“Imagens, milhões de imagens, eis o que devoro... Você já tentou abandonar esse vício com apomorfina?”
(William Burroughs)
Robinson Borges Costa Especial para Texto & Cultura José Arbex Jr.
Editor Geral de Mundo
Todos os dias, 30 milhões de brasileiros param o que estão fazendo, durante pelo menos um hora, para assistir a telenovela. Eles se emocionam de verdade com o que se passa na fantasia.
Tentam se vestir como seus ídolos, imitam seu estilo de agir e falar, discutem os problemas dos personagens como se fossem cruciais para os destinos da nação, compram revistas especializadas que tratam ficção como fatos da vida. Todos os dias, pesquisas de audiência medem as oscilações da opinião pública. A telenovela faz do país um imenso laboratório experimental.
Não por acaso, causou comoção nacional o assassinato de Daniela Perez, em 28 de dezembro de 1992, quando interpretava o papel de Iasmim, na novela global De Corpo e Alma (de Glória Perez, mãe de Daniela). As notícias confundiam Daniela com Iasmim, quase não se sabia quem havia morrido. O impacto chegou a abafar a notícia da renúncia do então presidente Fernando Collor. E o Jornal Nacional, que transmitia com estardalhaço as notícias sobre as investigações do crime, virou uma extensão da telenovela.
Outro exemplo do poder da fantasia é o programa semanal Você Decide, da Globo. O programa cria a ilusão de que as pessoas têm o poder de alterar a trama, através do voto. Enquanto o programa se desenrola, dezenas de milhares de pessoas ligam para os estúdios da Globo para votar, enquanto outras dezenas fazem concentração de rua. Por jogar com a mobilização das pessoas, o programa funciona como simulador de situações e crises. Os telespectadores não percebem que não estão decidindo nada, mas escolhendo entre opções previamente idealizadas pela rede. O “voto” é plebiscitário – “sim” ou “não”. Não há argumentação. Votando, as pessoas se tornam parte do enredo. São “engolidas” pela ficção.
Mas qual é a “mágica” da telenovela?
A resposta está no fato de que a televisão ocupa um lugar central na vida contemporânea, e a telenovela é o gênero em que a televisão melhor desempenha o seu papel – como demonstram os enormes índices de audiência.
A telenovela é a linguagem por excelência da televisão. Ela absorve os outros gêneros – o vídeo-clip, o jornalismo, a propaganda –, e impõe o seu formato e linguagem até mesmo aos telejornais.
O fascínio exercido deve-se, em grande parte, á sofisticação das técnicas narrativas, à tecnologia utilizada nas montagens dos cenários, aos efeitos visuais – que celebrizaram Hans Donner, na Globo –, e, sem dúvida, ao apelo sexual.
Desde que foi ao ar a primeira telenovela, em julho de 1963 (TV Excelsior, Canal 9 de São Paulo, às 19h), com o título 2-5499 Ocupado, até 1995, o Brasil produziu pelo menos 500 telenovelas, séries e minisséries. Essa experiência acumulada absorve investimentos milionários. Pantanal (Manchete, março a dezembro de 1990), que chegou a ameaçar a audiência da Globo, inaugurou um nível de superprodução hollywoodiano. Suas cenas externas, filmadas no próprio local, exigiram o transporte de homens e máquinas por meio de helicópteros e balões silenciosos para não assustar os animais. O objetivo de tudo isso é encantar, trocar o cotidiano cinzento por paisagens exuberantes onde mulheres lindas viram panteras. A técnica narrativa também se aprimora. Os diálogos são rápidos, curtos e fáceis de “deglutir”.
Os temas, em geral, envolvem questões do cotidiano, mas transportadas de forma simplificada para o faz de-conta. Se no dia-a-dia “real” não há santos nem canalhas, na novela os personagens são apresentados de forma caricatural: são um ou outro. Mesmo quando eles são um pouco mais complexos, o “bem” e o “mal” estão nitidamente definidos, não há dúvidas (ou, se há, são do tipo simples, como em Você Decide). Isso tranqüiliza a alma, distrai a dor de existir. A trama sempre envolve sedução, poder, amor, dinheiro.
Variam as dosagens e as situações em que os ingredientes se misturam.
Como esses ingredientes, de alguma forma, fazem parte da vida de todos, rapidamente as situações se tornam aparentemente “familiares” aos telespectadores. Um pobre favelado “entende” o drama de um personagem milionário traído pela esposa; um telespectador milionário “conhece” a favela porque viu “como é” na TV.
Mas, para além de outras considerações, são as cifras comerciais que melhor dimensionam o impacto das telenovelas. A Globo, que detém o monopólio da produção do gênero, faturou, em 1994, US$ 25 milhões só com vendas para o exterior. A lista de compradores inclui 110 países (principalmente, da América Latina e a parte latina da Europa), 65 dos quais adquirem o produto regularmente. Outros compram só grandes sucessos, como “Escrava Isaura”, “Roque Santeiro”.
Em todo o mundo, um telespectador liga, a cada minuto, seu aparelho de TV numa emissora que exibe uma novela brasileira. Estados Unidos e Inglaterra são exceção: ali, os telespectadores não apreciaram a dublagem.
O desenvolvimento da telenovela no Brasil tem relação direta com o exercício da hegemonia da comunicação por empresas privadas, garantido pela ditadura nos anos 60-80. A capacidade de transformar as telenovelas em principal produto de comunicação de massa seduziu os ideólogos do regime, que entenderam o seu poder de manipular a imaginação, os conceitos éticos e os sentimentos da nação. A Globo foi essencial à estabilidade da ditadura). A história da Globo se confunde com a da própria telenovela.
Suas primeiras produções de teledramaturgia eram coordenadas pela cubana Gloria Magadan. As histórias eram ambientadas em outros países e em tempos distantes.
Mas, em 1968, a Tupi exibiu “Beto Rockfeller” (de Bráulio Pedroso), que, pela primeira vez, rompia o então vigente padrão mocinha-mocinho-vilão. Beto era herói e cafajeste.
Foi um estouro de audiência. A Globo, em resposta, enterrou o estilo “cubano”.
A partir dos anos 70, quando a Globo consolidou sua hegemonia, os seriados americanos tiveram cada vez menos espaço no horário nobre, ocupado por telenovelas. Essa situação fez com que alguns críticos vissem no gênero um movimento de independência face ao “imperialismo cultural” dos Estados Unidos. Mas os adversários dessa tese alegam que o caráter essencialmente comercial das telenovelas apenas reproduz os moldes americanos, que, aliás, deram base à estrutura da rede.
Boletim Mundo Ano 3 n° 3
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