quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Editorial - Bósnia

A Guerra da Bósnia ressuscitou práticas que se julgava enterradas, pelo menos em solo europeu: campos de concentração, depuração étnica e deportação de populações. Qualquer semelhança com os métodos de Hitler e Stalin não é mera coincidência. É o atestado de um fracasso: a Organização das Nações Unidas foi criada, há 50 anos, exatamente para garantir que o mundo jamais teria que enfrentar de novo tal horror.
A violência impera onde não há Lei  onde a lei é a do mais forte. Ora, a própria ONU sempre foi refém dos mais fortes. O poder de veto dos integrantes de seu Conselho de Segurança -Estados Unidos, Rússia, China, Grã-Bretanha e França- transforma em pilhéria a vontade da maioria dos membros da organização.
A Assembléia Geral reduz-se a uma ópera-bufa, mero ator coadjuvante do Conselho dos "grandes".
Isso é verdade hoje, quando a Casa Branca, em particular, faz da ONU a "casa da sogra". George Bush o demonstrou na Guerra do Golfo (1991): quando lhe interessou, a ONU foi eficaz.
Mas era também verdade a época da Guerra Fria, quando Washington e Moscou tratavam o mundo como seu espólio; o "equilíbrio do terror", jamais o concerto das nações, ditava as regras.
A Razão de Estado poderia alegar que é utópica a idéia de um poder supranacional assegurar democraticamente a paz. Este raciocínio conduz à destruição da ONU, ainda mais quando se multiplicam guerras étnicas e civis. Se o único meio de resolver os conflitos é submetê-los ao jugo das potências -ou, em outros termos, se a única forma de resolver a fome é matar os famintos-, então a paz será, sempre, a paz dos cemitérios, aquela que Washington impôs a Tóquio, também há 50 anos, em Hiroxima e Nagasaki.
A Razão do Direito Internacional afirma, em oposição, que o fracasso da ONU, sua incapacidade de impedir a barbárie na Bósnia -ou em Ruanda– não é resultado de uma suposta inclinação humana para o Mal, mas sim reflete a vontade geopolítica, imperial, das potências. Elas jamais dotaram a ONU de qualquer capacidade efetiva de intervenção, mantendo o poder de soar  os  tambores da guerra ou de passar o cachimbo da paz.
Hoje, quando se discute a reformulação da estrutura de poder da ONU -incluindo a recomposição de seu Conselho-, a comunidade das nações tem nova chance de tentar a via democrática. Os "grandes" podem contribuir, limitando os seus próprios poderes, em benefício de um acréscimo de poder da ONU; ou, ao contrário, podem reafirmar sua lógica imperial. Caso escolham esta via, serão eles -e não a figura abstrata da "ambição humana"- os responsáveis pela liberação da Besta do Apocalipse.
Boletim Mundo  Ano 3 n° 4

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