Para o horror da Europa, o fundamentalismo islâmico aproxima-se da vitória na Argélia, agita o Magreb e provoca temor no Egito; na Bósnia, a guerra étnica ressurge com a primavera, e de novo desperta fantasmas e interesses geopolíticos nos Bálcãs, que, no passado, opuseram a Rússia aos otomanos e às potências ocidentais.
África do Norte
As sociedades do norte africano foram plasmadas pelas invasões maometanas do século VII, que estabeleceram a identidade árabe, a religião islâmica e a cultura muçulmana. O domínio otomano data do século XVI, quanto a região foi incorporada ao império Tri continental polarizado por Istambul. O Império Otomano gerou o esboço das futuras fronteiras, ao implantar nas cidades de Argel, Túnis e Trípoli -além do Cairo- as capitais provinciais. Em menos de um século, os governos provinciais adquiriram larga margem de autonomia e tornaram-se instrumentos das elites locais.
No século XIX, as potências coloniais européias tomaram o lugar dos otomanos em toda a região. O Magreb (Argélia, Tunísia e Marrocos) foi colocado sob controle francês. O Egito oscilou entre as condições de esfera de influência informal e protetorado formal britânico. O domínio colonial europeu apenas arranhou a superfície da cultura e das tradições sociais.
O movimento de descolonização transcorreu sob o signo do terceiro mundismo e do nacionalismo árabe. No Egito, Gamal Abdel Nasser (1952-1970) encarnou a política do não-alinhamento, nacionalizou o Canal de Suez, mas conheceu o fracasso na Guerra dos Seis Dias, contra Israel, em 1967. Na Argélia, uma dolorosa guerra anti-colonial arrastou-se por quase uma década, até a independência, em 1962.
Os grandes sonhos de progresso material e desenvolvimento social associados à descolonização dissolveram-se no desencanto e na pobreza. Poucas décadas depois das independências, a crença em governos laicos e modernizantes transformou-se em frustração e rancor. O nacionalismo, desgastado pelos fracassos, começa a ceder lugar aos movimentos islâmicos fundamentalistas, que prometem o retorno, num futuro reluzente, das glórias perdidas do passado. Enquanto no Egito os radicais islâmicos da Irmandade Muçulmana, duramente reprimidos pelo regime, lançam ataques terroristas cada vez mais ousados, na Argélia há uma guerra civil aberta.
A guerra civil na Argélia começou em janeiro de 1992, com a suspensão do segundo turno das eleições gerais e a “dissolução” da FIS (Frente Islâmica de Salvação), que acabava de vencer o primeiro turno. Três anos de sangue trouxeram a certeza de que o regime, apoiado envergonhadamente pelos países europeus, é incapaz de destruir os fundamentalistas. Nos dois últimos meses, a conflagração atingiu a sua máxima intensidade.
Notícias imprecisas dão conta de massacres de centenas de militantes fundamentalistas pelas forças do governo, enquanto os atentados terroristas sucedem-se diariamente. Na Europa, os governos passam a considerar seriamente o pior dos cenários: uma Argélia islâmica e anti-ocidental, que funcionaria como ponto de referência para os fundamentalistas do Egito.
Europa Balcânica
As conquistas otomanas dos séculos XVI e XVII no sudeste da Europa levaram para a região uma nova cultura e religião. O legado histórico da dominação turca foi a constituição de maiorias muçulmanas nas atuais Albânia (70% da população) e Bósnia (44% da população) e minorias significativas em países como a nova Iugoslávia, a Macedônia e a Bulgária.
O recuo otomano atravessou quase todo o século XIX, desde a autonomia da Sérvia (1817) e a independência grega (1829), passando pela Guerra da Criméia (1853-56) e pela guerra russo-turca (1876-77), até a 1ª Guerra. Ao longo da lenta decadência otomana, constituíram-se os Estados nacionais balcânicos, que tornaram-se leitos comuns do cruzamento de culturas e religiões diversas.
O exemplo mais notável do cruzamento de correntes históricas na região balcânica foi a Iugoslávia, que antes de se estilhaçar agrupava cinco grupos nacionais (sérvios, eslovenos, croatas, montenegrinos e macedônios) e três religiões (católicos, cristãos ortodoxos e muçulmanos). A Bósnia, conhecida como “Iugoslávia em miniatura”, sintetizava a diversidade mais ampla na convivência entre a maioria relativa muçulmana e as minorias sérvia ortodoxa (36%) e croata católica (20%).
O colapso da Iugoslávia, destruída pelos nacionalismos étnicos a partir de 1990, atiçou o fogo na palha bósnia. Há três anos e meio a guerra étnica devasta a Bósnia num ritmo incessante, apenas interrompido por tréguas precárias e efêmeras. A velha capital, Sarajevo, onde soou o sinal para o início da 1ª Guerra, perdeu a sua condição de símbolo da tolerância e da pluralidade entre povos e culturas para converter-se em signo associado ao ódio étnico.
A guerra na Bósnia ganhou uma pausa em janeiro, graças à mediação do ex-presidente americano Jimmy Carter. A trégua provisória, destinada a oferecer as condições para a negociação da paz, está se esgotando sem que as partes tenham avançado um único milímetro nas conversações. A retomada da guerra obedece à lógica do fim do inverno europeu e da reconstituição dos estoques de armas e munições das forças do governo oficial bósnio (majoritariamente muçulmano).
O impasse trágico da Bósnia reflete a paralisia das potências, separadas por projetos geopolíticos inconciliáveis.
Os Estados Unidos não querem um Estado bósnio-muçulmano estável e, por isso, insistem na confederação muçulmano-croata. A Rússia sustenta a idéia histórica de uma Grande Sérvia, tão cara aos estrategistas russos desde a era dos czares e fundamento da tradicional aliança ortodoxa entre os sérvios e Moscou. Os europeus querem parar a guerra que desmoraliza a União Européia, mas temem mais ainda que os americanos a influência muçulmana na região balcânica .
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