quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Diário de Viagem- Crise assusta jovens japoneses

Marcelo Tamada, 27 anos, é jornalista do “International Press”, semanário editado em língua portuguesa no Japão.
Poucos países passaram por mudanças tão rápidas e profundas nos últimos 50 anos quanto o Japão. De um país totalmente destruído pela Segunda Guerra, passou à condição de uma poderosa potência econômica. No período de reconstrução, a necessidade de reerguer o país era preemente e justificou o apelo do governo aos sacrificios dos interesses pessoais. Hoje, o país industrializado e rico começa sentir os “efeitos colaterais” dessas transformações rápidas.
Paira no Japão atual um ar de liberalidade, principalmente entre os mais jovens. Não se vê no país apenas os trabalhadores assalariados (salarymen), dedicados funcionários de uma empresa, cumpridores do trajeto único casa-serviço-casa. A mentalidade mudou. Nas ruas de alguns bairros de Tóquio, vê-se jovens com cabelos multicoloridos (a grande moda é descolorir os cabelos), brincos, trajes para “n” tipos de garotos. Hoje, os japoneses parecem desejar mais ‘‘curtir a vida’’.
Mesmo assim, resquícios da rigorosa (e por vezes, impiedosa) sociedade japonesa ainda se manifestam com alguma freqüência. Recentemente, uma onda de suicídios de jovens estudantes (entre 13 e 16 anos) assustou o país, levantando uma polêmica que mereceu atenção do próprio primeiro-ministro Tomiichi Murayama.
Um garoto de 13 anos foi o pivô da história. Kiyoteru Okochi enforcou-se no quintal de sua casa.
Na sua carta-despedida, alegou não suportar mais os mal tratos (em japonês, ijime) dos colegas de classe que chegaram a lhe extorquir uma grande quantia de dinheiro. O caso foi amplamente divulgado pela televisão. Dias mais tarde, outro jovem suicida-se, também alegando sofrer ijime. O que se viu depois foi uma sucessão de quatro casos semelhantes, em menos de quinze dias. O que causou mais espanto (e reflexão) no caso de Kiyoteru é que os próprios pais, professores, colegas e a diretoria do estabelecimento, enfim, todos sabiam do ijime e ninguém fez nada para coibir os abusos.
Casos assim ocorrem ao mesmo tempo que a sociedade começa aceitar várias atitudes antes proibidas.
Há dez anos, não se  viam namorados de mãos dadas nas ruas, atitude já considerada normal. Mas o avanço não é tão radical. Ainda hoje o beijo em público ainda é tabu.
O jovem de 20 anos cresceu em pleno milagre japonês,quando o modelo econômico nipônico começava a mostrar sua força e conquistar mercados. Anos, portanto, de muita prosperidade e fartura.
Hoje, o país atravessa uma recessão econômica que já dura  quatro anos. Sinais da crise são vistos nas ruas, estações de trem, estatísticas. Em Shinjuku, um dos maiores terminais de trem e metrô de Tóquio, muitos homeless (gente que não tem casa) moram em casebres improvisados de papelão. Na época de prosperidade econômica, esses homens e mulheres tiravam seu sustento em empregos temporários (bicos).
Com a crise, tais empregos desapareceram.
A crise econômica também está derrubando mitos.Um deles é o sistema de emprego vitalício, onde o funcionário precisa “vestir a camisa” da firma. Em troca, a empresa oferece garantias de que dificilmente será despedido. Devido a esse sistema, muitos homens colocavam os deveres da empresa acima do seu próprio interesse.Tanto que o karoshi (morte por excesso de trabalho) é uma das doenças mais discutidas no Japão.O governo estuda uma definição dos sintomas da doença.Dependendo do conceito que for elaborado, o karoshi pode ser a doença que mais mata no país.
Não há sinais de que a crise esteja no fim, e a tendência não é das mais positivas. A queda do valor do dólar no mercado mundial provocou uma supervalorização do iene. Com isso, os produtos de exportação japoneses perdem competividade no exterior, enquanto os importados ficam mais baratos no mercado nipônico. O resultado é que muitas empresas optaram por investir no exterior, construindo unidades de produção em regiões próximas ao mercado consumidor. Graças a essa estratégia,as corporações minimizaram os efeitos da alta do iene. Porém, isso não diminui a preocupação, presente nos estudos dos economistas japoneses, de que haja um esvaziamento do setor manufatureiro rumo ao exterior, agravando ainda mais o problema de oferta de empregos no próprio país.
Hoje, o jovem já não pode se dar ao luxo de escolher a empresa que vai trabalhar. Não há tantas opções.Os mais velhos criticam o que chamam de ‘‘corpo mole’’ dos mais jovens, e temem pelo futuro do país.
Enquanto isso, o arquipélago vai enfrentando novos problemas: uma seita apocalíptica que prega a Terceira Guerra Mundial, atentados de gás venenoso, um governo desacreditado e efeitos de um terremoto devastador (em Kobe) que emolduram a crise.
Boletim Mundo Ano 3 n° 3

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