sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Editorial- Testes Nucleares

Os testes nucleares franceses no atol de Mururoa, iniciados em 1966, explicitam uma questão central: quando tanto se fala no ‘‘globalismo’’- na instauração de uma ‘‘comunidade das nações’’ em oposição à antiga divisão do mundo em blocos antagônicos e quando se celebra a informatização que prefigura virtualmente a ‘‘aldeia global’’ imaginada por Marshall McLuhan nos anos 60 -quando, enfim, um olhar distraído poderia concluir que a humanidade supera os estreitos limites impostos pela lógica do Estado-nação oitocentista-, a França revela -com sua face mais colonialista, racista, preconceituosa, belicista e agressiva- a persistência de uma perspectiva centrada na Razão de Estado e no direito imperial.
O atol de Mururoa faz parte do arquipélago Tuamotu, na Polinésia francesa, um conjunto de 130 ilhas com área total de 3.885 km2 e 190 mil habitantes, a maioria dos quais descendentes de nativos. A capital, Papeete, fica na ilha de Tahiti, onde se concentra metade da população. Tahiti tornou-se protetorado francês em 1844, e as outras ilhas foram gradualmente anexadas.
Em 1946, no quadro da reorganização geo- política do pós-Guerra, a região tornou-se território francês ultramarino com representação na Assembléia francesa.
Face às pressões contra os testes, Paris multiplicou declarações patéticas, como a de que a França também é uma ‘‘nação do Pacífico Sul’’ (sic). Eliminada a demagogia, a retórica se resume a um só argumento: o território é francês, e ponto. Claro que Paris também é território francês, mas os testes não são na civilizada capital, apenas porque na civilizada perspectiva francesa a população e o ecossistema da longínqüa e não civilizada Mururoa não contam. A mesma perspectiva imperial norteou, por exemplo, os puritanos que massacraram os indígenas para ‘‘civilizar’’ o Oeste americano; ou os católicos portugueses e espanhóis que destruíram maias, astecas, toltecas, tupis, guaranis e tantos outros povos, em nome de seus ideais ‘‘elevados’’; ou, ainda, os brancos que instauraram o odioso apartheid na África do Sul.
Nesse sentido, a França não faz nada de ‘‘novo’’ em Mururoa. Apenas se tornou -por incompetência e / ou excesso de arrogância- a face mais visível da lógica da exclusão cultural, arraigada no Ocidente, que reconhece legitimidade apenas àquilo que encontra no espelho. É a mesma lógica que alimenta o preconceito contra o Islã (‘‘fanático’’, ‘‘terrorista’’ etc.), as populações negras da África ou o imigrante nordestino que busca no Sul do Brasil a sua subsistência. Eis, enfim, a questão: na era da globalização, os testes de Mururoa são, de fato, a regra, não a exceção.
Revista Mundo Ano 3 n° 5

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