quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

O Desembarque Aliado na Normandia( 06 de Junho de 1944)

“DIA D” SOLDOU OS DESTINOS DOS ESTADOS UNIDOS E EUROPA
Há meio século, no dia 6 de junho de 1944, era desencadeada a invasão de França pelos Aliados (americanos, britânicos e canadenses).
Sob o nome de código de Operação Overlord, o desembarque na Normandia foi a maior ação combinada de forças aeronavais e terrestres da história.
Mas os fatos que desembocaram no Dia D foram politicamente tumultuados. Constituem, por si  só, um prenúncio do que seria o xadrez que opôs Washington a Moscou durante a Guerra Fria.
Em julho de 1942, encontraram-se, em Moscou, Josef Stalin (URSS) e Winston Churchill (Grã- Bretanha). Na reunião, realizada durante os sangrentos combates pelo controle de Stalingrado, Stalin insistiu na necessidade de abertura de uma frente no Ocidente, para provocar a duplicação do esforço de guerra alemão.
Havia dois anos, desde a queda de Paris, a guerra na Europa quase se resumia ao front oriental, onde caíam multidões de russos e alemães.
Stalin não foi atendido.
O horizonte estratégico de Churchill envolvia a mútua e prévia destruição do poderio bélico de alemães, aplainando o caminho para a marcha triunfal anglo americana. Nesse cenário, a Europa do pós- Guerra se ergueria sob hegemonia do Ocidente e por cima dos escombros das potências continentais. O desembarque aliado na Sicília, no verão de 1943, não modificava esse panorama.
Apenas abria um teatro militar secundário, separado da planície européia pelos Alpes. Novo pedido de Stalin, na conferência de Teerã (novembro de 1943), impressionou o presidente Franklin Roosevelt  mas abalou as convicções de Churchill.
O desembarque na Normandia nasceu do fracasso das avaliações de Churchill. A violenta contra-ofensiva soviética no inverno de 1943- 44 convenceu  os britânicos e americanos de que o impasse no leste tinha se rompido definitivamente.
A URSS começava sua marcha rumo à Berlim. Quando os aliados ocidentais finalmente firmaram posições no Norte da França, a máquina de guerra soviética aproximava-se já da fronteira polonesa. Era a “corrida pela Europa”.
Na abertura da conferência de Yalta (fevereiro de 1945), o equivoco estratégico britânico refletia-se territorialmente: as forças soviéticas controlavam o Leste europeu e atravessavam a fronteira alemã, enquanto os anglo americanos ainda lutavam na margem ocidental do Reno.O encontro selou a hegemonia  soviética sobre o Leste, materializada por governos predominantemente comunistas. Alguns anos depois, a Cortina de Ferro (conceito criado por Churchill, em 1946) definiu a arquitetura européia da Guerra Fria, congelando a influência de Moscou na Europa oriental. Os aliados ocidentais pagavam pelo atraso na “corrida pela Europa”. O Dia D uniu, por toda a Guerra Fria, o destino dos Estados Unidos ao da Europa Ocidental, prenunciando o Plano Marshall e a constituição da Otan (Organização do Atlântico Norte). Durante cinco décadas, a dissuasão nuclear soldou os territórios  americano e europeu.
Nesse período, a sombra da ameaça soviética funcionou como cola, ligando franceses e alemães e patrocinando a edificação da Comunidade Européia (atual UE). De certa forma, as sementes de tudo isso estão no desembarque na Normandia, quando o tradicional isolacionismo  americano foi rompido. A partir daquela operação, a estratégia da política externa da Casa Branca deixou de ser o axioma enunciado pelo presidente James Monroe em 1823 (a América para os americanos), para ocupar-se do equilíbrio geopolítico à escala planetária. A nova estratégia, globalista, seria formulada doutrinariamente pelo presidente Harry Truman, em 1947. Num discurso ao Congresso, Truman prometia conter a ameaça comunista em qualquer ponto do planeta.
O 50º aniversário do Dia D tem lugar no momento em que o conjunto das relações inauguradas no 6 de junho de 1944 entraram em dissolução.
O encerramento da Guerra Fria – após a queda do Muro de Berlim (1989), a reunificação alemã (1990) e a implosão da URSS (1991) – recoloca em discussão os laços que conectam americanos e europeus e os vínculos entre europeus do Ocidente.
Os Estados Unidos de Bill Clinton experimentam mais uma vez a tentação do isolacionismo.
A UE patina no terreno escorregadio da recessão e oscila entre expectativas divergentes de franceses,  alemães e britânicos. A Otan sobrevive à perda do inimigo, simbolizando uma ponte incerta entre os dois lados do Atlântico.
O Dia D apaga-se no passado.
MAIOR OPERAÇÃO MILITAR DA HISTÓRIA
O Comandante Supremo da Operação Overlord, o general americano Dwight Eisenhower, tinha sob seu controle perto de 3 milhões de americanos, britânicos e canadenses. Num dia só, 155 mil soldados desembarcaram nas praias Utah, Omaha, Gold, Juno e Sword, nomes codificados das cinco áreas de assalto ao longo de uma faixa costeira de 100 Km de extensão. Em menos de um mês, 1 milhão desembarcaram.
