Carlos Menem é reeleito à presidência da Argentina já no 1o turno, em 14 de maio, prometendo acabar com uma taxa de desemprego sem precedentes e abrir os arquivos da ditadura; mas as perspectivas são sombrias
Newton Carlos
O ministro da Economia argentino, Domingo Cavallo, costumava dizer que seu país ‘‘é o México com dois anos de atraso’’. Embora retardatários na adoção de medidas de estabilização que permitiram reproduzir o ‘‘milagre mexicano’’ -essa era a mensagem otimista de Cavallo- os argentinos também podiam contar com um milagre. ‘‘A Argentina não é o México’’, apressou-se o ministro a corrigir-se, em meio às ondas de choques resultantes da desvalorização do peso mexicano, com bolsa despencando em Buenos Aires e corridas para a compra de dólares.
Na primeira semana de janeiro,em plena crise no México, pelo menos US$ 1,8 bilhão saíram às pressas da Argentina.
Segundo a empresa de consultoria Broday Associados, entre 20 de dezembro e 18 de janeiro, o mês sob maior impacto da crise, o total depositado em bancos argentinos caiu de US$ 46,2 bilhões para US$ 44,4 bilhões.
Retiradas maciças de depositantes apavorados e liqüidez em queda vertical.
A Argentina, como o México, mostrava-se frágil diante dos ‘‘fluxos financeiros incontroláveis’’, capitais especulativos que se movimentam à velocidade da luz e que vinham calçando os ‘‘milagres’’ latino-americanos.
Embora atraídos por lucros altíssimos, esses capitais recuam aos primeiros sinais de turbulência. A 29 de dezembro, tentando acalmar previsões de estouro, o presidente Carlos Menem assinou decreto cortando os gastos públicos em US$ 1 bilhão.
Cavallo lançou-se em viagens internacionais disposto a convencer o mundo de que ‘‘a Argentina está em situação melhor do que a do México’’. A livre convertibilidade na Argentina foi estabelecida por lei, o que significa que o peso não pode ser desvalorizado em relação ao dólar. Por isso, a crise não é avaliada em termos da oscilação do valor do peso, mas, sobretudo, por meio do cálculo dos déficits comerciais enormes (talvez de US$ 9 bilhões este ano), altos índices de desemprego (de 6% para 12% no governo Menem) e elevado grau de tensões sociais.
No momento em que Menem e Cavallo procuravam restabelecer confianças, um operário foi morto na Terra do Fogo (extremo sul do país), vítima da repressão policial a protestos pelo fechamento de uma fábrica. Também foram registradas manifestações populares contra a política econômica em Santiago del Estero,Chaco, Rio Negro e La Rioja (terra do presidente), além de uma greve geral em Córdoba, a segunda maior província, após dois meses de atraso no pagamento de funcionários públicos e aposentados, e depois de mais uma greve geral em todo o país comandada por entidades sindicais.
Face a distúrbios como esses, os investidores do ‘‘smart money’’ (dinheiro esperto, em tradução literal) estão sempre prontos para cair fora a qualquer momento, como fizeram em reação à guerrilha de Chiapas, no México.
Mas Cavallo continuava garantindo que a Argentina seria ‘‘perfeitamente capaz’’ de cobrir suas necessidades financeiras com recursos próprios.
O Fundo Monetário Internacional (FMI), dizia, só ajuda a países com dificuldades na balança de pagamento, ‘‘o que não é o caso da Argentina’’.
A 9 de março, no entanto, ele afinal admitiu, em depoimento ao Congresso de seu país, que a situação ‘‘é extremamente crítica’’, e que a Argentina ‘‘pode afundar num buraco’’. Dois dias depois, o FMI anunciava em Washington a adoção de um ‘‘tratamento de emergência’’ para a Argentina, enquanto o ministro insistia na necessidade de aumentar impostos e cortar gastos ainda mais. Isso já tinha sido acertado com a instituição, cujos auditores haviam estado em Buenos Aires em fins de fevereiro.
Um economista elogiado por Cavallo, Adolfo Stuzenegger, calcula que a recessão (estimativas de crescimento reduzidas a 1%) abaterá em US$ 3 bilhões o recolhimento de impostos este ano. Para evitar o colapso nas contas correntes, o ministro fez o que disse que não faria: foi bater às portas do FMI, em busca de dólares e de sinal verde para outras opções financeiras. Num pacote de US$ 11 bilhões em crédito, o FMI e o Banco Mundial arcarão com cerca de US$ 6 bilhões. ‘‘Chegamos a um acordo com o governo argentino quanto a objetivos fiscais em 1995’’, informa o FMI, deixando claro que Cavallo ofereceu como contrapartida a continuada ‘‘supervisão’’ e o arrocho econômico.
Cavallo propõe mudanças no sistema previdenciário e em leis trabalhistas, no sentido de facilitar demissões e permitir contratações provisórias, sem obrigações sociais. Tornar o mercado de trabalho ‘‘mais flexível’’ e assim enfrentar uma combinação de desemprego e não criação de novos postos de trabalho. Não se trata, apenas, de 1,3 milhão de argentinos sem emprego. Além disso, mais de 10% da população economicamente ativa vive de biscates. Resta saber se os remédios adotados em comum acordo com o FMI, com um sabor amargo acentuado pela crise mexicana, conseguirão evitar o buraco temido por Cavallo.
Reeleição de Menem reflete falta de opção
O presidente Menem sofreu um atentado em 6 de maio, quando fazia campanha eleitoral em Rosário, Santa Fé. Juan Paz, 32 anos, descrito pela polícia como‘‘doente mental’’, disparou três tiros contra o ‘‘menemóvel’’, um ônibus Mercedes-Benz que lhe serve de palanque eleitoral.
Os tiros não atingiram ninguém, mas o atentado é emblemático do clima de tensão no país, às vésperas das eleições de 14 de maio. Até o início de maio, as pesquisas de opinião indicavam certo favoritismo de Menem, do Partido Justicialista (peronista) contra os rivais José Octavio Bordón, da Frente País Solidário (Frepaso) e Horacio Massaccesi, da União Cívica Radical (UCR). Ainda assim, Menen sofreu forte desgaste político nas últimas semanas. Conseguiu ser vaiado na abertura dos Jogos Pan americanos, na inauguração da Feira Internacional do Livro e durante um jogo de futebol em Buenos Aires.O desgaste não se deve apenas à crise econômica. Em março, oficiais da Marinha da Argentina admitiram sua participação na tortura e massacre de presos políticos durante a ditadura. Foi uma bomba no cenário político. Oficiais do Alto Comando multiplicaram discursos reconhecendo, pela primeira vez, ‘‘responsabilidades’’ pelos ‘‘excessos’’, mas tentando colocar panos quentes.
Foi o suficiente para que entidades de defesa dos direitos humanos, em particular as Madres de la Plaza da Mayo, organizassem atos exigindo providências do governo. Menem, que várias vezes defendeu os generais da ditadura, viu-se entre a espada e a parede. Na Argentina, os problemas do presente insistem em reabrir as chagas do passado.
Revista Mundo Ano 3 n° 3
Revista Mundo Ano 3 n° 3
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