Elaine Senise Barbosa, 29 anos, historiadora e professora do Colégio Augusto Laranja, de São Paulo, viajou a Cuba.
Um olhar superficial sobre Cuba pode fazer sonhar com a utopia. Em Havana, as primeiras atenções recaem sobre as ruas - limpas, sem lixo ou esgotos abertos, com praças e árvores seculares, indicando uma cidade que não sofreu grandes transformações urbanísticas. Os casarões que compõem a paisagem, onde raríssimos são os prédios que ultrapassam 5 ou 6 andares, desvendam um passado de riquezas que foi abandonado pela burguesia cubana e americana nos anos sub sequentes à chegada de Fidel Castro ao poder. Hoje, são habitadas por populares, que pagam um pequeno aluguel ao Estado. As crianças, saudáveis e com bons dentes, brincam pelas ruas sempre calçadas, mesmo que o tênis esteja velho e rasgado de um lado a outro. A propaganda governamental sobre os benefícios médicos alcançados pelo regime é incontestável: toda criança recebe um litro de leite por dia até os 6 anos, além de vacinas, acompanhamento pediátrico, creches, escolas.
Cuba é governada pelo Partido Comunista, presente em cada quarteirão através dos CDRs (Comitês de Defesa da Revolução). As pichações oficiais nos muros são sempre palavras de ordem de cunho nacionalista - evocando José Martí, primeiro líder da Independência ou enaltecendo a Revolução.
É curioso notar que o nome de Fidel e sua imagem pouco aparecem. No seu lugar, as imagens de Martí e Che Guevara funcionam como os rostos e vozes que, subrepticiamente, legitimam o “Comandante em Chefe”. Um olhar mais acurado revela que o sonho da Revolução se desvanece e dá lugar a um país em crise.
A carência de energia e combustível transparece na frota de automóveis. Os carros - velhíssimos, americanos da década de 50 ou russos dos anos 60 e 70 - quebram freqüentemente e a persistência em fazê-los funcionar é explicada pelo insuficiente sistema de transporte público nacional. Os guáguas, como são chamados os ônibus, são velhos, demoram muito a passar e estão sempre lotados. O transporte popular na ilha são as bicicletas, chinesas. A falta de divisas para a importação de petróleo reduziu a 10 litros mensais a cota de gasolina dos proprietários de automóveis. Resultado: os únicos congestionamentos que existem são nas filas de ônibus; a ausência de barulho de aceleradores e freadas, o ar puro, criam uma paisagem pitoresca. Na Autopista Nacional e na Carretera Central, as mais importantes rodovias, pode-se andar por vários minutos sem cruzar-se um único automóvel ou caminhão.
Entrar em contato com os turistas é, hoje, o esporte nacional: todos precisam obter dólares para viver. O sistema de empregos é irreal, trabalha-se em turnos de 24 ou 48 horas, que mascaram um desemprego imenso. A média salarial gira entre 150 a 200 pesos cubanos por mês que, se fossem convertidos no câmbio negro, representariam 5 ou 6 dólares. Com este dinheiro adquire-se a libreta - uma por mês - que dá direito de adquirir nas bodegas - que só abrem aos sábados - os alimentos básicos. As cotas estabelecidas são insuficientes: todos concordam que a comida dá para, no máximo, 15 dias. Roupas e sapatos, só nas tiendas, em dólares. O que mais se pede ao turista que transita pelas ruas é sabonete. Nafalta, a solução é tomar banho com detergente... Na madrugada e pela manhã, vê-se inúmeras bóias, dessas de câmara de pneu, adentrando o mar bem em frente ao Malecón, a avenida principal de Havana: são jovens e adultos tentando uns peixes para o almoço.
O Estado tem no turismo a principal fonte para obtenção de divisas. Atrai capital estrangeiro,sobretudo espanhol, para sóciedades em empreendimentos hoteleiros. Restaurantes, bares, aluguel de carros, tudo é estatal e não se admite concorrência privada. Foram liberadas certas atividades privadas, mas nada que “desvie” o grosso dos dólares do turismo. A venda de charutos (os puros) e rum nas ruas, e o uso de carros particulares como táxis são algumas das atividades ilegais presentes em toda a Ilha,escudadas nas propinas pagas para os policiais. A prostituição generaliza-se. Disse-me uma senhora: “são as prostitutas mais baratas do mundo, tem bom nível cultural e assistência médica garantida”. No bar do Restaurante Pátio, um grupo de turistas franceses cantava a Internacional, o hino comunista, acompanhados de prostitutas...
Outro lado da crise manifesta-se na dilapidação e no desvio de recursos: todos desviam produtos das empresas onde trabalham para vender no mercado negro, inclusive gasolina, que nos ofereceram por 40 cents de dólar, enquanto o preço oficial é de 90 cents. Há uma saturação generalizada que se reflete nas críticas abertas que se fazem ao governo. Ao perguntar, numa tienda, qual era o rum preferido de Fidel, o atendente mostrou uma garrafa do uísque Chivas Regal. Na rua, um jovem que vai começar o serviço militar obrigatório de 2 anos diz que o dinheiro de Cuba está nos cofres suíços, na conta de “los dos hermanos”. Ele se referia ao “Comandante em Chefe” e ao sucessor, Raúl Castro.
Boletim Mundo Ano 3 n° 4
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