No dia 1 de junho, Eisenhower tivera acesso a um telegrama enviado para Tóquio pelo embaixador japonês em Berlim, interceptado pela Inteligência aliada. O documento comprovava o sucesso das ações de despistamento anglo americanas, que levaram Hitler a supor que o desembarque seria no Pas de Calais, o ponto mais estreito do canal da mancha.
Em 2 de junho, o comandante aliado decidiu adiar o desembarque para o dia 5, como conseqüência do mau tempo sobre o canal. Uma mensagem radiofônica secreta enviada à Berlim pelo Marechal alemão von Rundstedt previa que a operação aliada necessária de pelo menos quatro dias consecutivos de bom tempo, o que a deslocaria para depois da primeira semana de julho. Através desta mensagem, também decifrada pela Inteligência aliada, Eisenhower tomou consciência do estado de espírito do comando alemão e decidiu ousar, iniciando a invasão no menor tempo possível. Na manhã do dia 3, a meteorologia previu um lapso de tempo bom.
A sorte estava lançada: cinco minutos antes da meia-noite de 5 de junho, os primeiros soldados britânicos tocavam a aldeia de Benouville, 250 Km a sudoeste de Calais. Começava a última fase da guerra na Europa. As forças anglo-canadenses que desembarcaram em Gold, Jono e Sword lutaram encarniçadamente para romper as linhas alemãs e consolidar cabeça-de-ponte. Na praia de Omaha, vários erros táticos no lançamento de pára-quedistas provocaram elevadas baixas entre os americanos. Na praia de Utah o avanço americano foi rápido e as linhas inimigas se romperam em inúmeros pontos.
No dia 8, as tropas britânicas da praia Gold juntaram-se aos americanos de Ohama, consolidando o desembarque. Foi o suficiente para que Stalin telegrafa-se para Churchill, prometendo desencadear a ofensiva na frente oriental: “Overlard é um motivo de júbilo para todos nós”. A 25 de agosto, Paris era libertada e as forças  anglo americanas tomavam o rumo do Reno.
Em parte como resultado do prestígio obtido com a operação, Eisenhower elegeu-se à Presidência de seu país pelo Partido Republicano, em 1953. Permaneceu no cargo até 1961.
É difícil imaginar que há um século e meio, o mais famoso dos historiadores franceses, Jules Michelet, pudesse ter escrito: “A guerra das guerras, o combate dos combates, é aquele entre França e Reino Unido.
Todos os  demais são meros episódios” (...) O tamanho, idade e proximidade, a recusa de se subordinar a qualquer império, a perda das colônias, as armas nucleares – tudo, incluindo o declínio atual, certamente torna gêmeos britânicos e franceses.
E, contudo, não nasceram do mesmo ovo. Cada nação pode invocar a frase orgulhosa de A tempestade:
“Nós somos aquilo do que os sonhos são feitos”. (...) A insularidade ajuda a alimentar tais sonhos. Mas como cultivar essa singularidade de caráter quando não se é uma ilha?
Tentando se tornar uma. Isso, de fato, é o que a França tem feito ao longo dos séculos, à medida que procura prolongar a sua ilha litorânea por meio de outras “fronteiras naturais”: montanhas e rios (...) O túnel do Canal da Mancha teria visto a luz do dia muito mais cedo se tantos britânicos não temessem que ele possa oferecem uma passagem desimpedida para hipotéticos invasores.
Mas a França não pode se quer escarnecer: o comitê de defesa da Assembléia Nacional ouviu argumentos similares quando eram feitos planos para o túnel sob o Monte Branco.
(André Fontaine, The Economist, 30 de abril de 1994, pág. 21-21)
Eurotúnel desafia desejo de isolamento britânico
Uma violenta tempestade, há  alguns anos, interrompeu por um dia o transporte marítimo entre as ilhas britânicas e o Continente. O Times, influente e normalmente sisudo diário londrino, saiu-se com uma manchete vazada em fina ironia britânica: “Tempestade isola a Europa”. Um evento assim não mais se repetirá, já que entrou em funcionamento o Eurotúnel, que conecta por sob o leito do Canal da Mancha os portos de Calais (na França) e Folkestone (na Grã-Bretanha).
No Dia D, a ligação entre Grã-Bretanha e a Normandia francesa dependeu da mobilização de uma frota impressionante de embarcações militares e mercantis. A travessia do canal vinculou simbolicamente a democracia anglo-saxão  e americana à Europa continental. Nem por isso, a Grã-Bretanha deixou de pensar e agir como uma ilha, nostálgica do Império mundial do século XIX e propensa a priorizar relações com o poderoso rebento anglo-saxão mas republicano da América do Norte.
Apenas em 1973 a Grã-Bretanha juntou-se à obra da integração européia, empreendida desde 1952 por franceses e alemães.
Mesmo assim, conservou um pé fora da Comunidade, por pudor de se associar, como parceiro igual , á idéia européia. O Tratado de Maastricht, de 1992, confirmou a oscilação britânica: Londres não aderiu ainda à meta da moeda comum. O Eurotúnel não resolve esse impasse. Espíritos nem sempre transitam pelos mesmos caminhos dos trens e automóveis.

Nenhum comentário:

Postar um comentário