domingo, 23 de janeiro de 2011

Guerra do Vietnã, 20 anos depois

Apec  lança pá de cal no comunismo asiático
Acordo para a criação da maior zona de livre comércio do planeta pode integrar o Vietnã ao mercado e marca o fim das guerras de “contenção do comunismo” no Pacífico.
Newton Carlos
O histórico acordo de Seattle, Estados Unidos, estabelecendo a criação no Pacífico, nos próximos 25 anos, da maior zona de livre comércio do mundo, é a contrapartida pós-Guerra Fria do Seato (pacto envolvendo americanos e países do sudeste asiático) e uma pá-de-cal nas guerras asiáticas de “contenção do comunismo” – remotamente, a da Coréia, e, sobretudo, a do Vietnã, as duas tendo a China como pano de fundo. Os Estados Unidos já comerciam com o Vietnã e assinaram acordo nuclear com a Coréia do Norte. Mas a atração maior é a China, com seu acelerado crescimento econômico e enorme mercado interno.
Na Guerra do Vietnã, os Estados Unidos desenvolveram uma estratégia de contra-insurgência. Seus princípios foram anunciados em 1961, pelo então secretário da Defesa Robert McNamara, ao abrir, em Fort Braggs, Carolina do Norte, o primeiro curso anti guerrilha para oficiais estrangeiros:
“Treinaremos tropas de elite para que elas ajudem governos amigos, em todas as partes, a enfrentarem as pressões de criminosos revolucionários”.
Washington tinha se recusado a endossar o acordo que selara a derrota da França na Indochina , e ainda não reconhecia a China Comunista.
Mas em 1989, depois de vários anos de conversações entre governos e organizações de desenvolvimento e do comércio do Pacífico, surgiu a Ásia-Pacific Economic Community, a Apec. De início, não tinha agenda explícita e seus compromissos eram limitados a encontros ministeriais anuais e financiamentos de estudos.
Modesto secretariado foi instalado em 1991, quando um grupo de trabalho começou a examinar possibilidades de liberalização do comércio. Ao invés de tiros, negócios. Em sua primeira mensagem ao Congresso, o presidente Bill Clinton disse que a prioridade diplomática passava a ser a abertura de novos mercados, com a conseqüente multiplicação de empregos nos Estados Unidos. A Casa Branca criou o Conselho de Segurança Econômica, que dedica grande parte de seu tempo às novas relações com a China do “socialismo de mercado”, aberta a capitais. Clinton deu pompa à primeira cúpula da Apec, de Seattle, em novembro, que reuniu dirigentes de 18 países.
Cautelosa, a China propôs, e foi aceito, que em vez de copiar o modelo europeu de comunidade, fossem usados nos documentos da Apec palavras equivalentes a “família” ou “relações”. Washington tentou aprovar, em vão, acertos mais rigorosos. Desde então, redobrou os esforços para amarrar relações com Pequim. Em maio de 1994, Clinton renovou o status da China de nação favorecida, com tratamento tarifário privilegiado, ignorando violações de direitos humanos.
Depois de Seattle, um cruzador da marinha americana atracou no porto de Quingdao. O gelo pós-massacre da praça da Paz Celestial se tornava degelo inclusive no campo militar. Depois, Washington e Pequim desfizeram um estado de pré-guerra comercial, assinando acordo de proteção de propriedade intelectual. Produtores americanos ganharam maior acesso ao mercado chinês de filmes e gravações.
Mas a China não quer a “pax americana” no Pacífico. Por isso recebeu “com reservas” o anúncio de que a Casa Branca pretende manter 100 mil soldados no Japão e Coréia do Sul. Certa de que o fim da Guerra Fria criou um vazio no Pacífico, a China se sente em condições de competir com os americanos como polícia regional. Com o crescimento de seu poder econômico, numa transição política incerta, o nacionalismo continua sendo recurso ideológico de primeira grandeza.
Johnny vai à guerra
Segundo o mio, o presidente John Kennedy teria sido assassinado por industriais e generais americanos porque era contra o crescente envolvimento de seu país na Guerra do Vietnã. Essa foi a tese central do filme “JFK”, de Oliver Stone. Tudo errado.
Kennedy foi um dos grandes responsáveis –talvez o maior – pela tragédia americana no Vietnã. No seu governo, o país empreendeu os passos decisivos para o envolvimento militar na região.
“O Vietnã não é uma guerra”
30 de abril de 1975, 11 horas: o carro de combate norte-vietnamista derruba os portões do palácio onde funciona a sede do governo sul vietnamita, em Saigon (atual Ho Chi Min), capital do Vietnã do Sul.
Encerra-se um capítulo de um dos mais importantes eventos do século.
A Guerra do Vietnã começou a se delinear em Genebra, em 1954, com os acordos que puseram fim à dominação colonial da França na Indochina e dividiram o Vietnã e dois, separados pelo paralelo 17 : o Vietnã do Sul, sob influência ocidental; o do Norte, comunista.
A divisão não foi aceita pelo Norte e pela maioria da população do sul.
O período entre 1954 e 1960 foi marcado pela turbulência no sul.
Um governo ditatorial levou à criação de um movimento de oposição armada, a partir de 1961. Era a Frente de Libertação Nacional (FLN), cujos combatentes, os vietcongs, queriam unificar o Vietnã. Contra os vietcongs, o governo passou a receber o apoio de “assessores” militares e depois de centenas de milhares de soldados americanos (em 1968, eram mais de 500 mil). Em 1964, o conflito se ampliou, com o bombardeio americano sobre o Vietnã do Norte. Cristalizou-se a guerra: de um lado, o Vietnã do Sul, apoiado pelos EUA; de outro, os vietcongs, apoiados pelo Vietnã do Norte, e, indiretamente pela China e URSS. Até 1966, o conflito foi favorável aos vietcongs. Mas, com a entrada da ajuda americana, a situação começou a se reverter.
Quando tudo indicava que o sul venceria, a ofensiva do Tet (ano novo lunar vietnamita) mudou o rumo do conflito. No último dia de janeiro de 1968, forças vietcongs e norte-vietnamitas atacaram de surpresa todas as cidades e centros administrativos do sul, chegando a penetrar na embaixada americana em Saigon. Embora tenha resultado num fracasso militar, a ofensiva abalou a determinação americana à medida que desgastou a imagem do país perante o mundo e a opinião pública interna, cada vez mais contrária à guerra.
Começou então uma longa fase de negociações, e o gradativo desengajamento das forças americanas, até sua retirada formal, em março de 1973. Nos dois anos seguintes o conflito se “vietnamizou”. A ajuda financeira americana tornou-se cada vez mais insuficiente para evitar a queda do sul, em abril de 1975. O Vietnã foi reunificado, ao preço de 1,5 milhão de vidas vietnamitas e de mais de 50 mil americanas. Washington decretou embargo econômico contra o Vietnã, só suspenso no início de 1995. A associação do Vietnã à guerra é ainda tão forte que, recentemente, um representante de seu governo foi obrigado a lembrar ao mundo que “o Vietnã não é uma guerra, é um país”.

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