domingo, 23 de janeiro de 2011

1968- O Protesto da estética desafia a estética do Protesto

É proibido proibir
“Mas é isso que é a juventude que diz que quer tomar o poder! Vocês (...) são a mesma juventude que vai sempre matar amanhã o velhote inimigo que morreu ontem... Vocês não estão entendendo nada. Absolutamente nada! (...) O problema é o seguinte: estão querendo policiar a música brasileira (...) Eu e o Gil tivemos a coragem de enfrentar todas as estruturas e sair de todas. E vocês? Se vocês forem em política como em estética, estamos feitos” (Caetano Veloso, no festival de música no Tuca (SP) em 1968, a um público estudantil que vaiava Gilberto Gil, considerado “alienado”)
Início dos anos 60: o nacionalismo do presidente João Goulart, herdeiro político de Getúlio Vargas, desafiava, em certa medida, as diretrizes da Casa Branca para a América Latina.
Para a Escola superior de Guerra, elite das Forças Armadas, isso era uma afronta subversiva insuportável. Esse panorama estimulou o golpe militar de 31 de março de 1964, sinalizado pelo comício de apoio às Reformas de Base, no Rio, e pela Marcha da Família com Deus pela Liberdade, em São Paulo.
Nesse contexto, a Bossa Nova se dividiu. De um lado ficaram Roberto Menescal, Ronaldo Bôscoli e a rapaziada da “Terceira Dentição da Bossa”, como Francis Hime, Nelsino Motta, Dori Caymmi. Eles gostavam mesmo é de ficar na praia, curtindo tardiamente os anos dourados de “desenvolvimento” de Juscelino Kubistschek. Do outro lado, ficara Nara Leão, Sérgio Ricardo, Geraldo Vandré… Para eles, não fazia mais sentido cantar patos, barquinhos e lobos: a luta contra a ditadura exigia uma ofensiva.
Esse grupo elegeu uma nova temática: morro / campo. Nara abriu seu apartamento, em Copacabana, para Cartola, Nelson Cavaquinho, Zé Ketti e João do Vale, todos músicos do “povo”. O show “Opinião” – importante referência aos que buscavam base para protestar contra o regime – contou com a participação dos dois últimos, ao lado da moça bem-nascida e da voz suave. A proposta oficial de arte engajada da União Nacional dos Estudantes (UNE), através de seus Centros Populares de Cultura (CPCs), foi além das fronteiras da música: contagiou a literatura (Ferreira Gullar), o teatro (Augusto Boal, Gianfrancesco Guarnieri) e o cinema (Cinema Novo).
Nelson Pereira dos Santos, com o filme Rio, 40 Graus, denuncia os pro problemas do morro; Glauber Rocha, com Deus e o Diabo na Terra do Sol, os do campo (o sertão nordestino).
O Fino da Bossa Com o modesto título de O Fino da Bossa, os estudantes da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco articularam um show, exibido pela primeira vez no Teatro Paramount em 1965. Acontece que desde o início dos anos 60 as ondas televisivas invadiam a atmosfera. Como resultado, O Fino da Bossa virou um programa comandado por Elis Regina e Jair Rodrigues, exibido na TV Record. O objetivo era acolher a música “autenticamente” brasileira.
As melodias eram cada vez menos jazzísticas, e suas letras cada vez mais incisivas, de protesto.
A Jovem Guarda A mesma emissora exibia, domingo à tarde, o programa A Jovem Guarda.
Roberto Carlos, seu grande expoente, viera do Espírito Santo. Conhecendo os roqueiros da “pesada”. Tim Maia e Erasmo Carlos, viou O Rei. Os cabelos dos Beatles e os rebolados de Elvis Presley assumiram cor tupiniquim: yeah; yeah; yeah! transformou-se em iêiê-iê! As abomináveis guitarras, que para a patrulha ideológica nacionalista e politizada dos CPC’s eram símbolo de “alienação”, embalavam versões em inglês ou letras que preferiam que tudo fosse para o inferno, alheias ao que ocorria no país.
As “jovens tardes de domingo” tornaram- se um grande fenômeno de massa. Com o “tremendão” Erasmo Carlos e a “Ternurinha” Wanderléia, o rei Roberto apresentava um desfile de atrações do iê-iê-iê muito bem descritos na música Festa de Arromba, (de Erasmo). O tom exato do programa dado principal mente pelas gírias, além das roupas e dos cabelos.
Ganhando as paradas de sucesso, o “brasa, mora!” valeu a contestação do consagrado sambista de São Paulo Adoniran Barbosa: é uma cinza, mora!
(…) mas lembro que o rádio que hoje toca/ iê-iê-iê o dia inteiro/ tocava saudosa maloca.
Tropicália Os baianos Caetano Veloso, Gilberto Gil e Tom Zé, influenciados pela antropofagia modernista de Oswald de Andrade, assumiram como objetivo  resgatar a linha evolutiva da Música Popular Brasileira, para eles paralisada desde João Gilberto. Perseguiram a idéia do novo em arte, como José Celso Martinez Correa, no teatro, com o grupo Oficina (montaram a peça O Rei da Vela, de Oswald); Hélio Oiticica, nas artes plásticas; o Concretismo, na literatura; e o Cinema Novo.
Nesse clima, os Paulistas mutantes , e a Tropicália ultrapassava as fronteiras da política. Quando, por exemplo,Caetano apareceu na TV sem gravata e de gola rulê, isso provocou a ira dos conservadores revolucionários oficiais. Mas o maior atrito entre a Tropicália e os “engajados” se deu quando Caetano, revoltado com a desclassificação da música Questão de Ordem, de Gil, que ridicularizava a terminologia das assembléias estudantis, brada com ironia: se vocês forem em política como são em estética, estamos feitos. Tudo em meio às vaias enquanto cantava É proibido proibir, citação do movimento estudantil francês de 68. Desagradáveis ao regime, Caetano e Gil foram exilados.
Em Londres, curiosamente, recebem a visita de Roberto Carlos, que compôs para Caetano  debaixo dos caracóis dos seus cabelos.

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