Reconstrução do pós -Guerra, realizada sob a égide estratégica de Washington, retomou a herança da empresa familiar -os ‘‘zaibatsu’’-, disciplinou a sociedade e acumulou saldos comerciais, ameaçando, quatro décadas depois, a hegemonia americana
A crise japonesa assinala o esgotamento de um modelo de crescimento que nasceu junto com o capitalismo nipônico. Esse modelo em desintegração combinou o Estado e a grande empresa, subordinou a concorrência ao planejamento e sacrificou o consumo em nome da produção.
O Japão foi atirado ao mundo do comércio internacional pelas embarcações de guerra do comodoro americano Matthew Perry, que em 1854 bombardearam os portos do arquipélago e abriram o mercado interno do país aos produtos ocidentais. Essa operação de guerra econômica destruiu o equilíbrio político do Japão tradicional e precipitou o fim da Era Tokugawa. No lugar do poder localista dos xoguns, instalou-se a autoridade centralizadora do imperador.
A Restauração Meiji, iniciada em 1868, propiciou a modernização industrial e o nascimento de uma nova potência expansionista. Os zaibatsu as empresas monopolistas nipônicas organizadas em bases familiares cresceram na estufa do Estado autoritário e militarista, fornecendo o aço e os navios, os tecidos e os canhões, os aviões e os produtos químicos para os sonhos de poder do império.
As bombas de Hiroshima e Nagasaki, há cinqüenta anos, assinalaram a falência de um projeto e o ponto de partida de outro. Na moldura bipolar da Guerra Fria, o Japão subordinou-se à geopolítica americana enquanto se lançava à reconstrução da sua economia industrial. Washington temia que o Japão, comprimido pela ‘‘pinça’’ formada pelos dois gigantes comunistas (União soviética e China), acabasse não tendo outra alternativa senão aproximar-se dos inimigos estratégicos. Por essa razão, o financiamento da reconstrução japonesa assumia um caráter de urgência para os Estados Unidos.
A primeira grande oportunidade para isso veio com a Guerra entre a Coréia do Norte (comunista) e a do Sul, entre 1950 e 1953. O capital americano associou-se ao Estado japonês para estimular e fortalecer a indústria nipônica, através do ‘‘esforço de guerra’’-fabricação de acessórios e peças militares, roupas sintéticas e processamento de alimentos para os soldados americanos.
Nas décadas seguintes, a estratégia da reconstrução japonesa envolveu dois elementos principais: a formação de poupança interna e a conquista dos mercados externos.
A capitalização dos conglomerados empresariais nutriu-se do baixo custo da mão de obra e da canalização da poupança popular para o investimento privado. O Estado fez a sua parte, comprimindo o consumo e facilitando o crédito para as empresas. O consumo comprimido transformava-se em capital e o capital em tecnologia.
Nos anos 70, a siderurgia, a construção naval e a indústria têxtil deram lugar aos automóveis, eletrodomésticos e eletrônicos. O crescimento dos custos de produção no arquipélago -provocados pelo aumento dos salários e pelos choques de preços do petróleo- estimulava os investimentos no exterior: a indústria do arquipélago transbordava para os vizinhos da Bacia do Pacífico, contribuindo para o boom econômico dos “tigres asiáticos”.
A conquista dos mercados externos apoiou-se na política cambial, seguida a ferro e fogo, de sub valorização do iene: os produtos japoneses deveriam ser baratos fora do arquipélago e os produtos estrangeiros deveriam ser caros no mercado nipônico. Os mercados internacionais foram invadidos por produtos made in Japan.
A balança de comércio com os Estados Unidos desequilibrou-se definitivamente para o lado do arquipélago.
Os excedentes de exportações sobre importações garantiam saldos comerciais monstruosos. As reservas de divisas em dólares empilharam-se nos cofres do Banco do Japão.
O PIB nipônico saltava, em duas décadas, de um quinto para quase três quintos do PIB americano.
O “milagre japonês” conservou-se fiel às tradições.
O lastro cultural budista e religioso, a disciplina no trabalho e a figura do imperador formam um lado da moeda da nova superpotência econômica. O outro lado consubstancia-se no planejamento econômico, centralizado pelo Miti (Ministério da Indústria e Comércio Exterior),que reflete a velha parceria entre o Estado e os conglomerados empresariais. Há dez anos, essa parecia ser uma receita de sucesso eterno. O novo século foi apresentado como o início da “era japonesa” e, nos Estados Unidos, anunciava- se a iminência de um “Pearl Harbor econômico”.
Boletim Mundo Ano 3 n°5
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