é simples. Uma de suas principais estratégias era utilizar a tecnologia para alcançar a maior parte do território nacional Isso se adequava à política da ditadura, que favoreceu a expansão da rede através de várias leis para as telecomunicações. A  Globo tornou-se o veículo com o qual a ditadura criou a imagem de um país “pacífico”, em que todos se harmonizavam no samba e no futebol, onde não havia torturas, mas”vigilância” contra o comunismo. Os generais respaldaram um acordo inconstitucional da rede com a multinacional Time-Life, cujo objetivo foi alcançar o “padrão Globo de qualidade”.
Com os mais sofisticados recursos tele jornalísticos, a Globo se tornou centro gerador de um mundo. O Brasil da Globo, sempre anunciado pelo hipnótico “plim-plim”, existe na imaginação de milhões. Política, moda, cultura, questões sociais – tudo passa pelo filtro das organizações Roberto Marinho. Foi a Globo que, por exemplo, “fabricou” a vitória do “galã” Fernando Collor de Mello – para depois ajudar a derrubá-lo, especialmente ao lançar a minissérie “Anos Rebeldes”.
Talvez mais do que no caso Collor, foi o episódio com o ex-ministro da Fazenda Rubens Ricupero, em setembro de 1994, que melhor explicitou a relação ente o poder político e a Globo. Ricupero disse, entre outras coisas, que o Plano Real, lançado dois meses antes, tinha o objetivo de garantir a eleição de FHC. Para o seu azar a conversa foi captada e gravada por pessoas que tinham antena parabólica. Como resultado do escândalo, o ministro caiu.
Ricupero não cometeu qualquer crime, exceto o da ingenuidade. Caiu pelo fato de ter dito a verdade diante das câmeras, sem o perceber. Ao fazê-lo destruiu a sua imagem, arduamente construída, de um “bom moço”, preocupado com o país, e arranhou o verniz de “estadista sério” e talvez genial que se pintava FHC. Ele cometeu o maior dos “crimes”: o poder de sua imagem feriu a imagem do poder.
Ricupero caiu por ter revelado o que todos já sabiam: que o rei estava nu.
Boletim Mundo Ano 3 n° 3

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